Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

José Queirós

“Faz ama­nhã um ano que ocu­pei este espaço com algu­mas refle­xões sobre o cha­mado ran­king das esco­las, a par­tir de crí­ti­cas for­mu­la­das por lei­to­res aos cri­té­rios segui­dos pelo PÚBLICO na ela­bo­ra­ção do suple­mento anual que dedica a este tema. No texto que então inti­tu­lei ‘Ran­kings das esco­las podem ser aper­fei­ço­a­dos’, esta­vam em causa duas ques­tões prin­ci­pais: o facto de não serem con­si­de­ra­dos os resul­ta­dos da segunda fase dos exa­mes naci­o­nais (o que afec­tará o rigor de uma clas­si­fi­ca­ção que ordena as esco­las em fun­ção da média dos resul­ta­dos obti­dos pelos seus alu­nos nes­sas pro­vas) e as apre­ci­a­ções des­fa­vo­rá­veis que ano após ano têm sido diri­gi­das à pró­pria natu­reza des­tes ran­kings, acu­sa­dos por mui­tos de igno­ra­rem os múl­ti­plos fac­to­res que con­di­ci­o­nam o desem­pe­nho das escolas.

Em rela­ção a ambas, os res­pon­sá­veis edi­to­ri­ais do PÚBLICO mostraram-se sen­sí­veis às crí­ti­cas e anun­ci­a­ram que elas seriam tidas em conta na edi­ção deste ano do suple­mento sobre os resul­ta­dos esco­la­res. Quando este foi publi­cado, no pas­sado dia 15 de Outu­bro, os lei­to­res pude­ram porém veri­fi­car que nada fora alte­rado. Valerá a pena ten­tar per­ce­ber por que motivo não se cum­pri­ram as pro­mes­sas e inten­ções anun­ci­a­das e o que poderá ou não ser feito para as con­cre­ti­zar no futuro.

Come­çando pela ques­tão da segunda fase dos exa­mes, os res­pon­sá­veis pela rea­li­za­ção deste tra­ba­lho noPÚBLICO garan­tiam há um ano — e disso dei conta aos lei­to­res nesta página — que no ran­king refe­rente ao ano lec­tivo de 2010/2011 seria já alte­rada ‘a regra até aqui vigente’, pas­sando a considerar-se os resul­ta­dos de ambas as fases dos exa­mes do ensino secun­dá­rio. O que afi­nal não suce­deu, tendo o pro­cesso de clas­si­fi­ca­ção das esco­las con­ti­nu­ado a excluir uma fatia sig­ni­fi­ca­tiva do uni­verso das pro­vas realizadas.

Segundo a expli­ca­ção que me foi pres­tada pelo direc­tor adjunto Nuno Pacheco e pelos jor­na­lis­tas envol­vi­dos na ela­bo­ra­ção do suple­mento, a alte­ra­ção meto­do­ló­gica anun­ci­ada não pôde concretizar-se devido ao facto de a base de dados for­ne­cida à imprensa pelo Minis­té­rio da Edu­ca­ção não per­mi­tir dis­tin­guir, em rela­ção a cada escola, os alu­nos que foram a exame ape­nas na segunda fase daque­les que repe­ti­ram a prova, pro­cu­rando melho­rar a nota obtida. Ou seja, segundo me comu­ni­ca­ram, ‘torna-se impos­sí­vel iden­ti­fi­car os exa­mes da 1ª e 2ª fase fei­tos por um mesmo aluno’, e ‘sendo assim, con­si­de­rar a 2ª fase impli­ca­ria, nal­guns casos, con­tar duas notas de um mesmo aluno’, o que leva­ria ‘a uma dis­tor­ção da média da escola’. Por isso, e depois de ‘alguns exer­cí­cios de simu­la­ção’, con­cluí­ram que ‘cor­rer o risco de fal­sear uma média sem cri­té­rios cla­ros seria pior do que man­ter, por ora, a opção [tomada] desde o início’.

Compreende-se a deci­são, mas a ver­dade é que para evi­tar um fac­tor de dis­tor­ção das médias se man­teve outro já iden­ti­fi­cado. Em qual­quer dos casos, é afec­tada a qua­li­dade e a objec­ti­vi­dade do ran­kingapre­sen­tado. ‘Tendo em conta que o tempo para tra­ba­lhar a base de dados era muito curto, face à dimen­são da tarefa, não che­gá­mos’ — expli­cam os mem­bros da equipa que efec­tuou o tra­ba­lho jor­na­lís­tico — ‘a ques­ti­o­nar o minis­té­rio sobre a pos­si­bi­li­dade de for­ne­cer uma outra base de dados, que nos per­mi­tisse che­gar a uma única nota para cada aluno’.

