Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

José Queirós

“A cor­rec­ção de erros nas notí­cias publi­ca­das na edi­ção para a Inter­net obriga a pro­ce­di­men­tos dis­tin­tos dos que são uti­li­za­dos no jor­nal impresso e o jor­na­lismo on line requer, pelas carac­te­rís­ti­cas pró­prias do meio, cui­da­dos suple­men­ta­res na defesa do rigor infor­ma­tivo. A frequên­cia com que sur­gem infor­ma­ções erra­das nas notí­cias da edi­ção elec­tró­nica — sus­ci­tando um número de quei­xas dos lei­to­res que é hoje bas­tante supe­rior ao dos que recla­mam con­tra erros seme­lhan­tes na edi­ção impressa — sugere que tais pro­ce­di­men­tos e cui­da­dos são dema­si­a­das vezes esque­ci­dos, ou não estão sufi­ci­en­te­mente assi­mi­la­dos, por quem redige ou edita os tex­tos do Público Online.

No papel, tudo é mais sim­ples. Uma vez dada à estampa uma infor­ma­ção erró­nea, não é pos­sí­vel repa­rar a falha na edi­ção já dis­tri­buída; o erro irá sobre­vi­ver nas estan­tes das heme­ro­te­cas e outros arqui­vos de imprensa. Mesmo as edi­ções digi­ta­li­za­das hoje exis­ten­tes não alte­ram este qua­dro, pois são meras repro­du­ções do que foi impresso em deter­mi­nada data. Para o lei­tor comum, porém, um jor­nal diá­rio nasce e morre no mesmo dia. Daí a impor­tân­cia que deve ser dada à cor­rec­ção dos erros numa edi­ção sub­se­quente, seja em espaço pró­prio cri­ado para esse fim (como ‘O PÚBLICO Errou’) ou, em casos de certa gra­vi­dade, num lugar de maior destaque.

Uma vez detec­tado, qual­quer erro deve por norma ser cor­ri­gido na edi­ção seguinte. Se assim não acon­te­cer (como de facto nem sem­pre acon­tece), deve ser reco­nhe­cido e expli­cado em momento pos­te­rior, de acordo com cri­té­rios de rele­vân­cia. Esta prá­tica não per­mite uma repa­ra­ção inte­gral — haverá sem­pre lei­to­res que deram cré­dito a uma infor­ma­ção erró­nea em deter­mi­nada edi­ção e não viram depois a cor­rec­ção —, mas é o mínimo devido aos com­pra­do­res fiéis do jor­nal e ao res­peito pelo rigor noticioso.

O pro­cesso é neces­sa­ri­a­mente dife­rente numa edi­ção on line em que as infor­ma­ções con­ti­nuam aces­sí­veis a qual­quer lei­tor muito para lá da data de publi­ca­ção e podem ser cor­ri­gi­das a qual­quer momento. A natu­reza do meio é dinâ­mica: as notí­cias podem ser modi­fi­ca­das ou actu­a­li­za­das. Per­ma­ne­cem ‘vivas’ e podem ser con­sul­ta­das em qual­quer data pos­te­rior. E isto é ver­dade mesmo nos casos em que são eli­mi­na­das ou subs­ti­tuí­das, pois podem vol­tar a ser encon­tra­das atra­vés dos moto­res de pes­quisa da Inter­net. Uma vez publi­cado, qual­quer erro infor­ma­tivo poderá per­ma­ne­cer no espaço vir­tual, de acesso fácil e ime­di­ato, con­ti­nu­ando a enga­nar quem com ele depare, o que aliás levanta novos e sérios pro­ble­mas — que fica­rão para outra cró­nica — no plano da ética e deon­to­lo­gia jornalísticas.

Para o que hoje importa, retenha-se que um jor­nal de qua­li­dade tem o dever de cor­ri­gir, logo que pos­sí­vel, todos os erros que sejam detec­ta­dos na sua edi­ção on line. E de assi­na­lar cla­ra­mente essas cor­rec­ções, por res­peito aos lei­to­res que tenham tomado conhe­ci­mento da notí­cia numa forma ante­rior e errada. Sendo o cum­pri­mento de ambas essas obri­ga­ções tec­ni­ca­mente viá­vel, e livre de cons­tran­gi­men­tos de espaço ou de tempo, nenhum erro detec­tado, seja qual for o seu grau de impor­tân­cia, deve ficar por cor­ri­gir. A inte­rac­ti­vi­dade pro­por­ci­o­nada pela rede mul­ti­plica, aliás, a capa­ci­dade de detec­ção de falhas, já que per­mite à redac­ção do jor­nal bene­fi­ciar da coo­pe­ra­ção dos lei­to­res que aler­tam para even­tu­ais erros, nome­a­da­mente atra­vés das cai­xas de comen­tá­rios às notícias.

