Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Vera Guimarães Martins

A Folha anunciou na última quinta (28) que o time de colunistas do site ganhou um novo integrante, o filósofo formado pela USP Guilherme Boulos, 32. Nome já conhecido dos leitores, Boulos se notabilizou por sua atuação extracurricular, a de coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.

Figura das mais ativas do MTST, Boulos é adepto e praticante da política de invasão de áreas urbanas ou imóveis desocupados como instrumento para pressionar pela construção de moradias populares.

Em maio, o movimento invadiu um terreno no bairro de Itaquera e aproveitou a proximidade da Copa do Mundo para arrancar dos governos federal e municipal a promessa de desapropriação da área, que pertence a uma construtora, para erguer um conjunto habitacional.

Os termos "invasão" e "invadiu", utilizados nos parágrafos anteriores, seguem a nomenclatura recomendada pelo jornal para reportar fatos como esses. Boulos adota outro, "ocupação". A opção por um ou outro revela as diferenças ideológicas entre o novo colunista digital e a Folha, que condena a invasão de propriedade privada.

O editor-executivo, Sérgio Dávila, observa que Boulos não será o primeiro entre os colaboradores a defender essa prática, em certos casos, em nome da justiça social.

Manual da Redação

Pluralismo

Numa sociedade complexa, todo fato se presta a interpretações múltiplas, quando não antagônicas. O leitor da Folha deve ter assegurado seu direito de acesso a todas elas. Todas as tendências ideológicas expressivas da sociedade devem estar representadas no jornal. Pág. 48

Nem será o primeiro a divergir das posturas defendidas pelo jornal. Em matéria de opinião, a Folha tem de tudo e o seu contrário. A pluralidade é um dos postulados do projeto editorial e o "Manual da Redação" pontifica que "todas as tendências ideológicas expressivas da sociedade devem estar representadas no jornal" (leia verbete).

Acho até que faltam tendências para tanta oferta: na soma de impresso mais on-line, o time de colunistas contabiliza 126 pessoas de todos os matizes. Além dos nomes com periodicidade certa, os convidados da seção "Tendências/Debates", na página A3, garantem biodiversidade para ninguém botar defeito.

Ou não.

É comum receber reclamações de leitores inconformados pelo espaço "desperdiçado" com textos à direita ou à esquerda, do filósofo Olavo de Carvalho (colaborador eventual) ao também filósofo Vladimir Safatle (fixo); de gente que contesta opiniões professadas por Janio de Freitas, um dos colunistas mais antigos, ou Reinaldo Azevedo, dos mais recentes; de bedéis que procuram viés em cada vírgula a passionais que se sentem traídos pelo jornal quando este dá voz a figuras com as quais na?o concordam. Junte-se ao clube, Boulos.

A "vida dupla" do coordenador do MTST, como colunista e, ao mesmo tempo, protagonista do noticiário, não será novidade; é o roteiro seguido há anos por políticos que escreveram na coluna vertical da página A2, como Aécio Neves, Marina Silva, José Serra, Marta Suplicy, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique e José Sarney.

Boulos vem como porta-voz dos movimentos populares, nos quais tem forte atuação. Seu primeiro texto, publicado na quinta, era "Receita para acabar com as ocupações". Como ocorre com qualquer outro colunista, cabe ao leitor avaliar o prato que ele serviu e servirá.

A direção afirma que não houve nenhuma discussão sobre possíveis limites no conteúdo na coluna.

"O que se espera de todo colunista do jornal é que utilize o espaço para expressar seus pontos de vista, e não como plataforma de propaganda para suas atividades pessoais, quer políticas, quer profissionais", afirma o editor-executivo.

Quem acompanha a Folha sabe que isso nem sempre acontece, mas vigiar e reclamar são parte do jogo democrático. Um bom jornal, como disse o dramaturgo norte-americano Arthur Miller, é aquele onde a nação conversa consigo mesma.

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Vera Guimarães Martinsé ombudsman daFolha de S. Paulo