Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A cobertura de uma nova guerra, à sombra da anterior

O período que antecedeu a guerra no Iraque, em 2003, não foi a melhor hora para o New York Times. Algumas das informações das reportagens eram incorretas, orientadas por pautas externas e sem o necessário ceticismo. Muitas colunas de opinião e editoriais do Times incentivavam a ideia de uma guerra que acabou sendo sem fundamentos e desastrosa.

Os leitores não se esqueceram. Mesmo agora, passados mais de dez anos, é um dos temas que mais ouço. Nas últimas semanas, com o caos que se instalou no Iraque, voltou a se falar em intervenção militar e os leitores ficaram mais do que atentos.

As duas situações são nitidamente muito diferentes e ficaram mais ainda com a declaração do presidente Barack Obama de que um ataque de tropas por terra está fora de questão. Além do mais, se o presidente George W. Bush parecia decidido a invadir o Iraque, Obama já deixou clara sua aversão à guerra. E isso está claro nesta crise.

Entretanto, considerando o histórico conflitivo do Times quando se trata desse assunto, os leitores têm boas razões para se sentir escaldados em relação ao que aparece no jornal sobre uma intervenção militar no Iraque. E, com base no que ouço eles dizerem, acho que é isso que sentem.

O acesso a fontes do governo

Muitos leitores queixaram-se que o Times estaria dando muita voz aos neoconservadores da extrema-direita e servindo de megafone a vazamentos de fontes anônimas do governo, enquanto deixaria de dar voz àqueles que se opõem à intervenção.

Com a ajuda de meu assistente, Jonah Bromwich, eu revisitei e reli a cobertura do Iraque e os comentários das últimas semanas para ver se as queixas eram válidas. Os leitores ressaltam um ponto que vale a pena avaliar. Nas páginas de opinião e nas colunas jornalísticas, foram muito poucas as vozes dos que se opunham à guerra da última vez e dos que atualmente recusam o uso da força. Mas é nítido que os neoconservadores e os que defendem a intervenção estão sendo ouvidos.

Um recente perfil do historiador Robert Kagan, um ardente defensor da invasão do Iraque em 2003 que está novamente nas manchetes, foi alvo de duras críticas pelos leitores. E um artigo na página de opinião de Anne-Marie Slaughter, outra defensora da guerra do Iraque e que diz que Obama devia usar a força militar na Síria, também consternou alguns leitores.

Phyllis Bennis, que escreve frequentemente sobre o Oriente Médio, me mandou um protesto por e-mail: “O que parece é que o Times só leva a sério aqueles que foram responsáveis pelo desastre em que se transformou o Iraque.” Onde – pergunta ela – está o tratamento equivalente – “sério, compreensivo e virtualmente acrítico” – daqueles que se opuseram à guerra e advertiram sobre o que iria acontecer agora?

O documentarista Robert Greenwald escreveu o seguinte no Twitter: “Outro dia e mais um artigo no NYT sobre um neoconservador e o Iraque! Onde estão os artigos de centenas de milhares de pessoas contra a escalada da guerra?”

Também observei que grande parte das reportagens continua a refletir o extraordinário acesso do Times a fontes do governo. Isso pode ser vantajoso, em termos de concorrência, ou um perigo em potencial. Um leitor, Dave Metzger, destacou um recente artigo de primeira página que se apoiava nessas fontes anônimas. Seu comentário no Twitter esbanjava sarcasmo: “As lições do Iraque aprendidas.”

Falta de rigor e ceticismo

Tenho sido constantemente crítica do uso excessivo de fontes anônimas, embora reconhecendo que, às vezes, são necessárias. Mas elas dominaram a cobertura recente que o jornal faz de Washington.

O acesso do Times a fontes do governo produziu matérias importantes, mas em minha opinião não houve esforço suficiente para desafiar e investigar as opiniões dessas fontes. Um pequeno exemplo. Numa análise militar (“‘Ataques aéreos dos EUA poderiam reverter a ofensiva insurgente’, dizem especialistas”), o único reconhecimento de oposição veio numa frase parcial: “Apesar dos céticos, principalmente Democratas, que dizem que os ataques aéreos dificilmente mudam o andar dos acontecimentos no Iraque, o presidente Obama está avaliando a possibilidade de usá-los, entre outras opções, para ajudar o governo do primeiro-ministro Nuri Kamal al-Malaki.” Excluindo essa breve referência, os céticos não voltam a ser mencionados. (Talvez uma análise militar não fosse o lugar correto para esse ceticismo, mas ele também não aparece muito em outros lugares.)

Outros artigos fizeram citações limitadas daqueles que se opõem a uma intervenção norte-americana. A cobertura não ofereceu o tipo de atenção profunda que os leitores querem para contrabalançar textos como o de Robert Kagan. Vale ressaltar que as reportagens do exterior do Times têm sido agressivas e consistentes.

Na página editorial e nas páginas de opinião, os argumentos contra a intervenção não vieram de fora, mas dos próprios colunistas e editoriais do Times. Os textos de opinião de autores externos têm-se inclinado favoravelmente à intervenção militar. Entre eles, não apenas o de Anne-Marie Slaughter, mas também o da pesquisadora Nussaibah Younis, especialista em Iraque na Faculdade Kennedy da Universidade de Harvard que insistiu com o governo Obama para que ajudasse o Iraque a retomar a cidade de Mosul.

A seleção desses textos faz sentido, numa perspectiva mais ampla, pois as páginas de opinião e editoriais pretendem, em parte, apresentar pontos de vista que se oponham àqueles dos editoriais do Times. Um dos exemplos mais notáveis é o da mudança de opinião de Thomas Friedman. Friedman foi um dos principais defensores da intervenção, da última vez, e depois disse que estava errado. Recentemente, escreveu: “Hoje, eu diria ‘Saia dessa guerra’ – não porque seja a melhor opção, mas por ser a menos pior”. Nicholas Kristof, David Brooks e Ross Douthat manifestaram-se contrários a qualquer intervenção importante.

Antes da guerra do Iraque, a cobertura foi responsável por muitos exames de consciência para o Times. Depois, foi criada uma política forte de fontes anônimas e uma extraordinária nota do editor reconheceu que faltava rigor e ceticismo às reportagens. O editor da página editorial, Andrew Rosenthal, disse-me recentemente, em outro contexto, que os equívocos antes cometidos pelo Times em relação ao Iraque tinham muito a ver com o que pensava a equipe da página de opinião.

Agora, espero que os editores – tanto os das páginas de notícias quanto de opinião – pensem e reflitam sobre que vozes têm vez e podem estar no Times. Devem isso a seus leitores, que observam seu jornal de perto. Bem de perto.

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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times