A refor­çar a impor­tân­cia do con­trolo de qua­li­dade no noti­ciá­rio on line está o facto já refe­rido de a frequên­cia de erros ser aí fran­ca­mente supe­rior à que ocorre no jor­nal impresso. Vários moti­vos o expli­cam, a come­çar pela velo­ci­dade na publi­ca­ção dos tex­tos — o que se com­pre­ende no qua­dro de infor­ma­ção ime­di­ata pro­por­ci­o­nada pela Inter­net, mas não auto­riza que sejam dis­pen­sa­dos os fil­tros edi­to­ri­ais que garan­tam o rigor noti­ci­oso. No uni­verso da infor­ma­ção quase ins­tan­tâ­nea em que a rede glo­bal de comu­ni­ca­ção mer­gu­lhou o jor­na­lismo, perde muito do seu sen­tido a tra­di­ci­o­nal pre­o­cu­pa­ção pela notí­cia em pri­meira mão. O objec­tivo de infor­mar depressa não pode sacri­fi­car o dever de infor­mar bem: é este que per­mite afir­mar uma marca de qua­li­dade e jus­ti­fi­car a pre­fe­rên­cias dos lei­to­res que a procuram.

Há moti­vos para temer que mui­tos jor­na­lis­tas e edi­to­res des­va­lo­ri­zem os erros no noti­ciá­rio para a Inter­net face aos que ocor­rem no papel — seja por­que não foram impres­sos e seriam assim menos visí­veis (uma ideia insus­ten­tá­vel face aos actu­ais índi­ces de pro­cura das edi­ções on line), seja por­que podem ser cor­ri­gi­dos na pró­pria peça ori­gi­nal, o que é ver­dade, mas não deve fazer esque­cer que entre­tanto foi divul­gada — durante minu­tos, horas, dias ou meses — uma infor­ma­ção erró­nea, que em mui­tos casos pode­ria ter sido evi­tada pelo cum­pri­mento de regras bási­cas do jor­na­lismo e da edição.

Acresce que não basta cor­ri­gir, é neces­sá­rio assi­na­lar e expli­car a cor­rec­ção. Veja-se o caso apon­tado pelo lei­tor Bruno Pedro, que depa­rou com um título em que se anun­ci­ava que ‘Por­tu­gal é o país no qual os euro­peus menos con­fiam’. Achou que esse título era ‘enga­na­dor’, ou fruto de ‘equí­voco’, dado que na pró­pria notí­cia se afir­mava que ‘Por­tu­gal é o país menos con­fiá­vel para efei­tos comer­ci­ais, depois de Gré­cia, Espa­nha e Itá­lia’. Tratava-se de um des­pa­cho da agên­cia Lusa, que citava um estudo rea­li­zado por ini­ci­a­tiva de uma uni­ver­si­dade holan­desa, e o pro­blema não estava no título, mas na frase que o con­tra­di­zia e con­fun­diu outros lei­to­res. Escrevera-se ‘depois de’ onde se deve­ria ter escrito ‘seguindo-se’.

Neste caso, o erro foi detec­tado e cor­ri­gido, mas não foi assi­na­lado. Ainda hoje não se encon­tra na notí­cia, mar­cada como tendo sido publi­cada às 18h41 de 26 de Setem­bro, qual­quer men­ção de que tenha sido alte­rada. Note-se que o pri­meiro comen­tá­rio de um lei­tor aler­tando para a con­tra­di­ção entre título e texto é das 19h15 do mesmo dia e per­ma­nece em linha, tendo-se tor­nado incom­pre­en­sí­vel por se refe­rir a algo que, a par­tir de momento não conhe­cido, dei­xou de estar na notí­cia comen­tada. Ou seja, o erro não foi cor­ri­gido e expli­cado; foi cor­ri­gido e ocul­tado. E teria sido evi­tado se a dili­gên­cia sim­ples de con­sul­tar o estudo ori­gi­nal citado pela Lusa tivesse sido efec­tu­ada, não depois das cha­ma­das de aten­ção dos lei­to­res, mas antes da publi­ca­ção, como seria aliás de espe­rar face à rele­vân­cia noti­ci­osa da con­clu­são plas­mada no título, espe­ci­al­mente no actual qua­dro de crise naci­o­nal e europeia.

