Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Crítica diária

13/12/07

Gente

Depois de ver ontem no alto da primeira página da Folha a excepcional fotografia de um homem, uma mulher descalça e no colo dela uma guriazinha aparentemente de chupeta, eu quis saber quem era aquela gente correndo em meio às bombas lançadas pela polícia. O cenário, terra arrasada, era a favela Real Parque, onde houve reintegração de posse. Li e reli. Não soube o nome e muito menos a história deles.

Assim como não encontrei registro de que o jornal tivesse procurado o governador Serra e o prefeito Kassab para que eles se pronunciassem. Instituições da prefeitura e, especialmente, do Estado estiveram envolvidas na operação de retirada de cerca de 70 famílias que provocou congestionamento recorde na cidade.

Embora o episódio tenha ocorrido de manhã, compreendi que, às vezes, certas pautas jornalísticas passam despercebidas. Ainda que a mesma mulher e a mesma menina aparecessem em outra imagem, na capa de Cotidiano.

Esperançoso, corri hoje ao caderno, já que a primeira página estava carregada de outras notícias –quentes e relevantes.

Não é que eu não tenha achado uma reportagem a respeito daquelas três pessoas. Não identifiquei uma só nota sobre o caso.

No Estado de hoje, entre outras informações: ´Os moradores disseram que duas mulheres grávidas perderam os filhos durante a ação da polícia e mais quatro moradores ficaram feridos, entre eles uma menina de 14 anos´.

Perder a sensibilidade é uma das maiores desgraças que podem abater jornalismo e jornalistas.

0,38%

Manchete da Folha, privilegiando a interpretação: ´Governo perde; Senado veta CPMF´.

Do ´Globo´: ´Governo Lula sofre a sua maior derrota e CPMF cai´.

Do ´Estado´: ´Senadores acabam com a CPMF´.

De ´O Dia´, em letras garrafais: ´CAI A CPMF´.

Do ´Jornal do Brasil´: ´Acabou a CPMF´.

O tamanho da derrota

O ´Globo´, desde a manchete, considerou a decisão do Senado contra a prorrogação da CPMF a maior derrota do governo Lula.

A Folha, na abertura do texto principal da cobertura, na pág. A4, como ´uma de suas [do governo Lula] maiores derrotas´.

Rende discussão.

Seria essa uma derrota maior do que a saída de Gushiken e Dirceu do Planalto, após a sucessão de escândalos do mensalão?

Com sinceridade, não sei.

1h11

Quando o resultado apareceu no painel do Senado –e na tela da TV–, olhei para o meu relógio, atrasado um ou dois minutos, e ele marcava 1h11.

A edição São Paulo foi concluída à 1h56.

A cobertura pareceu boa, com mais precisão, bastidores e densidade que a da concorrência, a despeito de problemas pontuais.

A palavra errada 1

A legenda da foto da pág. A6 diz que Jucá está ´ajoelhado` ao lado de Virgílio.

Ele poderia se ajoelhar politicamente, implorando pelo recuo do líder do PSDB, mas o líder do governo está agachado.

Também nesse caso, a palavra faz diferença.

A palavra errada 2

Idem ontem com a descrição das bombas da PM como de ´efeito moral´.

É um eufemismo que ignora os ´efeitos físicos` da arma empregada pela polícia.

É direito das autoridades empregar o nome técnico. E é direito do jornalismo recusá-lo, em nome da clareza e da verdade.

A proposta do governo

A Folha não cai hoje no erro (apenas escorrega, em ´Discussão sobre CPMF racha o ninho tucano´, pág. A8) de dizer que o governo propôs destinar toda a verba da CPMF à saúde.

Era esse o relato de muitos senadores na sessão encerrada na madrugada de hoje, até que Tasso Jereissati leu a correspondência de dois ministros: a transferência integral dos recursos para a saúde pública não seria imediata, mas progressiva.

Valeria esclarecer amanhã. O governo propôs ou não 100% da CPMF já em 2008 para a saúde? E a quantia se somaria ao orçamento do Ministério ou este sofreria perdas?

Lugar-comum

´Ninho tucano` é expressão que se esgotou.

Questão de opinião.

É a minha.

