Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Crítica interna



’19/08/2005


Folha, ‘Estado’ e ‘Globo’ foram buscar suas manchetes no novo depoimento de Delúbio Soares. A Folha começou a rodar com uma manchete fraca: ‘Não vou delatar ninguém, diz Delúbio’. Depois, mudou para o que os três jornais consideraram como o principal ponto do depoimento, a revelação de que a gravação do apoio do então candidato derrotado à Presidência, Ciro Gomes, à candidatura de Lula foi paga com recursos de Marcos Valério.


Folha – ‘Caixa dois pagou apoio a Lula no 2º turno, diz Delúbio’.


‘Estado’ – ‘Delúbio admite que PT pagou por apoio a Lula no 2º turno’.


‘Globo’ – ‘Delúbio admite dinheiro de Valério no 2º turno de Lula’.


Painel do Leitor


Os leitores perderam hoje, novamente, o Painel que deveria ser deles.


Escândalo do ‘mensalão’


Vejo, na cobertura feita pela Folha do depoimento de Delúbio Soares na CPI do Mensalão, os mesmos problemas de outras coberturas de depoimentos do jornal.


1 – Não há a preocupação em confrontar o novo depoimento com anteriores. Houve novidades? Contradições? Novas versões?


2 – Não há a preocupação em apontar para o leitor por que o jornal considera importante, a ponto de dar a manchete, a revelação de que o caixa dois do PT teria pagado a gravação de apoio de Ciro Gomes a Lula no segundo turno da eleição presidencial de 2002. Que crime está configurado? E que crime está configurado na confirmação do acordo entre o PT e o PL? E que crime se configura se ficar comprovado que o PT destinou recursos para ajudar os partidos aliados?


O relato puro e simples dos depoimentos não ajuda a hierarquizar os fatos, não ajuda a entender o que está acontecendo, transfere para o leitor a incumbência de pesar as acusações à luz das leis, não ajuda a entender os critérios jornalísticos do jornal.


Nas edições de hoje, apenas o ‘Estado’ tem a preocupação de informar aos seus leitores por que considera importante a revelação de que o PT deu dinheiro para outros partidos aliados no segundo turno de 2002. Mesmo assim, atribui a interpretação da possível ilegalidade a uma deputada da oposição.


A mesma observação vale para várias reportagens do jornal. Outro exemplo: segundo o senador Jefferson Peres, ‘Empréstimo do PT a Lula pode ser Fiat Elba de Collor’ (pág. A6 da Edição SP). O que ele quis dizer com isso? Que crime Collor cometeu então que pode estar sendo agora repetido por Lula?


Os leitores já não agüentam tantas denúncias, tantas acusações, tantos depoimentos contraditórios. É papel do jornal organizar o noticiário, saber filtrar as informações relevantes, hierarquizá-las, apontar a sua importância, desprezar as suposições, ter foco. E isso não é tarefa para se tentar fazer apenas nas edições de domingo.


A manchete do ‘Globo’ de ontem (‘Pivô da crise confirma corrupção de Jefferson’), que considerei a notícia mais importante, sumiu. O próprio jornal do Rio jogou o acompanhamento do caso para o fim de sua edição de hoje, e com uma informação preocupante: os advogados de Maurício Marinho negam que ele tenha acusado Roberto Jefferson no Ministério Público de comandar o esquema de corrupção nos Correios. A ver.


Se Helio Laniado já está preso, como o jornal pode escrever que ‘atualmente perseguido por agentes da Interpol, o doleiro Helio Laniado – preso desde terça-feira em Praga – já teve paparazzi em seu encalço’. É a abertura do texto ‘Doleiro preso coleciona namoradas famosas’, na pág. A11 da Edição Nacional. Não faz sentido.


O ‘Estado’ tem duas entrevistas fortes: ‘Ex-petista acusa Delúbio de usar FAT para financiar PT nos anos 90’ (com César Queiroz Benjamin) e ‘É claro que José Dirceu tem responsabilidade política pela crise’ (com Tarso Genro).


Cotidiano


Fez bem o jornal em relembrar o massacre de moradores de rua no centro de São Paulo (um ano atrás) e o assassinato do ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro Filho, no Rio (há seis meses). Os crimes seguem impunes.


Aviso


Por conta de compromissos profissionais (participo segunda-feira da 25ª Semana da Comunicação da Universidade de Taubaté/Unitau) e compromissos pessoais não farei as Críticas Internas dos dias 22, 23 e 24.



