Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Cristina Padiglione e Carol Knoploch

‘O público pode até saber que o Lineu que morreu na novela das 9, dona da maior audiência da TV brasileira atualmente, não é o mesmo delegado que até sexta-feira aparecia no Vale a Pena Ver de Novo, Corpo Dourado – embora ambos se encontrem na imagem de Hugo Carvana. Mas, se a platéia não se permitisse embarcar com tanto empenho nos enredos de folhetim, ator que interpreta vilão na TV jamais seria xingado nas ruas durante o período em que está em cena.

Ex-vice presidente de Operações da Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, bem sabe disso. Quando comandava a Globo, tinha algumas estratégias para evitar ‘coincidências’ infelizes como as que têm se repetido com mais freqüência de alguns anos para cá.

Os ânimos do telespectador em descobrir quem matou Lineu podem se arrefecer quando ele dá de cara com o mesmo ator em outra novela no mesmo canal? ‘Não há nenhuma mobilização em torno do Vale a Pena Ver de Novo>‘, defende Carvana. ‘As pessoas perguntam sobre o Lineu para mim. Ninguém nunca me perguntou sobre o meu personagem em Corpo Dourado’, resume.

A dupla exposição de Carvana é involuntária, trata-se de uma reprise. Mas, o que dizer sobre os outros ‘mortos’ da mesma novela? Bruno Ferrari, que fazia um dos filhos de Beatriz e Fernando às 9 da noite, está em Malhação e sem qualquer alteração visual. Foi reaproveitado para o mesmo contrato? Nem isso: fez outro acordo. ‘As pessoas me perguntam na rua sobre o Fábio (personagem de Celebridade), falam, ‘mas você não morreu?’ Foi um papel bem marcante’, acredita o jovem ator.

E, coroando os óbitos de Celebridade, agora vem Otávio Müller, num desdobramento do suspense em torno de ‘quem matou Lineu?’: o personagem foi assassinado na novela das 9 para que o ator entrasse no humorístico Sob Nova Direção, na mesma Globo, nas noites de domingo. ‘No meu caso, os personagens Horácio e Queiroz são muito de composição’, justifica. ‘Esse é um exercício interessante para mim e para o telespectador.’ A questão não é duvidar da capacidade do público em distinguir os personagens. O risco é diminuir o impacto desses tipos sobre a audiência.

Para a professora da Eca (Escola de Comunicações e Artes)-USP e membro do Núcleo de Pesquisas de Telenovela (NPT, também da USP) da Eca Renata Pallotini, ‘o problema está no relacionamento entre o personagem e o ator aos olhos do público, uma ligação muito delicada, de tal maneira que a gente já diz o nome do personagem, não do ator’.

Renata ressalta que o público de TV é diferente do público de cinema e do público de teatro – o que Boni também menciona -, assim como as respectivas relações entre cada platéia e seu alvo. ‘O público de TV tem com ela uma relação dialética, de ida e vinda. Quando acontece esse ruído na comunicação, quando se utilizam atores em papéis que se excluem, o público estranha muito.’ Mas a professora não credita o fenômeno à escassez de atores no mercado, que hoje são até em número maior. ‘Acho que é um descuido mesmo, dos responsáveis em escalar elencos e traçar a programação’, completa a professora.

E, como não é essa a função do autor de novelas, Gilberto Braga prefere não se manifestar a respeito dos personagens que ‘morrem’ por suas mãos e ‘ressuscitam’ em outros horários no mesmo canal. ‘Caso eu tivesse críticas a fazer ao meu empregador faria a ele, e não pela imprensa’, disse ao Estado, por e-mail. ‘No caso, acho até que nem teria críticas a fazer a ninguém, não, estou bem mais ocupado em inventar historinhas pra distrair o público interessado na novela.’

Casos do passado – O autor Silvio de Abreu descarta novidade nessa repetição que nem sempre é acidental. Conta que Tarcísio Meira e Glória Menezes, hoje muito seletivos nos trabalhos que fazem, costumavam emendar uma novela na outra, sem pausa. E diz que tudo depende de quem se repete e como. Por exemplo: ‘se a reprise da Globo (no Vale a Pena Ver de Novo) tem o Lineu como policial, tudo bem; o problema seria ter a ‘Laura’ como mocinha em Anos Rebeldes’, cita.

