Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Daniela Nogueira

O aborto no Brasil foi oficializado, segundo portaria publicada no dia 21/5 pelo Ministério da Saúde. Foi o que informou a coluna Esplanada, no portal O POVO Online, da edição de 23/5. Com o título “Governo oficializa aborto e paga R$ 443 pelo SUS”, a coluna detalha que o SUS desembolsará R$ 443 pelo procedimento de “interrupção terapêutica do parto”, um ‘eufemismo’, conforme o colunista, para o aborto – considerado crime no País. O texto pode ser conferido pelo link.

“A lei sancionada pela presidente Dilma visa autorizar aborto para casos de estupro e anencéfalos, mas deixa brechas para a prática geral: a mulher não é obrigada a apresentar BO policial ao médico, e uma única vírgula no texto da portaria abre interpretações para a prática geral”, escreve o colunista.

O texto causou rebuliço. Foi parar no site nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) e em páginas das redes sociais da sigla. “No Brasil, o aborto continua ilegal” foi o título da notícia no site do partido para desmentir a coluna publicada pelo O POVO Online. Pode ser lida pelo endereço. Na página, há a reprodução do portal do O POVO com a tarja vermelha no meio indicando “É mentira”.

Em nenhum momento, o PT cita o nome do O POVO, mas o faz pela imagem que reproduz. Utiliza expressões como “materiais com informações falsas”, “pura mentira” e “campanha caluniosa”. Logo após a contestação pelo partido, a coluna emitiu uma nota ratificando o que foi publicado.

As brechas

Com o título chamativo, a coluna quis atrair a atenção. A portaria estabelece as regras para o atendimento de mulheres vítimas de violência sexual e, sim, contém “brechas”. A coluna faz uso delas para bancar a “oficialização” do aborto – um tema polêmico que suscita contumazes discussões e exalta ânimos sempre que exposto. “Os abortos só serão autorizados em casos de estupro, anencefalia do feto ou risco de vida para a mãe”, informa o site do PT.

O fato é que o aborto continua sendo crime. Não há, por ora, legalização do aborto no País. É por isso que se deve ter o cuidado ao abordar o assunto, sem escapar do debate e sem deixar de informar. Entretanto, fazer uso de estratégicas de chamariz, como títulos apelativos, é uma tática que pode levar a interpretações equivocadas. Nesta época de eleição, partidos e governos estão mais indissociáveis do que nunca e usarão, como puderem, o produto da mídia contra ela mesma.

Em tempo: no dia 30/5, a coluna publicou o texto “Governo recua de portaria sobre aborto no SUS“. Avisa: “o Ministério da Saúde recuou e revogou a portaria 415, com aval da presidente Dilma, após repercussão negativa com a revelação da Coluna sexta passada.”

O nível (já) caiu

Às vésperas da Copa do Mundo, daqui a alguns dias, e na antevéspera das eleições, daqui a algumas semanas, o nível das declarações de gente influente no futebol e na política tem caído a um patamar preocupante. Ex-jogador de futebol e (ex-)ídolo diz achar “que tem que baixar o cacete” nos ‘vândalos’ durante as manifestações na Copa. Gestora de centro que trata de pessoas que enfrentam problemas com álcool e drogas acusa ex-gestora de “fumar e cheirar”. Ex-gestora, atual atacada, questiona o crescimento das mudas plantadas agora na Cidade. “Mais fácil crescer o cabelo do prefeito”, compara. 

Todas as declarações ganharam destaque na mídia nos últimos dias. Diante da prévia, pode-se imaginar o que esperar das próximas cenas. O que cabe à imprensa é, claro, expor as relações conflituosas que se desenham nos cenários e como elas podem modificar a conjuntura. Cabe mostrar como pensam e agem as chamadas pessoas públicas. Mas não cabe ficar alimentando os bastidores do fuxico, em detrimento da discussão séria. Favor não confundir jornalismo com fofoca.

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Daniela Nogueiraé ombudsman do jornalO Povo