18/08/2005


Folha e ‘Estado’ registram, em manchete, o esforço do governo Lula de impedir o salário mínimo aprovado pelo Senado: ‘Governo derruba mínimo de R$ 384’ (Folha) e ‘Oposição ajuda e governo derruba mínimo de R$ 384’. Mas a notícias mais importante está na manchete do ‘Globo’: ‘Pivô da crise confirma corrupção de Jefferson’. O jornal do Rio teve acesso (aparentemente exclusivo) ao novo depoimento de Maurício Marinho, o funcionário dos Correios flagrado em maio recebendo propina, ao Ministério Público Federal. Marinho revelou desta vez que Roberto Jefferson, o pivô da crise política que se estende desde junho, comandava um esquema de corrupção na estatal.


Escândalo do ‘mensalão’


Além do novo depoimento no Ministério Público Federal do funcionário Maurício Marinho, o ‘Globo’ tem outra reportagem interessante na edição de hoje. O jornal foi verificar a propriedade do carro que transportou o ex-tesoureiro Delúbio Soares à sede do PT, anteontem: ‘Carro blindado usado por Delúbio é de empresários ligados a petistas’.


Não vi, no noticiário da Folha sobre a briga interna do PT, a informação de que o ex-ministro José Dirceu foi procurado em casa pelo presidente do PT e recusou a idéia de deixar a chapa que disputará a direção do partido. Estava no ‘Globo’: ‘Dirceu recusa proposta de desistir de dirigir o PT’.


É um absurdo o ‘Outro lado’ da prisão de Rogério Buratti (pág. A4) abrir com o ministro Antônio Palocci, como está na Edição Nacional, ‘Palocci não fala sobre prisão de seu ex-secretário’. E por que falaria? A edição agiu errado com o preso, por que o outro lado propriamente dito ficou relegado ao pé do texto, e com o ministro, que não é acusado de nada neste caso. Na Edição SP houve um desmembramento: o ‘Outro lado’ trouxe a opinião do advogado do preso e o ministro ficou num texto separado, ‘Procurado, Palocci silencia sobre detenção’.


Voltou a ser publicado com erro o nome do ex-governador do Paraná, Paulo Pimentel (nota ‘Sem valor’ na coluna ‘As distorções interessadas’, pág. A5).


Mundo


O jornal acertou ao enviar jornalistas para a cobertura da retirada das famílias judias assentadas na faixa de Gaza. O material produzido tem sido muito bom. Mas o jornal faria uma cobertura realmente equilibrada se tivesse publicado hoje, junto com o relato da jovem Hilá (‘Nunca um país entregou tanta terra a seus inimigos’), um outro assinado por um jovem judeu com argumentos favoráveis à saída de Gaza. Ainda há tempo.


Vi dois problemas no mapa da faixa de Gaza que ilustra a capa de Mundo e a retirada das famílias que vivem nos assentamentos judeus:


– o mapa da Edição Nacional localizava todos ou quase todos os assentamentos; vários deles sumiram do mapa da Edição SP;


– A Edição Nacional informou que as 83 famílias do assentamento Atzmona haviam sido retiradas. Na Edição SP, fechada posteriormente, informa que apenas uma foi retirada. As outras 82 saíram e voltaram? É provável que haja um erro.


Dinheiro


É muito curiosa a ‘divisão de trabalho’ adotada pela Folha na cobertura do fim da greve do INSS. O jornal fez a parte da orientação do serviço (‘Agências do INSS atendem hoje até as 16h’) e o ‘Agora’, a parte ‘humana’ Ou seja, um ficou na Redação e o outro foi para a rua. O resultado aí está, na pág. B5: uma cobertura fria, que não reflete os dramas vividos ontem por milhares de pessoas que continuaram desassistidas. E a melhor forma de editar serviços é através de artes, e não de texto corrido.



17/08/2005


Não está correta a manchete da Folha na Edição Nacional, ‘Doleiro cita governistas como clientes’. O doleiro preso não citou governistas, mas o PT. O jornal mudou para a Edição SP: ‘Doleiro diz que trabalhou para petistas’. ‘Estado’ e ‘Globo’ também deram destaque para as acusações do doleiro: ‘Doleiro diz ter provas de que PT mandou dinheiro ao exterior’ (‘Estado’) e ‘Doleiro preso diz à CPI que atendia a dirigentes do PT’ (‘Globo’).


Painel do Leitor


Depois de dias destinado quase que inteiramente às manifestações dos leitores, o ‘Painel do Leitor’ voltou a ser ocupado por cartas que deveriam ser publicadas em outros espaços. O caso grave do cineasta Fernando Meirelles (‘Impeachment’) exigia uma correção na seção ‘Erramos’ do jornal. A contestação do secretário de Imprensa da Presidência da República (‘Primeira-dama’) exigia uma resposta do jornal confirmando a informação que publicou ou admitindo o erro. E as outras cartas assinadas por autoridades deveriam estar contempladas em matérias, se tiverem razão. Apenas um leitor conseguiu furar o bloqueio, Carlos Eduardo Stamato (‘Passado glorioso’).