Não é o Giuseppe

Ficaram muito boas as reportagens de ontem e hoje sobre Garibaldi Alves, novo presidente do Senado, produzidas em Natal.

Entre outras qualidades, elas são sóbrias e substantivas.

Velho Chico

Falta ao jornal, em um momento como o da greve de fome do bispo católico, apresentar aos leitores os argumentos pró e contra a transposição do São Francisco.

Sei que isso já foi feito em outras ocasiões. Deve ser feito novamente, melhor e, se possível, com novidades.

Serra, o investidor

Seguem anotações sobre a reportagem da capa de ontem de Dinheiro, ´Serra prevê investir R$ 41,5 bi até 2010´, e seu complemento, ´Governo Lula poderia ajudar mais, diz SP` (pág. B6 de ontem):

1) O jornal não informa qual seria a origem do montante. Regra elementar na cobertura da administração pública e de campanhas eleitorais é indagar ´de onde vem o dinheiro´. O secretário da Fazenda se pronuncia apenas sobre a fonte de parcela do investimento prometido.

2) A gestão anterior em São Paulo foi ´Alckmin-Lembo´, relata a Folha. Por que o jornal não informou a que partidos eles pertencem?

3) Por que o jornal não informou que José Serra é pré-candidato à Presidência? Não se trata de formalismo, mas de fato essencial à compreensão do contexto em que os vultosos e bem-vindos investimentos são alardeados.

4) Por que não informou sobre a liderança de Serra em pesquisa Datafolha publicada no domingo? É dever do jornal contar que o gestor que divulga boa notícia pode se valer dela, o que é legítimo, para ir mais longe na carreira.

5) O governo Alckmin aparece mal. Por que o jornal não informou que Alckmin, com seu ´choque de gestão´, foi apoiado por Serra à Presidência da República um ano atrás?

6) Por que Alckmin não foi procurado para responder?

7) A fotografia do secretário Mauro Ricardo Machado Costa olhando para cima não poderia ser mais simpática ao entrevistado. Dá a entender que ele pertence a um governo que ´mira para o alto´. É uma opinião tão legítima como qualquer outra, mas não cabe se associar a ela em espaço noticioso.

8) A frase destacada para o ´olho` talvez fosse a mesma opção da assessoria de imprensa do governo: ´Este ano foi de ajuste. Quando chegamos aqui, não imaginávamos que deveríamos alavancar tantos recursos para investimentos´.

9) Na introdução às declarações, há referência a ´temas discutidos` com o secretário. Não parece ter havido discussão, apenas audição. O jornal se limitou a imprimir sem espírito crítico o que o secretário falou.

10) A crítica de Costa ao governo federal, na pág. B6, exigia ´outro lado´, a considerar a tradição do jornal e as recomendações do Manual da Redação.

11) O jornal não publicou um senão ou porém às afirmações do secretário.

12) Para refletir: Costa dá a entender que o governo Alckmin era no mínimo incompetente; não foi essa a impressão deixada pela cobertura que a Folha fez da antiga administração. Se o jornal não estava errado, por que não contestou o colaborador de Serra?

13) Não cabe a jornalistas bater boca com entrevistados. Mas também não é seu papel reproduzir a parolagem oficial sem questioná-la.

14) Eis o verbete ´jornalismo crítico` do Manual: ´Princípio editorial da Folha. O jornal não existe para adoçar a realidade, mas para mostrá-la de um ponto de vista crítico´.

11/12/07

Forfait

A crítica não circulará hoje, para que eu tente pôr em dia o atendimento aos leitores.

Idem amanhã, quando participo de reunião do júri do Prêmio Folha.

10/12/07

Profissão repórter

O melhor do que eu li na Folha no fim de semana foi a reportagem publicada no domingo sobre a Venezuela: ´Chávez treina força de 200 mil voluntários para ´resistência´` (chamada da primeira página) ou ´Reserva civil chavista já reúne 200 mil armados` (capa de Mundo); ´Guerrilha renasce à sombra de Chávez` (pág. A32); e ´Militantes pedem expurgo de corruptos` (pág. A32).

Sem sotaque partidário, é um fabuloso painel de um dos segmentos em confronto no país.