Abreu lembra que quando fez Rainha da Sucata, em 1990, reprisavam Sassaricando na mesma temporada, com Cláudia Raia em ambas. E fala que quando fez Éramos Seis (1977), na Tupi, teve de ceder Carlos Augusto Strazzer para Ivani Ribeiro, que escrevia O Profeta (1977/78). ‘Recebi um memorando da Tupi dizendo que tinha até o dia tal para tirar o personagem da trama’, conta Abreu. ‘E, imagina, ele era o filho mais legal, que terminava ao lado da mãe! Tive de matá-lo na Revolução de 32. No final da novela, a mãe aparece no túmulo dele, em vez de estar no colo dele’.

Em Pecado Rasgado (1978/79), Abreu recorda que não pôde dispensar Yara Cortes, que já tinha sido Dona Xepa no ano anterior, para Pai Herói (1979), de Janete Clair – Lélia Abramo acabou ficando com o papel. ‘A Yara ficou bem chateada comigo porque é claro que ela preferia estar no folhetim de Janete e não no meu, não é?’

Como diz Abreu, quem tem talento, como Glória Pires, pode fazer a platéia acreditar em duas personagens distintas com a mesma força, e pode até fazer duas novelas de uma só vez. Lúcio Mauro Filho não faz novelas, mas esteve (e voltará a estar, a partir de junho) em dois programas que vão ao ar praticamente no mesmo horário, às quintas, com A Grande Família, e às sextas-feiras, com Sexo Frágil, na Globo. A multiplicidade já existia, antes às quintas, como Tuco, de A Grande Família, e aos sábados, como o caricato filho gay do Zorra Total. Quando Sexo Frágil foi aprovado na programação da Globo, o ator teve de fazer uma opção e deixou o Zorra.

Quem pode se dar ao luxo de escolher quando e o que faz prefere evitar a emenda de um trabalho no outro. ‘Sempre pretendi ter um cuidado que é para preservar não só a minha imagem de atriz como o próprio trabalho que estou fazendo; se eu sair deste trabalho e imediatamente entrar numa novela, nem que eu fosse a melhor atriz do mundo, ia ser uma roubada’, defendeu Ana Paula Arósio em entrevista ao Estado quando gravava a minissérie Um Só Coração. ‘É a mesma coisa que terminar namoro e começar outro’, continua. ‘Não é ‘acabou e joga no lixo’, não, eu vivi com essa pessoa durante um tempo, o meu luto também acontece’.

Inevitável, meu caro Lineu – Já a exibição de reprises que podem desgastar a força de um outro personagem inédito não é decisão que cabe aos atores envolvidos nesse risco. Hugo Carvana acredita que seria difícil a Globo escolher uma novela para reprise cujo elenco não tivesse outros atores em alguma outra produção da emissora na mesma temporada. É verdade. Ainda em Corpo Dourado, Giovanna Antonelli começava a dar o ar da graça, na pele de uma mocinha que em nada lembra a malvada Bárbara da novela das 7, Da Cor do Pecado. E a partir de amanhã, quando Terra Nostra passa a ocupar o Vale a Pena Ver de Novo, Carolina Kasting será filha do fazendeiro Antonio Fagundes às 14h30 e, menos de quatro horas depois, filha do fazendeiro Mauro Mendonça, em Cabocla.

Para o SBT, o efeito de Terra Nostra não será desgastante, muito pelo contrário. Uma das atuais estrelas de Seus Olhos, a novela em produção na rede de Silvio Santos, é Lu Grimaldi, que ganhou destaque na TV justamente via Terra Nostra, como Leonora, a fiel criada na fazenda de Gumercindo (Fagundes). Aos olhos do público do SBT, a exibição de Terra Nostra na Globo endossa a grife de ‘global’ ao elenco do SBT – embora o SBT tenha descoberto Grimaldi bem antes que a Globo… ‘A Dirce e a Leonora são muito diferentes’, argumenta Lu. ‘Se o telespectador acompanhar as duas novelas, poderá ver como o ator muda de um papel para o outro’, diz a atriz.

