Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Crítica interna

"28/02/2005


Entre os diversos assuntos que marcaram a semana, a Folha preferiu explorar no DOMINGO os lucros recordes dos bancos brasileiros: ‘Banco ganha mais no Brasil que nos EUA’. Nenhum dos grandes jornais tratou, em manchete, da crise provocada pela confissão de Lula de que mandara silenciar sobre corrupção no governo FHC.


O ‘Estado’ continua a tratar dos conflitos na Amazônia: ‘Madeira ilegal dá lucro bilionário’. O ‘Globo’ bate na questão da carga tributária: ‘Imposto de brasileiro subiu 70% em 4 anos’. ‘JB’ manteve os desdobramentos dos assassinatos de ambientalistas no Rio e no Pará: ‘Questão ambiental divide o governo’.


A senhora Amália Cavalcanti, mulher do novo presidente da Câmara, foi a personagem, com fotos nas capas da Folha e do ‘Globo’.


As revistas:


‘Veja’ – ‘Homem e mulher – Agora, as outras diferenças’.


‘Época’ – ‘A geração do ‘Eu mereço’.


‘IstoÉ’ – ‘Sonho e morte de brasileiros na fronteira americana’.


‘Carta Capital’ – ‘Por que Tarso está na mira dos predadores do ensino’.


As manchetes de hoje, SEGUNDA:


Folha – ‘Reforma sindical dá mais poder ao Estado’ e ‘Papa surpreende e aparece para fiéis’.


‘Estado’ – ‘Severino quer barrar processo contra Lula’.


‘Globo’ – ‘Perito aponta falha em IPM sobre queima de arquivos’.


Os três jornais reproduzem fotos da aparição do papa na janela do hospital. E os três destacam, em suas edições finais, o Oscar de canção para ‘Diários de Motocicleta’.


DOMINGO


Faltam novidades e surpresas na edição de domingo da Folha. Os principais assuntos da semana – excessos do presidente, doença do papa, o novo presidente da Câmara, os índios de Dourados, os conflitos no sul do Pará, Oriente Médio, lucro dos bancos, desemprego, as discussões sobre o aborto e sobre a reforma universitária, a crise na Febem – estão contemplados, assim como o calendário – conquista do Monte Castelo, o Imposto de Renda e o Oscar. Mas a sensação, depois de ler o jornal, é a de que falta algo.


Houve um esforço do ‘Esporte’ para apresentar uma reportagem de fôlego, mas acho o resultado final, infelizmente, questionável, como explico a seguir.


Kia


A Folha tem acompanhado de perto o acordo do Corinthians com a empresa MSI. Quase todos os dias o jornal publica reportagens ou faz menção ao acordo, e este interesse é perfeitamente justificado. O Corinthians tem a segunda maior torcida brasileira de futebol, o contrato é ‘milionário’, como o jornal gosta de frisar, e já possibilitou contratações de jogadores caros. Há uma outra razão para o interesse, talvez a principal: segundo o jornal vem martelando, há pontos obscuros neste acordo, parte da diretoria do clube já contesta hoje os termos firmados e o Ministério Público de São Paulo e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda desconfiam de lavagem de dinheiro na operação.


Por todas estas razões, o jornal tem a obrigação de investigar o contrato e as empresas que compõem a MSI, e está correto quando envia um repórter para Londres atrás de informações.


Dito isto, vejo vários problemas na reportagem publicada ontem na capa do caderno ‘Esporte’ (‘Gênio no xadrez, esquisito na mercearia, Kia intriga Londres’) e nas páginas D2 e D3 (‘O xá do Irã e o chá das cinco’).


O jornal tinha nas mãos uma apuração muito bem feita, embora incompleta, documentada e com várias novidades. Nenhuma esclarecedora dos ‘mistérios’ que parecem envolver o contrato com o Corinthians, mas informações que ajudam a formar mais um pedaço do quebra-cabeça. O problema é o tratamento que o jornal deu para estas informações colhidas. Na minha opinião, foi um tratamento que beira ao sensacionalismo.


As informações mais importantes estão no pé da terceira reportagem: ‘a MSI em Londres não passa de um apanhado de papéis registrados na Junta Comercial inglesa’ e de acordo com o contrato social, 0,1% das ações pertencem à Temple Secretaries, empresa de Kia, e não há informações sobre o restantes 99,9%.


O material levantado pela Folha sobre a vida pessoal de Kia não ajuda a elucidar objetivamente os pontos obscuros do contrato com o Corinthians. Sem uma informação conclusiva, o jornal optou por um perfil e acho que exagerou nas tintas.