Escândalo do ‘mensalão’


Há algo que intriga neste episódio do doleiro preso que resolveu falar para a CPI. Se ele vai provar as acusações que faz com documentos, estes documentos já devem ser do conhecimento da polícia, do MP e da Justiça que o condenou a 25 anos de prisão por evasão de divisas.


Não dá para entender o que faz, na pág. A14 da Edição São Paulo, o ‘box’ ‘Motorista diz que houve caixa dois do PT em Londrina’ dentro da reportagem que anuncia a liberação de gastos do governo.


‘Valor’ tem longa entrevista com Sérgio Rosa, presidente da Previ: ‘Previ refuta suspeita de tráfico de influência’.


A Folha continua a ignorar a participação de Jeany Mary Córner no escândalo do ‘mensalão’. Mas ela ontem falou para o ‘JN’ e para o ‘Estado’


Acho que o jornal deu mal, internamente, o discurso do senador José Sarney sobre a crise (‘Sarney defende Lula, culpa o PT e propõe fim da reeleição para 2010’, pág. A8 ).


Cofre aberto


Segundo a Folha, ‘em meio à crise política, Planejamento anuncia a maior liberação de recursos do ano’ (‘Governo libera R$ 1 bilhão para gastos dos ministérios’, pág. A14). É correta a associação da liberação à crise política, mas o jornal deveria lembrar que o governo vinha sendo criticado por estar parado. O problema não é a liberação dos recursos, mas seu destino. Por isso, o jornal deveria ter sido mais detalhista. Além de investimentos em infra-estrutura, o governo vinha sendo cobrado pela paralisação de seus principais programas sociais. A própria Folha apontou para o problema no editorial ‘Vergonha nacional’, de 6 de junho: ‘Pesquisa no Siafi (sistema de acompanhamento de gastos da União) mostrou que dos recursos alocados para o programa Saneamento Ambiental Urbano apenas 0,75% havia sido desembolsado até meados de maio. A situação é a mesma, com mínimas variações, no programa Habitação de Interesse Social, no Brasil Alfabetizado e na Educação de Jovens e Adultos. O Sistema Único de Segurança Pública gastou neste ano apenas 1,83% dos recursos autorizados. Também o Primeiro Emprego ‘não deslanchou’ -nas palavras do ministro Paulo Bernardo, do Planejamento. (…) O quadro é desolador’. As liberações anunciadas ontem alteram este quadro?


Ciência


Embora seja apenas uma hipótese, como o próprio pesquisador fez questão de ressaltar, o jornal não hesitou: ‘Paladar exigente extinguiu mastodontes’ (pág. A19). Isso é que é segurança.


Mundo


Onde está o enviado especial da Folha à faixa de Gaza? O mapa publicado hoje na capa do caderno não mostra onde fica Gush Katif . A reportagem ‘Não haverá saída sem luta, diz líder de colônias’ (capa do caderno) também faz menção ao local, como bloco de assentamentos Gush Katif. Deveria estar no mapa.


Dinheiro


Todos os jornais noticiaram a saída do presidente executivo do grupo Pão de Açúcar. Mas só vi no ‘Valor’ a informação de que a família Diniz começou a se desfazer de suas ações no grupo e vendeu o equivalente a US$ 100 milhões nas últimas semanas.


Ainda segundo o ‘Valor’, Daniel Dantas perdeu novo recurso no tribunal de Nova York.


Cotidiano


O jornal já não acompanha as investigações do assassinato do arqueólogo americano James Petersen, sábado, próximo a Manaus.



16/08/2005


A Folha investe bem, e com acerto, na cobertura do início de retirada de colonos judeus da faixa de Gaza. O jornal, que está com dois repórteres na região, edita com destaques o extrato da correspondência de um deles e uma foto da resistência dos colonos.


Folha e ‘Globo’ elegem a mesma notícia do ‘mensalão’: ‘PF pede bloqueio de conta de Duda’ (Folha) e ‘PF pede bloqueio de conta de Duda em Miami’. Os dois jornais também abrem espaço para a participação de Pelé na estréia do programa de Maradona na TV Argentina (‘Visita de rei’, na Folha, e ‘A maior tabelinha da história’, no ‘Globo’).


Em relação ao escândalo de corrupção, o ‘Estado’ vai em outra linha: ‘Lula decide que não precisa se explicar mais’. Na Folha, a decisão parece mais bem explicada: ‘Lula só voltará a falar se situação ficar mais grave’.