E, se as coincidências ocorrem na Globo, o SBT, com casting infinitamente menor, não poderia escapar. Petrônio Gontijo, que também está em Seus Olhos, é visto no mesmo SBT no início da tarde na novela Pícara Sonhadora. Recentemente, a emissora programou, com gosto, a reprise do remake de Os Ossos do Barão, que tinha Ana Paula Arósio e Caio Blat no elenco – ela estava na tela da Globo em Um Só Coração, e ele, na novela das 7, Da Cor do Pecado. Colaboraram Etienne Jacintho e Renata Gallo’



Cristina Padiglione

‘Boni: ‘A exposição excessiva é ruim para a empresa e para os atores’’, copyright O Estado de S. Paulo, 23/05/04

‘Para José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que foi vice-presidente de Operações da Globo até 1997, a repetição de atores em papéis distintos na mesma temporada não é saudável. Ele falou ao Estado por e-mail.

Estado – É verdade que na sua gestão à frente da Globo a regra era fugir desse tipo de coincidência?

Boni – Sempre procuramos administrar o elenco para evitar desgaste do ‘cast’ e proteger a credibilidade do produto. A exposição excessiva de atores em diferentes produções, em promoções e em programas diversos é ruim para a empresa e para os atores.

Estado – O que explica tantas coincidências atualmente? Falta de cuidado na escalação, falta de atores no mercado ou na emissora, que hoje conta com menos atores no banco fixo?

Boni – A oferta de material humano até que aumentou. Trata-se apenas de adoção de critérios diferentes. A utilização depende de uma determinada estratégia. E existem várias.

Estado – Até que ponto esse tipo de coisa atropela a ilusão do telespectador a respeito de determinada trama ou personagem?

Boni – A novela e a minissérie convivem com o espectador por dias e meses. É evidente que a força de alguns personagens pode ser minimizada quando o ator aparece ao mesmo tempo interpretando diferentes personagens. No cinema, como a exibição é apenas de algumas horas, isso não acontece. Mesmo assim a contratação de elenco leva em consideração a freqüência do uso.

Estado – Você imaginaria um ‘quem matou Salomão Hayala’ com Dionísio Azevedo aparecendo no mesmo canal, na mesma temporada, com outro personagem?

Boni – Posso imaginar, mas não gosto disso. Me incomoda.

Estado – Você acredita que o telespectador, tendo à sua disposição tantas revistas e/ou colunas especializadas em TV, é menos ‘leigo’ na arte de crer num personagem do que há 10 anos?

Boni – Creio que em dramaturgia é mais importante ‘como as coisas acontecem’ do que realmente o que acontece. Assim, não é necessário crer na ficção ou crer em um personagem, mas é fundamental que o público tenha interesse na trama e interação com os personagens.’



TV JAPONESA NO BRASIL
Etienne Jacintho

‘Rede japonesa grava minissérie no Brasil’, copyright O Estado de S. Paulo, 23/05/04

‘Um país que fica do outro lado do planeta decidiu fazer um intercâmbio televisivo com o Brasil. Executivos da emissora pública NHK do Japão estão no País para coordenar um projeto que conta com a colaboração de brasileiros. A minissérie Haru e Natsu – As cartas que não chegaram é uma comemoração aos 80 anos da NHK no Japão e uma celebração aos quase 70 anos da imigração japonesa no Brasil.

Por enquanto, a atração, que deve ir ao ar somente em 2005, será veiculada apenas pela NHK, mas a rede quer vender o produto para alguma emissora aberta do Brasil. ‘Ainda vamos planejar isso’, conta o produtor Yusuhiko Abe, da NHK. O programa será editado em formatos diferentes para render subprodutos.

A minissérie começa a ser filmada hoje, em uma fazenda em Campinas, onde a diretora de arte Yurika Yamasaki ergueu um set de filmagens. Yurika, que trabalhou em Um Só Coração, da Globo, é descendente de japoneses e se diz feliz por participar da produção. ‘Estou prestando uma assessoria à NHK, mas o projeto mesmo é de Yasuo (Fukai), o diretor de Arte do Japão’, diz.

O apoio logístico da minissérie no Brasil é da produtora Casablanca – de Metamorphoses, a novela da Record -, mas o processo de pós-produção ficará a cargo da própria NHK. ‘Eles têm tecnologia para isso’, brinca o diretor-executivo da Casablanca, Alex Pimentel, já que o Japão é famoso por suas invenções high-tech.

Figurantes brasileiros descendentes de japoneses foram recrutados para a minissérie, mas somente 13 deles terão algum destaque no programa e não serão personagens relevantes. Foram mais de mil inscritos, número que superou a expectativa da NHK. ‘Queria agradecer aos ‘nikkeis’ (descendentes de japoneses) que encontramos no Brasil’, fala o diretor Mineyo Sato.