O tom da reportagem e os adjetivos escolhidos têm a única preocupação de reforçar a idéia de que Kia é um homem misterioso e estranho.


A própria reportagem, no entanto, se encarrega de destruir em parte este mistério: o jornal conseguiu contar a vida do empresário e de sua família, fugidos do Irã e radicados em Londres. Graças a um bom trabalho de reportagem, rastreou sua passagem pelo Canadá antes de se mudar para Londres, visitou o colégio e a universidade em que estudou, levantou a gênese de sua carreira de empresário, levantou as empresas da família, visitou a casa dele e dos pais dele, conversou com iranianos.


Há exageros evidentes do jornal, como o próprio título da capa, ‘Gênio no xadrez, esquisito na mercearia, Kia intriga Londres’. O jornal conversou com um ex-professor do empresário, que disse que ele jogava muito bem xadrez; daí ser ‘gênio’ vai uma distância enorme. Para provar que existe uma desconfiança generalizada em relação ao empresário, o jornal ouve o dono de uma mercearia vizinha do seu apartamento. O tal dono disse que acha o empresário ‘meio esquisito’ e ‘arrogante’ porque ele não faz as compras pessoalmente, mas manda um empregado fazer. Isso é suficiente para o jornal destacar estas impressões? Todas as pessoas que não fazem pessoalmente suas compras mas mandam empregados são ‘esquisitos’ e ‘arrogantes’?


Outro evidente exagero do jornal é escrever que ‘Kia intriga Londres’. Como o texto mesmo deixa claro em várias passagens, as pessoas ouvidas mal sabiam quem era Kia. O jornal recorre a alguns textos de jornais ingleses para dar base a esta generalização.


Acho que o jornal tinha duas reportagens nas mãos: a investigação parcial dos negócios de Kia e um bom perfil do empresário.


Em relação à investigação dos negócios, é evidente que o jornal não terminou a apuração. Poderia ter segurado mais um tempo para responder o que realmente interessa: quem está por trás do empresário Kia Joorabchian na empresa MSI, se é que existe alguém? O jornal levantou as suspeitas de sempre. Deu um pequeno avanço com o levantamento de contratos e documentos oficiais nas repartições inglesas. Este é o ponto principal, e o material precisa ser mais bem trabalhado. Sei que este tipo de investigação é muito difícil, mas é possível avançar, como provam as reportagens que continuam a sair sobre o Banco Santos.


Quanto ao perfil, tem o mérito de ter feito um bom levantamento da vida do empresário, e o que apurou justificava a publicação. Mas não o tom sensacionalista, completamente desnecessário. Na hora em que o jornal conseguir provar o que desconfia – que o empresário tem por trás outros investidores que preferem permanecer ocultos e que o acordo pode não ser tão bom para o Corinthians – não será necessário usar tantos adjetivos e suspense.


O jornal deve tomar cuidado. O exagero passa a impressão de campanha ou perseguição.


SEGUNDA


O ‘Estado’ tem a informação mais importante de política: ‘Severino deve arquivar representação do PSDB contra Lula no Congresso’. A conferir.


A Folha tem o melhor relato do domingo no Vaticano (capa de ‘Mundo’).


Segundo a Folha, a área cultivada de soja no Pará passou de 2,9 hectares para 15,5 (‘Governador diz que expansão do agronegócio no Pará preocupa’, pág. A10). Deve estar errado.


Erro


Errei na coluna do ombudsman de ontem, domingo, na Folha. A estudante Luciana de Novaes foi atingida por um tiro em um dos campus da Universidade Estácio de Sá, e não da Universidade Cândido Mendes, como escrevi.


25/02/2005


O estado de saúde do papa, as acusações tardias de Lula contra o governo FHC, a farra salarial na Câmara dos Deputados, as investigações de assassinatos de ambientalistas no Rio e no Pará, mais rombos no INSS e números atualizados da população brasileira divulgados pelo IBGE formam o cardápio das primeiras páginas dos principais jornais do país. Com tantas opções, as manchetes não se repetem:


Folha – ‘Papa sofre nova crise e é operado em Roma’.


‘Estado’ – ‘Lula diz que escondeu corrupção no governo FHC’ e ‘Renda cai 18,9% e distância entre rico e pobre diminui’.


‘Globo’ – ‘Quadrilha de fiscais deu rombo de R$ 1 bi no INSS’.


‘JB’ – ‘Governo vai mapear reservas sob ameaça’.


‘Correio Braziliense’ – ‘Severino ataca deputados contrários ao supersalário: ‘É demagogia’.