Creio que uma boa pla­ni­fi­ca­ção deve­ria ter levado a ini­ciar muito antes, pro­va­vel­mente logo no iní­cio do ano lec­tivo, as dili­gên­cias des­ti­na­das a garan­tir a obten­ção dos ele­men­tos dese­ja­dos, que podem ser facil­mente inte­gra­dos numa base de dados, sem pôr em causa o ano­ni­mato dos alu­nos — como notam os jor­na­lis­tas, bas­ta­ria para tanto ‘que a cada estu­dante fosse atri­buído um código’. Não se vendo que a admi­nis­tra­ção edu­ca­tiva possa ter qual­quer motivo sério para não melho­rar neste aspecto o pro­ces­sa­mento dos resul­ta­dos, mas conhecendo-se as demo­ras buro­crá­ti­cas a que pode estar sujeita qual­quer pequena alte­ra­ção de pro­ce­di­men­tos, o PÚBLICO deve­ria insis­tir desde já num com­pro­misso que res­pon­sa­bi­lize o minis­té­rio e torne pos­sí­vel apre­sen­tar em 2012 um ran­king das esco­las que reflicta de facto todo o uni­verso das pro­vas efectuadas.

E o mesmo poderá dizer-se, por mai­o­ria de razão, em rela­ção ao outro objec­tivo que fora anun­ci­ado: o de pro­du­zir ran­kings aper­fei­ço­a­dos e mais ambi­ci­o­sos, que per­mi­tam afe­rir o desem­pe­nho das esco­las atra­vés de outros parâ­me­tros que não ape­nas o dos resul­ta­dos con­se­guido pelos seus alu­nos nos exa­mes. Um tal desíg­nio exi­girá tam­bém o acesso a dados que o Minis­té­rio da Edu­ca­ção pos­sui ou poderá reu­nir, mas o seu pro­ces­sa­mento será neces­sa­ri­a­mente mais com­plexo. Trata-se de obter e tra­tar ele­men­tos que per­mi­tam adi­ci­o­nar à actual clas­si­fi­ca­ção das esco­las (pelos resul­ta­dos con­se­gui­dos numa prova naci­o­nal única e igual para todos) uma ava­li­a­ção orde­nada da qua­li­dade do tra­ba­lho de cada uma, tendo em con­si­de­ra­ção os vários fac­to­res que a condicionam.

Nos últi­mos anos, o PÚBLICO tem vindo sis­te­ma­ti­ca­mente a reco­nhe­cer, nos tex­tos de enqua­dra­mento edi­to­rial dos ran­kings, a insu­fi­ci­ên­cia da clas­si­fi­ca­ção publi­cada enquanto ins­tru­mento ade­quado a um melhor conhe­ci­mento do sis­tema edu­ca­tivo e à sua aná­lise qua­li­ta­tiva. Tem acei­tado, gene­ri­ca­mente, que um ran­king mais ambi­ci­oso e útil deve­ria recor­rer a outros indi­ca­do­res exis­ten­tes ou a cons­truir, para tomar em con­si­de­ra­ção os vários fac­to­res — soci­ais, ter­ri­to­ri­ais ou rela­ti­vos a recur­sos, méto­dos e orga­ni­za­ção, entre outros — que con­di­ci­o­nam os resul­ta­dos esco­la­res. Tem anun­ci­ado repe­ti­da­mente a von­tade de dar corpo a essa forma mais avan­çada de ser­viço público, mas a inten­ção está a transformar-se numa pro­messa suces­si­va­mente adiada.

Um sin­toma da difi­cul­dade em levar à prá­tica essa inten­ção estará no modo, hoje menos asser­tivo e mais cau­te­loso, uti­li­zado para a comu­ni­car aos lei­to­res. Se há um ano Nuno Pacheco escre­via em edi­to­rial que ‘[se] impõe dar novo e indis­pen­sá­vel salto no conhe­ci­mento das nos­sas esco­las’ (e a direc­ção garan­tia ir ‘fazer todos os esfor­ços’ para inte­grar já em 2011 ‘outros indi­ca­do­res das esco­las além dos exa­mes’), este ano a for­mu­la­ção esco­lhida foi a de afir­mar ‘o desejo, que não é utó­pico, de pôr um dia à dis­po­si­ção da opi­nião pública um con­junto de dados que enfim per­mi­tam cons­truir um ran­king à medida dos dese­jos mais exigentes’.