Outro caso: no pas­sado dia 3, numa notí­cia publi­cada às 07h54, dizia-se que uma ava­ria obri­gara a regres­sar ao aero­porto da Por­tela um avião (um’ Fok­ker 100″, segundo se escre­veu) que na vés­pera des­co­lara de Lis­boa com des­tino a Ames­ter­dão. A peça foi ilus­trada com a ima­gem de um apa­re­lho da TAP. Às 10h31, o lei­tor Luís Pereira expli­cava que ‘a TAP não tem Fok­ker 100″, acres­cen­tando que, a ser esse o modelo do avião ava­ri­ado, lhe pare­cia abu­sivo ilus­trar o inci­dente com a ima­gem de ‘um Air­bus A320 daTAP’. Devido ao alerta de um outro lei­tor, a refe­rên­cia ao modelo do apa­re­lho viria depois a ser reti­rada, mencionando-se que a notí­cia fora ‘actu­a­li­zada às 11h13’, mas sem se expli­car porquê, sem se assu­mir o motivo da alte­ra­ção e mantendo-se (até hoje) a mesma ima­gem a ilus­trar a peça. Ou seja, tam­bém neste caso o erro foi ocul­tado (actu­a­li­zar é coisa dife­rente de cor­ri­gir), tor­nando mais uma vez incom­pre­en­sí­veis comen­tá­rios que se man­têm on line, pro­vo­ca­dos por uma ou mais pas­sa­gens entre­tanto desa­pa­re­ci­das da notícia.

Neste caso, nem terá havido ver­da­deira von­tade de cor­ri­gir, pois não se con­fir­mou o modelo do avião ava­ri­ado. Além disso, afirmava-se na peça — e reafirmou-se numa outra, às 13h37 — que o avião envol­vido neste inci­dente pas­sara ‘duas horas a sobre­voar o Atlân­tico para des­car­re­gar com­bus­tí­vel’ antes de ater­rar na Por­tela, sem que tenha havido a pre­o­cu­pa­ção de veri­fi­car a per­ti­nên­cia do comen­tá­rio de outro lei­tor, que aler­tava para o facto de aviões como o que fora refe­rido não ‘des­car­re­ga­rem com­bus­tí­vel’, tendo, isso sim, numa situ­a­ção como a des­crita, de o con­su­mir ‘para dimi­nuir o peso à ater­ra­gem’. Aliás, se os comen­tá­rios dos lei­to­res fos­sem devi­da­mente valo­ri­za­dos enquanto ins­tru­men­tos de pos­sí­vel cor­rec­ção de erros, não per­ma­ne­ce­ria ainda hoje em linha o título dis­pa­ra­tado dessa segunda notí­cia, segundo o qual ‘Ater­ra­gens de emer­gên­cia ou regres­sos ao des­tino [sic] ‘são fre­quen­tes’’.

Erros meno­res, dir-se-á. Mas dema­si­ado fre­quen­tes, suge­rindo que o Público Online não estará a bene­fi­ciar da aten­ção ou dos meios neces­sá­rios a uma com­pe­tente vigi­lân­cia edi­to­rial. As notí­cias oriun­das de outros meios de infor­ma­ção têm de ser veri­fi­ca­das. A cor­rec­ção dos erros detec­ta­dos é uma obri­ga­ção. Sina­li­zar e expli­car as alte­ra­ções aos tex­tos é um dever de leal­dade para com os lei­to­res e uma con­di­ção para evi­tar confundi-los.

O coor­de­na­dor da edi­ção on line, Sér­gio Gomes, que me aju­dou a com­pre­en­der os pas­sos con­cre­tos da pro­du­ção des­tas notí­cias, explica quais são as ori­en­ta­ções em vigor: ‘Sem­pre que uma notí­cia é cor­ri­gida, modi­fi­cada, actu­a­li­zada ou subs­ti­tuída, a regra é assi­na­lar sem­pre o tipo de inter­ven­ção e o dia e hora a que acon­te­ceu. Por outro lado, a regra é tam­bém deta­lhar o mais pos­sí­vel a alte­ra­ção ope­rada, dando conta do que foi publi­cado antes e depois dessa alteração’.

É essa a boa dou­trina. Ape­sar de serem visí­veis pro­gres­sos recen­tes, está longe de ser cum­prida com rigor. Creio que isso terá de pas­sar pela com­pre­en­são gene­ra­li­zada de que um erro não o é menos por ser lido num ecrã e não numa folha de papel.