Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘Dezenas de leitores escrevem sobre a fraude no exame do Enem. Ela afetou a vida de mais de 4 milhões de estudantes e suas famílias, universo de cerca de 15 milhões de pessoas que fazem parte do público-alvo prioritário do jornal.

Por isso, surpreende a falta de empenho editorial ao tratar do assunto, que ainda tem uma série de dúvidas fundamentais em aberto. É claro que se trata de tema complexo e de difícil apuração. Mas ‘se fosse fácil, qualquer um fazia’. O que o leitor espera de seu veículo é que lhe traga as informações difíceis de apurar.

Entre os pontos que foram pouco ou mal cobertos pela Folha, alguns até ignorados por ela nesse episódio, destacam-se os que se seguem.

Em primeiro lugar, a motivação dos fraudadores, até agora não satisfatoriamente inteligível. Ou se tratavam de uns completos trapalhões ou alguma coisa ainda precisa ser revelada sobre as razões que os levaram a cometer ato tão desastrado. Acho que não é possível aceitar que o caso já esteja resolvido, como dizem as autoridades policiais.

Depois, há o problema da licitação. O MEC defende que em situações como esta, a licitação é não apenas dispensável, como é preferível não fazê-la. O jornal promove pouca discussão sobre esses argumentos. Quando se pode abrir mão de licitar um serviço a ser prestado ao Estado? O critério de mais baixo custo deve ser o elemento principal de decisão em todos os casos? Quais outros critérios podem ser tão ou mais importantes ?

Não fica claro também por que a Cesgranrio, que agora vai fazer a nova prova este ano, aceitou a empreitada depois de ter se recusado a participar da primeira concorrência por achar o prazo curto demais, quando agora ele é ainda menor.

Pouco se falou sobre uma das mais ostensivas possíveis brechas de segurança do projeto original: o fato de que pacotes de provas iriam para casas de professores para distribuição.

Não se explorou bem uma das mais tradicionais pautas jornalísticas, que é o ‘como se faz em outros países?’. Nos EUA, um exame similar ao Enem, o SAT, é aplicado há décadas num território nacional similar ao brasileiro e para uma população estudantil muitas vezes maior e parece que não encontra problemas de segurança. Por quê?

E o papel do Inep, como supervisor do processo, também tem sido muito pouco explorado. No que exatamente consiste essa supervisão? Que responsabilidades podem ser atribuídas a esse órgão?

A prova em si, já que foi revelada, poderia ter sido mais bem analisada sob o aspecto pedagógico: era boa, pode ser melhorada, o que revela do ponto de vista da competência educacional que o exame procurava verificar?

Um aspecto em que o jornal vai bem é a transparência com que lida desde o primeiro dia, com destaque na primeira página, com o fato de a gráfica onde ocorreu a fraude pertencer ao mesmo grupo empresarial que o controla. Tudo indica até aqui que nem ela nem nenhum funcionário seu são suspeitos de ilegalidades. É preciso manter o rigor jornalístico em qualquer situação.’

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‘Pergunte a Zelaya em blog na Folha’, copyright Folha de S. Paulo, 18/10/09

Na terça-feira, a edição impressa do jornal deu chamada para atração em blog na Folha Online: o leitor poder mandar perguntas ao presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, por meio do enviado especial que está com ele na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa.

O assunto merece reflexão. A Folha tem feito excelente trabalho na média desde o início da crise naquele país e foi o primeiro veículo brasileiro a perceber sua importância. Inclusive no que se refere à isenção no noticiário, em minha avaliação, o jornal tem ido bem.

O ‘pergunte ao Zelaya’, embora conste de um blog pessoal, pode levantar a suspeita de favorecimento a um dos lados. Cheguei a sugerir na crítica interna que a situação do enviado especial, ótimo jornalista, poderia ser similar à dos repórteres ‘embedded’ (acomodados o tempo todo junto) com soldados americanos na guerra do Iraque, como o personagem principal do filme abaixo citado.

O enviado da Folha me corrigiu com razão: ele não está com Zelaya a convite deste, mas apesar de seu desejo. A comparação é indevida. Tampouco até agora percebi sintoma de favorecimento a Zelaya na cobertura em decorrência da iniciativa. Mas ela precisa ser mais bem pensada, como toda relação entre blogs de jornalistas e o jornal.

PARA LER

‘Guerra e Imprensa’, de Verónica Goyzueta e Thierry Ogier (orgs.), prefácio de Heródoto Barbeiro, Summus, 2003 (a partir de R$ 22,59)

PARA VER

‘A Revolução’, de Stephen Marshall, 2005 (a partir de R$ 29,90)’

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‘Onde a Folha foi bem…’, copyright Folha de S. Paulo, 18/10/09

ONDE A FOLHA FOI BEM…

RESTITUIÇÃO DO IR

Reversão da decisão do governo de reter restituições do IR até 2010 comprova acerto do jornal a respeito e demonstra sua importância quando apura e revela informações exclusivas e relevantes.

IPTU e IPVA

Na mesma linha do IR, jornal dá outros dois importantes furos sobre mudanças em impostos esta semana.

LINHA BRANCA

Mais um sucesso da reportagem econômica: antecipação da notícia de que impostos reduzidos para linha branca vão ser mantidos por mais tempo

…E ONDE FOI MAL

ESPECIAL DO RUBINHO

Suplemento especial na quinta-feira trata muito mais de Rubens Barrichello do que do Grande Premio de F1 em São Paulo.

PRÓ-MEMÓRIA

Análise das relações estratégicas entre a elite de Honduras e setores militares e conservadores dos EUA há mais de 50 anos ajudaria a entender a ambiguidade de Washington na atual crise naquele país.

ASSUNTOS MAIS COMENTADOS DA SEMANA

1 – HONDURAS

2 – ENEM

3 – FÓRMULA 1′