Em res­posta a ques­tões que colo­quei, o direc­tor adjunto e os jor­na­lis­tas que par­ti­ci­pa­ram na ela­bo­ra­ção do suple­mento do pas­sado dia 15 expli­cam a difi­cul­dade: ‘Em pri­meiro lugar, a pro­lon­gada crise polí­tica (…). Não che­gá­mos (…) a nenhuma con­clu­são com o minis­té­rio de Isa­bel Alçada e, com a queda do governo e a mudança de minis­tro, não houve tempo para pro­gra­mar qual­quer tra­ba­lho nesse sen­tido com o novo deten­tor da pasta, Nuno Crato, aca­bado de che­gar. Ultra­pas­sar o ponto actual obri­ga­ria a que o minis­té­rio pusesse à dis­po­si­ção de uma equipa (que podia ser com­posta por jor­na­lis­tas, pro­fes­so­res ou téc­ni­cos de uma ou mais ins­ti­tui­ções) dados que só exis­tem nos gabi­ne­tes da 5 de Outu­bro e que, devi­da­mente selec­ci­o­na­dos e tra­ta­dos, pode­riam per­mi­tir lei­tu­ras múl­ti­plas dos resul­ta­dos esco­la­res. Para isso, não houve tempo, com muita pena nossa’.

Asse­gu­rando que o PÚBLICO irá agora reto­mar os con­tac­tos neces­sá­rios, adver­tem: ‘Tal como suce­deu em rela­ção aos resul­ta­dos dos exa­mes, que só foram divul­ga­dos após um braço-de-ferro pro­lon­gado e difí­cil, tam­bém os dados com­ple­men­ta­res pode­rão levar tempo a des­blo­quear. Depende, em muito, da von­tade do minis­tro’. Depende, sem dúvida. E não é acei­tá­vel, do ponto de vista do direito dos cida­dãos à infor­ma­ção, o que refere a equipa de jor­na­lis­tas: ‘Pedi­dos fei­tos ainda em Agosto, nome­a­da­mente dados sócio-económicos da popu­la­ção esco­lar que pudes­sem com­ple­men­tar os ran­kings tra­di­ci­o­nais’, não tive­ram res­posta do ministério.

Con­virá notar, con­tudo, que por mais dese­já­vel e útil que seja um encon­tro de von­ta­des com os res­pon­sá­veis pela polí­tica edu­ca­tiva, o PÚBLICO não hon­rará as expec­ta­ti­vas cri­a­das e os per­ga­mi­nhos de pio­nei­rismo e ino­va­ção neste domí­nio se se limi­tar a aguar­dar pela dis­po­ni­bi­li­dade ou a ini­ci­a­tiva de um minis­tro. Como defendi há um ano, ‘a esco­lha e pon­de­ra­ção — que será com­plexa e sem­pre polé­mica — das variá­veis que devem inte­grar um ran­king aper­fei­ço­ado’ deve repre­sen­tar uma ‘deci­são edi­to­rial’ pró­pria do jor­nal, pre­fe­ri­vel­mente assu­mida com o acon­se­lha­mento de espe­ci­a­lis­tas, num qua­dro inde­pen­dente do poder polí­tico. Uma vez defi­nido com cla­reza e rigor o que se pre­tende — o que ainda não foi feito —, maior será a legi­ti­mi­dade para recla­mar o acesso aos dados recla­ma­dos. Se a direc­ção do PÚBLICO qui­ser pres­tar esse ser­viço acres­cido aos seus lei­to­res e aos cida­dãos em geral em Outu­bro do pró­ximo ano, não é cedo para dei­tar mãos à obra.

Uma nota final para expli­car por­que falo em ‘ser­viço acres­cido’ e não em subs­ti­tui­ção do’ran­king tra­di­ci­o­nal’. Este con­ti­nu­ará a ser indis­pen­sá­vel como infor­ma­ção objec­tiva — a única indis­cu­ti­vel­mente objec­tiva — sobre os resul­ta­dos das esco­las. Para além de outros efei­tos úteis, é hoje uma refe­rên­cia para mui­tas famí­lias inte­res­sa­das em esco­lher as melho­res opor­tu­ni­da­des para a apren­di­za­gem dos filhos. Um ‘ran­king aper­fei­ço­ado’ — um ou vários — será, em con­tra­par­tida, um ins­tru­mento muito mais útil para o debate das polí­ti­cas de edu­ca­ção. E para as pró­prias esco­las e as comu­ni­da­des em que se inse­rem reflec­ti­rem sobre os cami­nhos a seguir e as mudan­ças a efec­tuar, num pro­cesso em que deverá pesar cada vez mais a auto­no­mia de cada esta­be­le­ci­mento de ensino.”