A última retranca citada é um retrato impressionante do estado de ânimo da base chavista.

Pesquisa de opinião e jornalismo

Em mais um domingo, a Folha reservou sua manchete a levantamento do Datafolha: ´Alckmin e Marta disputam liderança´.

É cômodo lançar mão das pesquisas de opinião. O jornal faz barulho, em virtude da importância das sondagens, e seu esforço se resume à apresentação das tabelas, com pitadas pouco condimentadas de interpretação em alguns textos.

Ontem era um bom dia para a publicação de apuração ambiciosa de bastidores sobre os movimentos em torno dos três principais nomes da pesquisa na capital paulista, Alckmin, Marta e Kassab. Como se a numeralha bastasse, o jornal privou os leitores de receber reportagem de fôlego.

Datafolha x Ibope

A edição de sábado trouxe uma reportagem muito boa sobre o mãozinha da Associação Comercial de São Paulo ao prefeito: ´Entidade checa imagem de Kassab em pesquisa` (pág. A8).

Valeria agora investigar as diferenças entre os resultados do Ibope (pelo menos para o segundo turno) e os do Datafolha.

Há interesse público em entender o abismo: na semana passada, o Ibope divulgou que o atual prefeito venceria a ex-prefeita em eventual segundo turno. Para o Datafolha, Marta bateria Kassab por 49% a 39% –Alckmin segue a dominar um segundo turno, embora a intenção de votos nele tenha diminuído.

Metodologia Datafolha

O jornal deveria tomar mais cuidado com a divulgação dos números do Datafolha, para evitar um Erramos caudaloso como o de hoje.

Depois do NYT

Folha e Estado confirmaram no domingo, com chamadas e fotos nas primeiras páginas, reportagem do ´New York Times` da semana passada, sobre a saída numerosa de imigrantes brasileiros dos EUA.

É um tanto constrangedor que o jornalismo nacional não tenha se dado conta da alegada movimentação antes que uma publicação americana.

E a Folha, que deu mais espaço e fez uma cobertura melhor que o Estado, poderia ter sido menos comodista, dispensando personagens da reportagem do diário nova-iorquino.

Francine Melo, ´da Francine´s Travel, de Newark, Nova Jersey` (´Brasileiros contam por que deixaram os EUA para trás´, pág. C21), já aparecia na reportagem do ´Times´.

A Folha procurou a brasilianista Maxine Margolis, da Universidade da Flórida, para um pingue-pongue (´´Brasileiros são prisioneiros do limbo´´, pág. C32). Pois ela também havia sido ouvida pelo ´NYTimes´.

A história dos brasileiros desiludidos convidava a uma narrativa sedutora, mas não se leu isso na ´Folha´.

O texto ´Brasileiros contam por que deixaram os EUA para trás` cita ´os trabalhadores [brasileiros] com alto grau de instrução, para quem o número de vistos de entrada dados pelos EUA subiu 185% em dez anos´. Sem esclarecer a parcela de pesquisadores em viagens associadas a atividades acadêmicas, a informação não diz muita coisa sobre o tema em questão.

O jornal deveria ser mais cético a respeito de estatísticas incertas, como a que aparece no quadro ´Brasileiros nos EUA` (pág. C28). Se uma fração considerável deles está ilegalmente nos Estados Unidos, é difícil estimar a quantidade.

Logo abaixo um número contradiz o quadro acima: a ´população de imigrantes ilegais vivendo nos EUA (brasileiros)` é avaliada em 210 mil.

Ora, só na área de Nova York e Estados próximos seriam de 544 mil a 570 mil, conforme o chute citado antes.

O texto ´Governador Valadares ainda tenta se adaptar` (pág. C29) usa erradamente ´imigração` e variantes no lugar de ´emigração´.

Jornalismo previsível

Confesso que só tive tempo de folhear o Mais!, a revista Domingo (JB) e os cadernos especiais do Globo e de O Dia dedicados ao centenário de Oscar Niemeyer. Todos saíram de sábado a hoje.

Mas chamou atenção o investimento do Globo, ao produzir um caderno com projeto gráfico surpreendente, mimetizando o de uma revista fundada pelo arquiteto nos anos 50. Em contraste, a aparência do Mais! era a de sempre, sem novidades, sem surpresas. O Globo apostou em reportagem. O Mais! privilegiou análises, uma fartura delas.

