Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Vera Guimarães Martins

A morte súbita e trágica do candidato à Presidência Eduardo Campos deu uma demonstração da força do jornalismo de internet, mas deixou evidentes suas fragilidades.

A começar pela técnica: primeiro a noticiar que o ex-governador estava no avião que caiu em Santos, o site da Folha atraiu, em menos de cinco minutos, um total de visitas seis vezes maior do que a média normal ao longo de uma hora. O sistema entrou em pane e saiu do ar. Por cerca de 25 minutos, o leitor não conseguia acesso à notícia e encontrava a página sem atualização. Dos grandes jornais, foi o último site a confirmar a morte de Campos.

Não acho que sirva de consolo o fato de ter dado a notícia antes _”furo” é um pilar fundamental no impresso, mas menos relevante na internet, plataforma em que o ineditismo de um fato como esse dura segundos ou parcos minutos. Mais importante é a capacidade de continuar alimentando o leitor com informações novas, o que o jornal não conseguiu por mais de uma hora.

Quando o site voltou ao ar, a prioridade foi a consolidação de reportagens com o noticiário factual, além da biografia e da trajetória política de Campos, providências corretas na ótica do jornalismo impresso, mas que não dão conta do imediatismo da internet, em que o leitor ansioso migra de uma publicação a outra com um clique.

Só depois disso a Folha pôs no ar seu “live blog” (blog ao vivo, em tradução literal), que permite fazer postagem de forma descomplicada e ágil, narrando os acontecimentos praticamente em tempo real.

Usado inicialmente para cobrir eventos programados (a cerimônia de Oscar ou jogos de futebol), o “live blog” foi logo assimilado pelo noticiário mais denso, o chamado “hard news”. Virou um modelo híbrido e singular de jornalismo, só possível na internet: é “impresso”, mas feito ao vivo. Pode agregar áudio (como rádio) ou vídeo (como TV), mas sua âncora é o texto.

Ao contrário do jornalismo no papel, que serve o prato pronto, com começo, meio e fim definidos, no “impresso ao vivo”, o leitor toma conhecimento da notícia quase ao mesmo tempo que o profissional que a reporta. A apuração vai ao ar em “pílulas” noticiosas, sem um fio condutor único, e nela cabem os fatos importantes, mas também (muito) os irrelevantes. A primazia é a postagem frequente, para prender a audiência –o que o torna uma versão mais pobre das reportagens de TV.

Para alguns, a ferramenta aponta o futuro do jornalismo. Para outros, é mais um golpe contra ele, porque, entre outras razões, abdica da curadoria do conteúdo. Entre os adeptos do digital, ela é uma extensão natural do uso que já fazem da rede. Aos nativos do papel, só um aperitivo para o prato principal, que virá mais frio, mas mais completo.

Preferências à parte, os dois modelos não são excludentes. A curadoria do material cru postado no “live blog” já é normalmente feita, quando o site seleciona o conteúdo mais relevante e o empacota no formato de reportagens, com títulos e informações hierarquizadas.

A maior fragilidade do relato imediato está na multiplicação da possibilidade de cometer erros, tanto maior quanto menor for o tempo de apuração e maturação da notícia. No dia da morte de Campos (13), o “live blog” de “O Globo” chegou a noticiar que a mulher e o filho caçula do candidato também haviam morrido no acidente. A informação foi corrigida logo, com bastante visibilidade. (A Folha também tem mancadas como essa no currículo.)

O ponto é que o “impresso ao vivo” veio para ficar e, notícia ruim para as empresas jornalísticas em crise, sua produção não parece dar alívio ao caixa. Ele ainda não rende anúncios, demanda investimentos graúdos em tecnologia para suportar grandes audiências e requer profissionais qualificados para minimizar o risco de erros. Alguém achou que iria ficar mais fácil?

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Vera Guimarães Martinsé ombudsman daFolha de S. Paulo