Wednesday, 17 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Tânia Alves

Na sexta-feira, dia 20, recebi email de leitor incomodado com um artigo publicado na página 13, Editoria Opinião, do dia anterior, com o título “Leite, perigo branco”. O leitor, que é médico, alertava ser a publicação uma colagem de textos de Internet e que misturava conceitos científicos sem nexo. “A notícia principal é falsa”, destacou. “Com exceção do texto original não existe mais nenhuma menção em qualquer fonte. Qualquer um pode escrever o que quiser como opinião. Mas quando um jornal ‘sério’ divulga isso, muita gente lê rapidamente e acredita”, escreveu, indicando um link na Internet.

No mesmo dia, um comentário com teor parecido foi deixado por internauta no Portal O POVO Online. “Seria prudente que O POVO tivesse mais cuidado com a publicação de análises controversas e alarmistas sobre nutrição e saúde. A opinião emitida é parcial e perigosa”.

Os dois leitores têm razão. Consultei o site indicado pelo primeiro leitor. A página de Opinião do O POVO publicou artigo com informação errada: o primeiro parágrafo do texto informava que a partir de 2016, todo o leite vendido na União Europeia teria que ser identificado com o símbolo de toxidade. A informação foi publicada no site português satírico Inépcia. (www.inepcia.com). Lá você encontra títulos e matérias tão absurdos como engraçados: “Governo nega ter decretado corte de 70% na luz solar”; “Hospitais autorizados a contratar como médico qualquer pessoa com bata branca” ou “Ciência confirma: sempre que alguém leva a sério uma notícia satírica apaga-se uma estrela no céu”. Foi o nosso caso. Publicamos uma informação falsa num artigo de opinião como se fosse verdadeira. Originalmente, o teor do texto do site é uma brincadeira.

Pedido de desculpa

Ainda no dia 20, alertei em email aos editores responsáveis pela área que o primeiro parágrafo era uma cópia do site. Na terça-feira passada, foi publicada na página 6, de Opinião, uma retificação na seção Erramos. No final, havia um pedido de desculpas aos leitores. Foi muito acertado fazê-lo, mas o estrago já ia longe. O texto tinha sido publicado no Portal O POVO Online e, enquanto pode ser acessado, já acumulava 264 recomendações no Facebook e havia sido reproduzido 44 vezes no Twitter.

Enviei email para os editores da área pedindo que esclarecessem os critérios para a publicação de textos na página de Opinião. O editor Luiz Henrique Campos informou que a factualidade do tema, a representatividade e a qualificação do autor e assuntos que sejam de interesse geral são alguns dos critérios adotados para a publicação de artigos. Temas como saúde, educação, segurança e mobilidade urbana são recorrentes. Sobre o caso específico, o jornalista disse que confiava no autor do artigo, vez que ele vem da Academia e já escreve faz tempo no O POVO, mas não se eximia de culpa.

Também enviei pedido para saber qual o procedimento adotado pelo Portal O POVO Online ao saber que parte do texto havia sido publicada, originalmente, em um site de humor. A editora-executiva da área, Juliana Matos Brito, informou que nesse caso específico, o texto foi apagado. “Em discussão com a chefia da Redação, foi decidido que, em casos de erros em artigos, o texto poderá ser deletado por conta do prejuízo que o erro pode causar ao leitor”, disse. Reiterou que a decisão foi restrita e que outros problemas semelhantes serão analisados caso a caso.

Normas jornalísticas

Quando O POVO publica um texto na página de Opinião, a responsabilidade é do autor, mas também do jornal. No capítulo “Normas Jornalísticas do O POVO”, do Guia de Redação e Estilo, está escrito no tópico “Artigos”: ‘Respeitados os princípios de liberdade de expressão, todos os artigos publicados no jornal devem passar por seleção e análise dos editores. Os artigos, porém, são de responsabilidade exclusiva do autor, embora o jornal não abra mão de exercer vigilância sobre o conteúdo dos artigos e também de colunas’. Às vezes, a pressa de fazer as páginas na hora marcada e a velocidade exigida para ler as matérias podem resultar em erros que não se justificam. No caso específico do artigo publicado com teor tão estranho e sem fundamento, faltou precaução, mas, acima de tudo, cruzamento de informações, um procedimento básico do jornalismo.

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Tânia Alves é ombudsman do jornalO Povo