A crise política em outros jornais:


‘Oposição evita cartada do impeachment’ (‘Valor’), ‘Lula empurra a crise com a barriga’ (‘JB’), ‘Oposição baixa o tom. Lula silencia’ (‘Correio Braziliense’), ‘Manifestações levam crise para as ruas’ (‘Zero Hora’) e ‘Cafetina diz ter fotos de deputado nu e ameaça revelar listão de festinhas’ (‘O Dia’).


Escândalo do ‘mensalão’


A reportagem ‘Valério omitiu saque de R$ 100 mil em 2003’ (pág. A5) saiu com problemas nas duas edições do jornal.


Alguém na CPI dos Correios desconfia que um saque feito em 30 de dezembro de 2003 no valor de R$ 100 mil e omitido por Marcos Valério possa ter servido para bancar a dívida de Lula com o PT.


Na Edição Nacional, a Folha informa que procurou o publicitário Marcos Valério para que ele explicasse a omissão, mas ‘seu advogado, Marcelo Leonardo, não respondeu aos recados deixados no celular’. A continuação do texto, no entanto, informa que Marcos Valério disse ontem para a Folha que conhece o doleiro Haroldo Bicalho e Silva, mas negou ter relação comercial ou de amizade com ele.Se o jornal conseguiu ouvi-lo sobre o bicheiro, por que não o ouviu sobre o saque? Faltou uma explicação.


Na Edição SP não há sequer a preocupação de informar que o jornal tentou buscar uma explicação com o publicitário. Não há o chamado ‘outro lado’.


Aliás, o publicitário falou longamente com o ‘Estado’ e com o ‘Globo’.


O ‘Estado’ dá mais visibilidade a uma informação que a Folha já havia publicado ontem, mas sem destaque: ‘Duda já recebia no exterior quando fez campanha de Maluf’. Como diz o publicitário Marcos Valério em entrevista para o ‘Estado’, a versão de Duda Mendonça ‘vai sendo desmontada’. Nesta entrevista, Marcos Valério tenta explicar por que não contou tudo o que sabia no primeiro depoimento à CPI: ‘A cúpula do PT me pediu para não revelar os empréstimos à CPI’.


A discussão sobre o impeachment pede a publicação de uma arte explicando o que diz a Constituição nos casos de impedimento do presidente e do vice. É uma arte para ser repetida diversas vezes neste tempo de discussões sobre a crise política.


Segundo o ‘Globo’, o plano de saneamento do PT foi feito com a ajuda da Trevisan.


Mundo


Está boa a cobertura da Folha do início da retirada de Gaza (capa do caderno Mundo). O jornal tem relatos de Jerusalém e de uma cidade de Gaza. Mas:


– Falta um mapa. Não basta o jornal ter publicado um no domingo. Aliás, o mapa de domingo, feito a partir de foto aérea, era muito confuso. Os mapas que o ‘Estado’ e o ‘Globo’ publicaram dão uma idéia melhor da região e dos assentamentos. O do ‘Globo’ de hoje informa, inclusive, o grau de resistência dos assentamentos em relação às ordens de despejo.


– Falta um relato das reações e repercussões do lado dos palestinos. A Folha tem apenas um registro, no pé da reportagem principal, a respeito da nova data das eleições nos territórios palestinos. Segundo o ‘Globo’, que também está com correspondente em Gaza, ‘Milhares de palestinos fazem festa nas ruas’.


Cotidiano


Não entendo o que levou o jornal a trocar a capa do seu caderno Cotidiano. A capa da Edição Nacional, ‘Anestésico sob suspeita chegou a 11 Estados’ me parece mais importante do que um relatório sobre acidentes ambientais em SP (capa da Edição SP, ‘Caminhão lidera em acidentes ambientais’). Entre os Estados que receberam o anestésico sob suspeita está São Paulo. E a reportagem sobre os acidentes se limita ao relatório oficial com números de acidentes por região, setor e classe de risco, mas não informa o principal, as conseqüências. Aliás, informa, mas de forma genérica e imprecisa: ‘As conseqüências podem ser a contaminação do solo, da água e até das pessoas. Na maior parte das vezes, os acidentes são com líquidos inflamáveis ou corrosivos’.


Mais de uma semana depois do assalto ao BC de Fortaleza, a Polícia Federal parece perdida. Os presos indiciados até agora aparentemente não pertencem à quadrilha. Até agora só foram recuperados 3% do que foi furtado. Não está na hora de o jornal questionar as investigações e de refazer os procedimentos da PF para saber se tem alguma pista de fato ou se está perdida?’