‘Estado de Minas’ – ‘Cai número de homens em BH’.


Os econômicos:


‘Valor’: ‘Palocci propõe corte de R$ 15 bi’.


‘Gazeta Mercantil’: ‘BC surpreende e leva otimismo aos mercados’.


Brasil 1


O ‘Estado’ e o ‘Valor’ trouxeram ontem trechos de um depoimento em que Pascal Lamy, ex-comissário de comércio da União Européia e candidato a diretor-geral da Organização Mundial de Comércio, defende um modelo de gestão coletiva da Amazônia. Segundo ele, a região deveria ser transformada em ‘bem público mundial’.


Ontem mesmo o Itamaraty reagiu com uma nota, que está hoje nos jornais, menos na Folha. Há apenas um comentário sobre o caso na coluna de Clóvis Rossi (‘A socialização do mundo’, A2).


Além da tese polêmica que volta e meia ressuscita, neste caso também está em jogo a disputa pela direção da OMC.


O jornal não dá continuidade ao noticiário sobre a compra de caças supersônicos pela FAB. A Folha noticiou ontem, na sua Edição SP, que o governo havia desistido da licitação dos caças e que o processo de compra iria recomeçar. Era de se esperar pelo menos uma menção ao fato, uma vez que os leitores da Edição Nacional não tomaram conhecimento.


Segundo o ‘Estado’ de hoje, ‘Aeronáutica agora avalia projeto próprio de caça’ e ‘modelo implicaria a parceria com grupo internacional e seria necessariamente liderado pela Embraer’.


Brasil 2


Em compensação, o jornal está bem nas coberturas da morte de mais uma criança índia no Mato Grosso do Sul (pág. A11) e do assassinato da irmã Dorothy. Destaque para a reconstituição do assassinato da freira e para a entrevista com seu irmão.


Terra sem lei


Acho que os jornais passaram do limite nas reportagens sobre os suspeitos de terem assassinado o ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro no Rio. Embora não existam provas, exceto denúncias anônimas, a polícia divulgou o nome de um deles e deixou que a imprensa o fotografasse. Segundo o ‘Globo’, no entanto, o suspeito tem um álibi confirmado por uma moradora da área. O fato de o preso ser um homicida foragido não significa que tenha cometido o assassinato do ambientalista


É bom os jornais lembrarem como atua a polícia do Rio. Vide as acusações precipitadas em casos amplamente noticiados como o do campus da Estácio de Sá e o do funcionário da Shell. Um pouco de prudência não custa nada.


A Folha, além do foragido que está preso, dá nome e detalhes de um pastor. Segundo o jornal, a polícia ‘não descarta a possibilidade’ de poder estar envolvido. O fato de a polícia ser irresponsável, de não investigar antes de informar, não significa que os jornais devam ter o mesmo procedimento.


Vaticano


Não fica claro, no noticiário sobre a saúde do papa (‘João Paulo 2º piora e é operado na traquéia’, capa de ‘Mundo’), quem pronunciou a frase ‘Simples para quem?’ quando se informou que a operação era simples. O texto que reproduzo abaixo é dúbio, mas dá a entender que foi o papa:


‘Gianni Letta, assessor do premiê italiano, Silvio Berlusconi, disse ter visto o papa após a operação. Segundo Letta, ele estava consciente e tentou falar com os médicos, que o impediram. Antes da cirurgia, informado de que o procedimento era simples, ele brincou: ‘Simples para quem?’.


Nas ‘Frases’, a brincadeira é atribuída a Gianni Letta.


Se a frase foi pronunciada pelo papa, é o caso de uma correção.


INSS


Acho que o jornal deu mal a informação de que, no Rio, foram presos pela Polícia Federal onze auditores fiscais acusados de desviar R$ 1 bilhão do INSS. É a manchete do ‘Globo’ e está bem dado em todos os jornais. Na Folha, é o pé da página B2, ‘Presos fiscais que negociavam para não dar multa’.


Fotos


O ‘Estado’ tem os melhores flagrantes do dia, a seqüência de fotos que registram a operação de resgate de uma família com bebês dentro de um carro inundado, na zona leste de São Paulo. O cineminha na capa do jornal tirou um pouco o impacto que as fotos ampliadas poderiam adquirir, como se constata na pág. C6, ‘A hora do pânico da família Keller’. Ali, a cena é ainda mais impressionante.


24/02/2005


A Folha tem três chamadas fortes –e duas fotos de impacto– no alto de sua primeira página:


‘Morte de freira teve 5 mandantes, diz PF’ (manchete);


‘Febem vive 6ª rebelião em menos de uma semana’;


‘Ambientalista é assassinado em reserva biológica no RJ’.


