Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘FAZ POUCO mais de um mês que está circulando a página diária sobre saúde que a Folha criou e foi saudada com alegria por muitos leitores. É mais do que sabido há muito tempo que o tema está entre os preferidos da audiência de qualquer veículo de comunicação.

Até por questão de sobrevivência, homens e mulheres se preocupam com sua condição física. A consolidação de um modo de pensar coletivo norteado pelo hedonismo egocêntrico, não importa o juízo de valor que se faça dele, estabeleceu a prioridade para pautas sobre saúde individual.

A página tem feito um bom trabalho do ponto de vista técnico. Chama a atenção a alta qualidade das artes. A diagramação tem sido belíssima. As fotos, excelentes e bem abertas. Os textos, bem cuidados. Tudo ótimo.

Mas desde os primeiros dias saltou aos olhos de vários leitores certa desorientação editorial. Não pareciam claros os objetivos que a nova seção pretendia atingir.

Ficou patente uma confusão entre ela, o suplemento Equilíbrio e a página diária de ciência. Muitos assuntos que ali apareceram poderiam perfeitamente ter saído numa das outras seções.

Incomodou a alguns leitores, entre eles eu mesmo, que os temas de saúde pública não estivessem sendo os centrais. Nas 34 edições que analisei de 12 de outubro a 14 de novembro, eles apareceram como reportagem principal 11 vezes.

Nos outros 23 dias, o assunto de proa não causaria estranhamento se tivesse sido editado em Equilíbrio ou na Revista: alergia a colírios, dores provocadas por exercício mal orientado, ressecamento de pele, vantagens do alongamento, emagrecimento sem cirurgia.

Nada contra. Mas não falta lugar para essas questões nem neste jornal nem em diversos outros meios de comunicação.

Em 11 edições o destaque da página foi para pesquisas e avanços científicos: novos tipos de exames menos invasivos do aparelho digestivo, novas técnicas para engravidar, bebês gerados com óvulos vitrificados, estudos que mostram que as obesas têm mais chances de contrair câncer.

De novo, nada a opor: coisas interessantes e importantes.

O problema apontado por Luiz Eduardo R. de Carvalho, entre outros leitores, é o da grande oportunidade desperdiçada pelo jornal para promover o debate sobre problemas vitais de saúde pública.

‘Tenhamos pelo menos a consciência de que a Folha vai operar com medicina-show enquanto centenas de crianças morrem de dengue’, alertou.

E tem razão. Quanto mais a página de saúde se dedicar a temas de saúde pública, mais ela estará beneficiando o país. Para ser justo, tem feito isso ao abordar, por exemplo: venda de remédios por internet, aumento de número de cesáreas nos últimos 22 anos, colesterol elevado em crianças.

Mas ainda é pouco. Como no caso da educação, quase todo mundo neste país acha a saúde importante. Entretanto, a maioria tem uma visão estreita e egoísta do que é saúde.

Qualidade de matéria-prima para remédios, a atuação da Anvisa, a relação entre laboratórios farmacêuticos e o Estado, a situação da Fiocruz, de Manguinhos, quebra de patentes, condições do sistema público de saúde para lidar com epidemias: os problemas são inúmeros e essenciais. E precisam de discussão coletiva que o jornal pode e deve instigar.’

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‘Se a educação importa, jornal precisa provar’, copyright Folha de S. Paulo, 16/11/08.

‘Na quinta-feira, um problema do ensino público estadual de São Paulo mereceu o alto da capa da Folha.

Foi a quarta vez este ano. Nas outras três, quando professores em greve atrapalharam o trânsito. Desta, devido a incidente grave de violência numa escola-modelo, que só terminou com a intervenção da polícia e alunos machucados.

Na época da paralisação publiquei uma coluna sobre o tema (em 6 de julho, intitulada ‘Aos mestres sem carinho’). Nela e nas críticas diárias da edição, disse que o jornal não estava demonstrando ter a educação entre as suas prioridades editoriais.

Três meses depois, minha impressão se mantém. Embora a edição de quinta não tenha se restringido à mera anotação dos fatos ocorridos e tenha analisado mais a fundo a questão da violência nos colégios, outra vez a Redação agiu de maneira reativa.

No discurso, há consenso nacional aparente sobre a urgência de dedicar grande esforço para melhorar a educação pública. Ninguém discorda. Mas, na prática, pouquíssimos agem nessa direção. A Folha não está entre estes.

Os ‘ganchos’ jornalísticos para motivar uma série de reportagens detalhadas sobre os problemas estruturais do ensino público estão aí: a greve há três meses, a depredação da Amadeu Amaral esta semana.

Uma equipe que foi capaz de produzir um trabalho tão notável de jornalismo da melhor qualidade como os cadernos ‘DNA Paulistano’ certamente dará conta de esmiuçar as condições do ensino público: salário de professores, estado dos equipamentos, chances para aperfeiçoamento profissional, tamanho das turmas, adequação da carga horária, nível de excelência dos currículos, acesso a internet, situação das bibliotecas e dos laboratórios, realização de excursões. Leitor e sociedade agradecerão. O jornal se mostrará relevante.’

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‘Para ler’, copyright Folha de S. Paulo, 16/11/08.

‘‘Saúde em Pauta’, da Andi, 2003 (R$ 19 no site www.cortezeditora.com.br) – ótima pesquisa sobre como jornais brasileiros tratam de problemas de saúde infantil

‘A Mídia como Consultório?’, da Andi, 2002 (disponível em http://www.andi.org.br/-pdfs/midiacnsult.pdf) – análise de colunas utilizadas por adolescentes sobre saúde em jornais e na mídia eletrônica

PARA VER

‘Uma Cidade Doente’, de David Wu, com Ron White, 2005 (nos canais de TV paga HBO, em 14/12 às 10h45 e 22/12 às 6h15, e HBO 2, em 14/12 às 13h45 e 22/12 às 9h15) – bom filme que mostra como o sistema de saúde pública de Toronto mostrou-se vulnerável ao lidar com a epidemia de Sars em 2003

ASSUNTOS MAIS COMENTADOS DA SEMANA

1. Despesas com funcionalismo

2. Greve da polícia civil

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EQUILÍBRIO

Edição desta semana foi muito boa com reportagem sobre região do Equador com grande incidência de centenários e ótimos serviços

FOTO DE FUTEBOL

A da edição de segunda fugiu do lugar-comum e, ao flagrar ar de desespero de jogador do Palmeiras no chão, resumiu situação do time

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Ótima reportagem sobre a biodiversidade da região no domingo

…E ONDE FOI MAL

SATIAGRAHA

Cobertura dos novos desdobramentos anda atrasada e com as mesmas insuficiências mostradas nas etapas iniciais do caso

NOSSA CAIXA

Venda do banco público estadual para o BB vai se finalizar sem que o jornal tenha ajudado a debater minimamente o processo’