Dobradinha

Ficou muito boa a pág. E2 no domingo (´Na cama com Guido´) e hoje, com a crônica sobre os artistas no show do Police.

Urubuzada

Título de alto de página, no texto principal de apresentação do espetáculo de sábado no Maracanã: ´Show do Police deve ser debaixo de chuva` (pág. E4).

Não foi.

Na mosca

Desabituado a uma cobertura cotidiana da Câmara Municipal da cidade onde a Folha é editada, o jornal acertou em cheio com a manchete de sábado, ´Câmara amplia e encerra rodízio em SP no mesmo dia´.

Impressionante a cara-de-pau dos vereadores.

Zé Simão tem razão

Em uma chamada da primeira página de sábado, ´CIA destruiu vídeos de interrogatórios com terroristas´, o jornal se referiu a ´técnicas severas de interrogatório´.

Foi a expressão empregada pelo ´New York Times` em reportagem reproduzida em Mundo. Em outra retranca, a editoria contou que uma das ´técnicas severas de interrogatório` é o afogamento, manjado recurso de tortura (a palavra certa foi escrita em página interna da Folha).

A tradução não deve subverter o original. Mas a primeira página deveria escolher o termo apropriado, tortura, e não um eufemismo.

Assim como não há sentido em usar ´soldados privados´, sobre militares americanos no Iraque, no lugar de ´mercenários´. ´Soldados privados´, assim mesmo, apareceram na Folha recentemente.

Se a imprensa americana não quer chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome, problema dela. A Folha não deveria seguir o mau exemplo.

Manchete pelo telefone

Embora o terremoto no interior de Minas tenha ocorrido à 0h05 de ontem, a Folha o cobriu de longe, sem enviado especial.

Não era qualquer fato, mas o que rendeu a manchete, ´Terremoto causa 1ª morte no país´.

Jornalismo previsível 2

Título na primeira página de hoje: ´Fãs de gerações e Estados diferentes lotam o Maracanã para ver o Police´.

Poderia ter sido feito dias, semanas antes do evento.

Jornalismo insensível

Ontem um piloto de 27 anos (ou 26, conforme site da Stock Car) morreu em acidente no autódromo de Interlagos. As imagens foram mostradas em todo o país e tiveram enorme repercussão.

A capa do caderno Esporte de hoje, contudo, tratou de outro tema.

Título da capa: ´Times bagunçam planejamento´.

Linha-fina: ´Troca de técnicos e indefinições atrapalham intervalo recorde entre 2 temporadas no ponto corrido´.

Lide: ´A bola vai parar para todos por um período recorde entre duas temporadas no Brasil na era dos pontos corridos´.

Ou seja, tudo geladérrimo.

O acidente saiu na pág. D5.

Nem sequer o desenho do circuito, para saber onde é a tal curva do Café, o jornal publicou.

Nem uma arte mostrando a seqüência da tragédia.

Rafael Sperafico morreu. O piloto do carro que bateu no dele, Renato Russo, está em ´estado estável´, diz a Folha. Isso é jargão de médico. Está estável bem ou mal?

O jornal conta (´Piloto da Stock morre em Interlagos´) que o carro de Sperafico ´se despedaçou em poucos segundos´. Com uma batida daquela, o carro demora tudo isso, ´segundos´, para se despedaçar?

O que é ´a principal disputa de turismo no Brasil´? O que é ´turismo` em automobilismo?

A retranca ´Rafael é o 2º a morrer em pista paulista` diz que a Stock Car já teve ´três vítimas fatais´. Fatais foram os acidentes, não as vítimas.

O pior de tudo foi a insensibilidade para um fato de grande interesse dos leitores.

Se uma tragédia assim não comove a Folha, o que vai comover? Uma matéria insossa como a da capa de Esporte hoje?

Velho Chico

O jornal deveria ter mantido na primeira página a chamada sobre a manifestação de apoio ao bispo Luiz Flávio Cappio. Estava na edição Nacional, caiu na São Paulo.

A Folha faz bem em cobrir a greve de fome com enviado especial.’