Está hoje com mais cara de Brasil do que seu principal concorrente, o ‘Estado’, que preferiu destacar pesquisa econômica do Seade/Dieese: ‘Desemprego diminui pelo 9º mês em SP; renda também cai’. O ‘Estado’ começou a rodar sem a notícia do assassinato do ambientalista fluminense e ignorou na capa a nova rebelião na Febem.


O ‘Globo’ e ‘JB’ dão manchetes para a morte do ambientalista no Rio: ‘Assassinado ambientalista que era ameaçado no Rio’ (‘Globo’) e ‘Vergonha’ (‘JB’). As outras chamadas fortes do ‘Globo’ são locais: ‘Outro líder da favela da Rocinha é preso’ e ‘Hospital do Andaraí fecha emergência’.


O esforço da Mesa da Câmara para apressar o aumento salarial dos deputados é a manchete de alguns jornais:


‘Correio Braziliense’ – ‘Tudo pronto para o supersalário’.


‘Zero Hora’ – ‘Cúpula da Câmara pede urgência para reajuste de deputados’.


‘Estado de Minas’ – ‘Deputados já preparam aumento para R$ 21 mil’.


Brasil


O jornal cobre bem tanto o assassinato do ambientalista do Rio como a seqüência das investigações no Pará.


Acerta ao publicar, em formato de pingue-pongue, as entrevistas que os dois acusados pelo assassinato da irmã Dorothy concederam à imprensa. Além da fidelidade às respostas dos dois, dá vida à edição.


Boas também as reportagens da página A8, ‘Fazendeiros são contra os PDS em Anapu’ e ‘Anapu sobrevive da madeira, mas vive caos na saúde’ (esta apenas na Ed. SP) , que descrevem a vida na região e dão voz a moradores de Anapu e fazendeiros. Revelam o clima de tensão e conflito que persistirá na região.


Detalhes:


Está na Folha, na pág. A4, na reportagem ‘Com apenas três fiscais, reserva sofre com atuação de caçadores’: ‘Os [pássaros] preferidos dos caçadores são as aves exóticas, como saíras (que têm sete cores) e macucos’.


Desconfio de que neste caso o ‘exótico’ esteja mal empregado. Associado a pássaros, dá a entender que são espécies de outras regiões levadas para a reserva do Tinguá. É isso que o texto quis informar? Se sim, ótimo. Mas se quis dizer que são aves bonitas, diferentes ou excêntricas, teria sido melhor ter buscado outro adjetivo.


Segundo o jornal, persiste a dúvida em relação ao nome do fazendeiro suspeito de ter mandado matar a freira (‘CPI da Terra quebra sigilo de suposto mandante do crime’, A7). Não se sabe ainda se o segundo nome de Vitalmiro é Gonçalves ou Bastos. O jornal, no entanto, informa, na página A6 da Edição SP (‘Suposto mandante fugiu para Goiás, diz PF’) que esteve com a mãe, o pai e a mulher de Vitalmiro. Podia ter esclarecido, não?


Questão indígena


A terceira morte de crianças indígenas por desnutrição no Mato Grosso do Sul sumiu.


Crise na saúde


Segundo a Folha, Lula quer demitir o secretário de Ciência do Ministério da Saúde, Luiz Carlos Bueno de Lima, que responsabilizou o ministro Humberto Costa pelo desabastecimento de remédios contra a Aids. Mas haveria um complicador: Lima foi uma indicação do PP (‘Lula demitirá secretário após críticas’, pág. C4 na Ed. Nac. e C5 na Ed. SP).


O ‘Estado’, no entanto, informa que o PP não tem mais interesse no cargo.


Comida


Estão bonitas as duas páginas de ‘Comida’ na Ilustrada (E6 e E7). A primeira reportagem da seção repaginada, ‘Chineses underground’, é curiosa: o jornalista confessa que foi mal atendido nos restaurantes, mas mesmo assim os recomenda.


23/02/2005


As manchetes dos principais jornais tratam das investigações policiais no Pará:


Folha – ‘PF diz que caso Dorothy está resolvido’


‘Estado’ – Começou a rodar com uma manchete sobre o FMI (‘Lula: ‘Não precisamos mais do FMI’) e depois mudou para ‘Governo tem há 2 anos dossiê sobre crimes no PA’.


‘Globo’ – ‘Arma do crime é achada em casa de fazendeiro’.


