Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘Ao longo da campanha eleitoral, a maioria das mensagens que recebi sobre a cobertura deste jornal a acusava de ser tendenciosa.’

Assim começa a coluna do dia 19 de outubro do ombudsman do ‘New York Times’ sobre a eleição presidencial americana de 2008.

Clark Hoyt relata que muitas das acusações denunciavam o jornal por operar agenda política consciente para ajudar um candidato e destruir o outro.

Parece que os ombudsmans estão fadados a ter o mesmo tipo de problema, não importa em que país trabalhem.

Ao contrário do Brasil, nos EUA há uma longa e bem estabelecida história de pesquisas científicas sobre a influência que os meios de comunicação exercem sobre o comportamento do eleitor.

Ela teve início da década de 1930, quando se costumava atribuir ao emprego da propaganda pelo rádio, cinema e imprensa a maior parte do sucesso de opinião pública obtido pelos nazistas na Alemanha.

Paul Lazarsfeld, cientista austríaco de inclinações socialistas e família judaica que emigrou para os EUA em 1933, onde se tornou um dos maiores sociólogos do século, foi o líder desses esforços.

Nas eleições presidenciais de 1940, 1944 e especialmente 1948, monitorou o comportamento eleitoral e de consumo de mídia dos cidadãos de uma típica cidade americana, Elmira, Nova York.

Concluiu que os meios de comunicação exerceram influência pequena ou mesmo nula sobre a decisão de voto das pessoas que constituíam seu universo de pesquisa.

Aliás, o pleito de 1948 ficou famoso porque um dos mais influentes jornais da época, o ‘Chicago Daily Tribune’, confiou tanto nas pesquisas de intenção de voto que, em parte de sua circulação do dia seguinte, a manchete cravava vitória do republicano Thomas Dewey; o vencedor foi o democrata Harry Truman.

Nos anos 1950, Lazarsfeld iria mais longe. Com novos estudos, passou a acreditar que as escolhas eleitorais ‘são relativamente imunes a argumentação direta’ e ‘caracterizam-se mais por fé do que por convicção, mais por desejo do que por cuidadosa previsão de conseqüências’.

Milhares de estudos comprovaram posteriormente e até agora as descobertas de Lazarsfeld, que talvez não chegasse ao extremo de John Alford e John Hibbing, os fundadores de um provável novo campo científico, a genopolítica.

Em setembro deste ano, eles publicaram na revista ‘Science’, uma das principais publicações acadêmicas do mundo, artigo em que mostram estudos que tentam demonstrar vínculos entre as inclinações políticas das pessoas e seus genes, entre ideologia e biologia.

Nada disso livra a mídia da responsabilidade de tentar exercer sua tarefa de noticiar os fatos políticos da maneira mais isenta e equilibrada possível. Mesmo nos EUA, onde a tradição é o veículo manifestar em editorial sua preferência a cada eleição.

Este ano, a maioria absoluta dos jornais optou por Barack Obama, considerado por quase todos os estudos já feitos sobre a cobertura eleitoral como beneficiado por um tratamento menos crítico do que o dispensado a John McCain.

Se Obama sair vencedor na terça, no entanto, sua vitória não poderá ser atribuída ao apoio explícito ou disfarçado que recebeu da mídia.

O eleitor pode não resolver seu voto por definição genética, mas tampouco o faz pelo modo como os candidatos são tratados pela mídia.’

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‘Afinal, que país é este?’, copyright Folha de S. Paulo, 2/11/08.

‘A Folha tem feito ótimo trabalho na cobertura da eleição presidencial americana deste ano. Colocou vários repórteres do primeiro time por longo período nos EUA, tem sido mais imparcial que a imprensa brasileira em geral (e até do que muitos órgãos da imprensa americana), demonstrou inteligência e criatividade em diversos momentos, vem dando bastante espaço ao assunto e ênfase à análise aprofundada de temas relevantes.

Mas errou ao dar papel de proa à jornalista americana Kathleen Parker, designada como colunista neste encerramento de campanha.

A julgar pela leitura de seu texto de estréia na sexta-feira, o que ela pode oferecer está fora do alcance de compreensão do brasileiro médio. Não por deficiência dele; simplesmente por ser brasileiro.

Ele pode não saber quem é Gretchen Wilson, uma das citações culturais básicas do artigo. O texto diz que é uma ‘cantora country’. E daí?

George, o Curioso, é outra referência essencial do artigo. Quem sabe que se trata de personagem de uma série de livros clássicos da literatura infantil americana, um macaco inteligente e curioso que faz trapalhadas e coloca seu dono em apuros?

E os versos ‘Dobra, dobra, labuta e provação/Arde fogo e borbulha caldeirão’ que surgem no meio do artigo? Como saber na hora que são de Shakespeare em Macbeth (ato 4, cena 1, a cena das três bruxas) e populares em histórias contadas para crianças no dia 31 de outubro?

Sem falar na analogia básica do texto, que é a do Halloween. Será que o leitor médio do jornal sabe de fato o que é essa festa popular americana? O que ela significa para o imaginário coletivo do país?

No rodapé do artigo, ressalta-se que Parker o escreveu para a Folha. Não parece que ela tenha atinado que este jornal é publicado no Brasil e que o seu público não usa os mesmos códigos culturais dos Estados Unidos.’

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‘Para ler’, copyright Folha de S. Paulo, 2/11/08.

‘‘Cores Primárias’, de Anônimo, tradução de José Modesto, Companhia das Letras, 1996 (a partir de R$ 50,48) – história ficcional da campanha de Bill Clinton à Presidência em 1992, anônima a princípio, mas depois com autoria assumida de Joe Klein, repórter que a cobriu intimamente.

‘Como se Faz um Presidente da República’, de Theodore H. White, tradução de Regina Regis Junqueira, Livraria Itatiaia, 1963 (a partir de R$ 15, em sites que negociam livros usados) – livro exemplar de historiografia política relata em detalhes a campanha presidencial de John Kennedy em 1960.

PARA VER

‘Recontagem’, de Jay Roach, com Kevin Spacey, 2008 (em exibição no canal de TV paga HBO Plus, no dia 2 às 17h, dia 7 às 8h e dia 11 às 12h) – documentário ficcional de boa qualidade que conta como foi a apuração dos votos na Flórida na eleição presidencial americana de 2000

‘Sua Esposa e o Mundo’, de Frank Capra, com Spencer Tracy e Katharine Hepbrun, 1948 (cópia de TV a cabo para DVD à venda por R$ 34 no site http://site.pop.com.br/video3) – clássico do grande diretor em que um candidato à Presidência começa a criar problemas para a máquina política de seu partido quando resolve denunciar a corrupção do sistema

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