Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘Um dos piores e mais comuns vícios de jornalistas é achar que seu público acompanha o assunto que cobrem com a mesma assiduidade e nível de detalhamento que eles.

Quem se ocupa a fundo e diariamente de um tema não acha necessário recordar todos os dias seu contexto, já incorporado ao raciocínio.

Mas o leitor de jornal não pode seguir as minúcias de todas as matérias que o compõem. Seu interesse por elas desperta e se esvai com o tempo. O jornal deve ajudá-lo sempre a se situar com informações sobre o passado.

A crise de mais de três meses em Honduras teve surtos de curiosidade por parte dos leitores. O mais intenso após o presidente deposto Manuel Zelaya se instalar na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa em 22 de setembro.

Na semana passada, 59 mensagens chegaram ao ombudsman sobre a cobertura hondurenha. Muitas indicavam que o jornal deixara de fornecer dados essenciais para reavivar a memória do leitor.

Na segunda-feira, por exemplo, a reportagem principal noticiou que o governo interino havia dado ultimato ao Brasil para definir o status de Zelaya, mas não dizia que ele estava definido fazia dias: é de ’hóspede’, não asilado.

Desde o recrudescimento da crise, só na quarta-feira a Folha se dignou a alinhavar perguntas e respostas básicas para compreender a sua origem. Foi só nesse dia também e ontem que retomou o controvertido argumento da suposta constitucionalidade da deposição de Zelaya, de que já havia tratado extensivamente na edição de 1º de julho.

Muitos leitores dizem que o jornal erra ao chamar o governo de Roberto Micheletti de ’golpista’. A queixa não procede. O ’Dicionário de Política’ de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino define o que é golpe e as ações contra Zelaya claramente se encaixam no conceito.

O regime de Micheletti não é reconhecido por nenhum país ou organização multilateral. Embora seja possível achar na Constituição do país artigos que embasem supostas ilegalidades cometidas por Zelaya, nenhum ampara a sua retirada do país em pijama e a toque de armas sem nenhum tipo de processo legal para se defender.

A Folha foi o primeiro veículo a entender a importância dos fatos em Honduras e refleti-la como prioridade editorial, continua bem na cobertura, mas enfrenta dificuldades. Seu enviado especial está confinado na embaixada, o que o impede de colher informações na sociedade. Ontem, o jornal o reforçou com o envio de uma jornalista.

Foi só na sexta que dados essenciais sobre os efeitos econômicos da crise chegaram ao conhecimento do leitor. Ainda não se falou nada sobre a situação da comunidade de brasileiros em Honduras. Pouco se sabe sobre a posição dos diversos setores da sociedade civil hondurenha sobre a crise.

No terreno da opinião, registrou-se na edição de terça incômoda unanimidade na página A2, em que todas as colunas e o editorial adotavam ponto de vista único sobre o papel do Brasil na crise. Em benefício do leitor e em nome da diversidade, outras posições precisam aparecer no jornal.’

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‘Pacientes e médicos têm direitos’, copyright Folha de S. Paulo, 4/10/09

‘Em 28 de janeiro, ’Tendências/Debates’ publicou artigo do médico Roger Abdelmassih, acusado de assediar pacientes.

Na época, comentei que esse espaço é para discutir ideias, não para tratar de crimes comuns.

Em 24 de setembro, a seção publicou artigo que não chega a ser a favor do médico, mas defende a tese de que ele pode ser inocente (é claro que pode) e está sendo maltratado pela imprensa e pela sociedade (por parte delas, seguramente está).

Por sair do específico e chegar a conclusões gerais, esse texto não padece do problema básico do anterior. Mas passa a impressão de que o jornal está sendo parcial nesse episódio, em favor do acusado.

É preciso pautar alguém do outro lado, não para tentar provar culpa (jornal não é tribunal), mas para mostrar o drama, as preocupações, os direitos atingidos de suas possíveis vítimas (e de outros pacientes que sofrem algum tipo de assédio por parte de médicos) e o que podem fazer para se resguardar.

O texto e o filme abaixo ajudam a pensar sobre a complexa relação entre médico e paciente.

PARA LER

’A Relação paciente-médico: para uma humanização da prática médica’, de Andrea Caprara e Anamélia Lins e Silva Franco, acessível no endereço http://www.hcnet.usp.br/humaniza/pdf/ artigos/relacao_paciente_medico.pdf

PARA VER

’Um Golpe do Destino’, de Randa Haines, com William Hurt (1991) exibido na TV paga nos canais HBO 2 (às 10h30 desta terça, dia 6) e HBO (às 10h de sexta, dia 9)’

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‘Onde a Folha foi bem…’, copyright Folha de S. Paulo, 4/10/09

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