Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘No domingo passado, escrevi na avaliação diária das edições deste jornal sobre a reprodução na Primeira Página da ficha policial da ministra Dilma Rousseff na ditadura: ‘Colocar como ilustração da entrevista de um colega seu [de Dilma] de luta armada a ficha policial dela com foto me parece uma forçada de barra. O certo, a meu ver, seria colocar ali a foto de Antonio Espinosa.’

Essa ‘forçada de barra’ (similar à de quarta, quando o diretor da ANP [Agência Nacional do Petróleo] Victor Martins, acusado de irregularidades, foi identificado em título de chamada e reportagem como ‘irmão de Franklin’ [Martins, ministro da Comunicação]) certamente contribuiu para leitores acharem que o jornal havia dito que Dilma planejara o sequestro do então ministro Delfim Netto em 1969.

A reportagem receberia críticas mais graves no decorrer da semana. Antonio Roberto Espinosa, ex-dirigente do grupo VAR-Palmares, no qual a ministra militava, e principal fonte para o texto publicado, contestou parte de seu conteúdo.

A meu juízo, suas alegações mais sérias são: ele nega ter dito que a ministra tinha conhecimento do plano de sequestrar Delfim (faz uma distinção entre ‘informação política’, que ela pode ter tido, e ‘informação factual’, que ela não tinha) e que a operação estava com data e local definidos.

Com atraso de dois dias, que eu julguei evitável com alguma dose de flexibilidade, a Folha publicou a contestação de Espinosa e a rebateu. A Redação diz que todas as declarações que comprovam o que havia saído no domingo estão gravadas.

Recomendei ao jornal que publicasse a transcrição da gravação para dirimir dúvidas. Ela me respondeu o seguinte: ‘Não faz sentido reproduzir novamente as declarações de Espinosa. Elas já estavam na reportagem de domingo. (…) Consideramos suficiente a publicação da carta do entrevistado e a nota da Redação.’

Eu mantenho a recomendação. A edição eletrônica do jornal (Folha Online) não tem limite de espaço como a edição impressa. Pode tanto publicar a transcrição da entrevista na íntegra quanto reproduzi-la em áudio.

Afinal, um dos motivos por que entrevistas (e esta, pela sua importância, deveria ter sido feita pessoalmente, não por telefone) são gravadas é para comprovar o que o jornal publica. Como diz o ‘Manual da Redação’: ‘O jornalista que usa gravador fica ao abrigo de desmentidos’.

Que cada leitor a leia ou escute e chegue às suas conclusões. E essas conclusões certamente serão díspares entre si porque cada pessoa sempre entende o que quer de qualquer discurso.

Recebi 58 mensagens de leitores sobre esta reportagem. Cinco a consideraram, conforme uma delas, ‘propaganda descarada que os senhores proporcionaram a Dilma’. As outras 53 acharam que ela tentava prejudicar as aspirações presidenciais da ministra.

De qualquer modo, o jornal fica devendo ao leitor reportagens similares sobre as atividades durante o regime militar dos outros principais pretendentes à Presidência da República em 2010.

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Para reparar mal, jornalismo pode dispensar gancho

Imagine esta situação: você ou alguém próximo sofre acidente vascular cerebral e o médico resolve combater a rigidez muscular decorrente (espasticidade) com toxina botulínica.

Aí, você lê no jornal notícia assim: o uso de toxina botulínica para esse mal não está aprovado pela FDA (agência reguladora da área de saúde e alimentos nos EUA); o único médico citado diz que poucos colegas são treinados para aplicar as injeções; e nada se informa sobre a posição da Anvisa, a congênere brasileira da FDA.

É possível que você se sentisse inseguro a respeito do tratamento adotado por seu médico. Ainda mais porque muitos planos de saúde neste país o questionam e glosam.

Foi a respeito de um texto assim, que saiu na Folha em 30 de março, que o leitor e médico Cristiano Milani recorreu ao ombudsman. Ele dizia que, de fato, a FDA ainda não aprovou a toxina botulínica para AVCs (o que é diferente de ter desaprovado), mas a Anvisa a autoriza para esse fim desde 2000 (informação que consta do website da agência) e a experiência acumulada do método no Brasil o torna ‘uma das principais ferramentas terapêuticas’ na reabilitação de pacientes de espasticidade.

Eu recomendei ao jornal que pautasse e publicasse reportagem em que constassem a informação de que a Anvisa autoriza o uso da toxina botulínica para pacientes de AVCs e opiniões diversas de médicos brasileiros sobre a eficácia dessa medicação nesses casos.

Até quinta à noite, a Redação se negava a pautar tal texto por achar que não há ‘gancho’ (fato recente) que o justifique. Eu creio que a página de saúde não precisa de ganchos para suas pautas e que reparar os possíveis males que a de 30 de março possa ter causado é razão suficiente para fazer esta.

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PARA LER

‘A Ditadura Escancarada’, de Elio Gaspari, Companhia das Letras, 2002 (a partir de R$ 38,85) Um dos melhores, mais completos e precisos relatos dos fatos do regime militar brasileiro entre 1969 e 1974

‘Combate nas Trevas’, de Jacob Gorender, editora Ática, 1998 (a partir de R$ 19,70 em sites que negociam livros usados) Reconstituição, baseada em pesquisa e vivência própria, da resistência à ditadura entre 1964 e 1974

PARA VER

‘Lamarca’, de Sergio Rezende, com Paulo Betti e Carla Camurati, 1994 (a partir de R$ 20 em sites que negociam filmes usados) Conta a história de Carlos Lamarca, que integrou o grupo VPR e seu sucessor, Var-Palmares

ONDE A FOLHA FOI BEM…

ADRIANO

Na terça, enquanto a imprensa do mundo todo considerava o jogador Adriano ‘desaparecido’, reportagem da Folha diz que ela estava na favela Vila Cruzeiro, no Rio

…E ONDE FOI MAL

TERREMOTO NA ITÁLIA

Manchete de terça conta o que todo leitor já sabia (que houve um terremoto na Itália) e dá informação que todo leitor já sabia estar desatualizada (houve 150 mortos)

DENISE ABREU

Nota curta informa na terça que a Justiça suspendera processo contra a ex-diretora da Anac Denise Abreu 15 dias antes; início do processo contra ela mereceu grandes destaque e espaço

TEATRO MUNICIPAL

Denúncia de superfaturamento na compra de instrumentos musicais pelo Teatro Municipal de São Paulo sai em diversos veículos de informação há duas semanas, mas a Folha a ignora.’