E ele precisa mesmo agradecer. Haru e Natsu tem apoio de empresas nipo-brasileiras ou nacionais que são comandadas por japoneses ou descendentes, como a rede de hotéis Blue Tree, o grupo Alpagartas e jornais voltados para a comunidade japonesa.

Como não poderia ser diferente, o formato da minissérie não segue os padrões brasileiros. Mas os japoneses têm outros costumes culturais até mesmo quando a questão é TV. As novelas de lá, por exemplo, têm 15 minutos por capítulo e algumas são semanais. Haru e Natsu terá somente 5 capítulos e o primeiro somará 90 minutos (tempo real, sem intervalos comerciais). Os outros quatro episódios terão 75 minutos cada um.

A minissérie japonesa conta a história de duas irmãs, Haru e Natsu, que são separadas quando a família decide vir para o Brasil. Por causa de um problema de saúde, Natsu é proibida de viajar, mas promete manter contato com a irmã por meio de cartas. Mas esse contato não dá certo. Depois de quase 70 anos, Haru vai ao Japão com seu neto Yamato à procura de sua irmã.

Ao encontrá-la, Haru percebe a mágoa de Natsu, que achava que tinha sido abandonada pela família, já que as cartas nunca chegaram às suas mãos. A história se desenrola à medida que Haru conta sua trajetória ao neto e Natsu descobre as cartas antigas. Será um dramalhão japonês?’



TV TRIDIMENSIONAL
Renato Cruz

‘Na telinha, imagens em três dimensões’, copyright O Estado de S. Paulo, 22/05/04

‘Ainda é preciso usar óculos especiais para assistir. Mas tudo é uma questão de tempo. O Laboratório de Sistemas Integráveis da Universidade de São Paulo (USP), liderado pelo professor João Antonio Zuffo, desenvolveu um sistema de TV tridimensional. Funciona assim: são duas câmeras acopladas a um capacete, que capturam as imagens em estéreo. O capacete é ligado, com cabos, a um computador portátil em uma mochila.

O notebook da mochila transmite via rádio – usando tecnologia Wi-Fi – para uma rede de computadores, ligada a monitores, televisores ou projetores. Ou a uma sala de realidade virtual como a Caverna Digital, do LSI, onde as imagens são projetadas nas quatro paredes e também no chão.

Iniciado há cerca de 10 meses, o projeto da TV tridimensional foi desenvolvido para aplicações em empresas, em vistoria de locais perigosos.

‘Se houver solicitação, podemos transformá-lo em produto em seis meses’, afirmou o gerente de Projetos do LSI, Marcio Cabral. Uma alternativa é combiná-lo com o uso de robôs, em situações perigosas demais para pessoas.

‘Em quatro ou cinco anos, a TV tridimensional deve estar disponível para o consumidor’, explicou o professor Zuffo, da Escola Politécnica da USP. O próximo passo do projeto deve ser o teste do vídeo tridimensional em um sistema convencional de TV, combinado com o uso de óculos especiais. O professor Zuffo acredita os óculos especiais ficarão obsoletos em 10 ou 15 anos, quando a holografia se tornar acessível, permitindo a televisão tridimensional a olho nu. ‘Como nos filmes de ficção científica.’

No dia 1.º de junho, o professor Zuffo dará uma palestra sobre TV tridimensional na Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos, durante o lançamento de seu livro A Infoeconomia (Editora Manole), terceiro volume da série A Sociedade e a Economia no Novo Milênio, que trata do impacto das tecnologias da informática e telecomunicações no ambiente econômico.

‘É besteira pensar que o mercado internacional se estabiliza’, explicou o professor. ‘A rapidez das mudanças tecnológicas já vão além da capacidade do cérebro humano.’ Já foi dito que um apertar de botão pode mudar o fluxo global dos recursos financeiros. Não mais. ‘Isso já acontece sem a intervenção humana’, contou Zuffo. ‘Sistemas baseados em algoritmos genéticos já administram os recursos financeiros.’ Trata-se de sistemas de inteligência artificial especializados em obter retorno em investimentos. Em alguns dias (ou até meses) de processamento, supercomputadores criam milhões de gerações de agentes inteligentes, sendo que somente os mais aptos sobrevivem no mundo virtual, para então passarem a gerir o dinheiro.’