Terremoto no Irã, morte e crise na Febem, FMI, MP dos impostos, ACM e Luiz Otávio na presidência de comissões do Senado _nada disso parece ter tanto impacto hoje quanto mais uma história de sucesso:


‘Lucro do Itaú é o maior da história dos bancos no país’ (Folha);


‘Itaú lucra R$ 3,8 bi, novo recorde entre os bancos’ (‘Estado’);


‘Itaú tem o maior lucro de todos os tempos’ (‘Globo’).


Terra sem lei


A Folha tem hoje, enfim, relatos mais detalhados e completos das investigações da morte da irmã Dorothy e dos depoimentos dos acusados presos.


O jornal acerta ao publicar dois artigos sobre a questão agrária. Assinados por duas autoridades no assunto, Plinio Arruda Sampaio e o ministro Miguel Rossetto, os artigos não esgotam o debate, mas colocam questões importantes. Principalmente o do Plinio Arruda Sampaio, que menciona medidas propostas e não atendidas e que podem servir de roteiro para reportagens do jornal.


Os artigos expressam a posição do governo e críticas ‘à esquerda’. O leque é bem mais amplo e o jornal deveria dar espaço para a continuação desta discussão.


Vejo dois problemas na manchete da página A4 que abre o noticiário sobre as investigações no Pará, ‘Polícia diz que a morte de Dorothy custou R$ 50 mil’:


1 – A informação de que os pistoleiros receberiam R$ 50 mil já havia saído ao longo da semana passada e estava no ‘Globo’ de ontem na reportagem em que reproduziu o depoimento do preso Rayfran Sales;


2 – A morte não custou R$ 50 mil, porque o valor não foi pago. O correto seria informar que este foi o valor fixado ou oferecido, mas que não chegou a ser pago segundo os pistoleiros presos.


Segundo o ‘Estado’, além do dinheiro teriam sido oferecidas aos pistoleiros cabeças de gado.


O ‘Estado’ dá espaço para que se conheça um pouco o governo do Pará, Estado onde ocorreram vários assassinatos este ano. Entrevista o governador, que estava em São Paulo, e mostra como o Ministério Público estadual está subordinado aos interesses do governo do Estado. Para a Folha até aqui é como se o Pará fosse um território nacional sem administração própria. As responsabilidades do governo estadual neste quadro de desgoverno não aparecem nunca.


Na Edição Nacional, a Folha informa, no texto ‘Polícia divulgou nomes falsos de foragidos’ (A5), que o fazendeiro procurado pela polícia como mandante do crime chama-se Vitalmiro Bastos de Moura; na mesma página, no texto ‘Polícia acha revólver em fazenda de Bida’, seu sobrenome muda para Gonçalves de Moura.


Questão indígena


A terceira morte de crianças indígenas por desnutrição no Mato Grosso do Sul já virou um colunão. E daqueles bem no estilo ‘diário oficial’: ‘Lula pede mais atenção a saúde de índios de MS’.


Não é possível que o jornal não tivesse condições de editar hoje uma repercussão digna do caso.


Ilustrada


Horríveis e quase incompreensíveis o título e o primeiro parágrafo de ‘Ex-produtor de MJ prepararia ‘fuga’ ao Brasil’ (A13).


Aliás, independentemente do mérito pela obtenção das informações, o texto todo me pareceu confuso.


Balanços


Acho que faltou um texto mais analítico, que mostrasse para o leitor em que contexto econômico os bancos vêm conseguindo no Brasil, ano a ano, recordes de resultado. O nosso material informativo sobre o lucro do Itaú (‘Itaú tem lucro recorde na história dos bancos’, pág. B4) está bom, mas faltou análise.


O ‘Estado’ concebeu sua edição de forma diferente e, na minha opinião, com resultado melhor do que o da Folha. Ele abriu a capa com um balanço dos balanços, ‘Bancos lucram como nunca lucraram’. Ali informam e tentam explicar o que possibilitou tanto lucro para os bancos. E na página B3 deram destaque para a notícia do dia, ‘Itaú tem o maior lucro da história dos bancos’.


Crise na saúde


São gravíssimas as acusações do secretário de Ciência do Ministério da Saúde contra o ministro Humberto Costa (‘Assessor culpa ministro por falta de remédio’, capa de ‘Cotidiano’). Como se trata de disputa política (PT x PP), o jornal tem a obrigação de sair das aspas, das acusações mútuas, para descobrir o que de fato está por trás do desabastecimento de remédios contra Aids.


Juventude encarcerada


Continuo sem entender alguns critérios de edição. Para mim, é evidente que a rebelião da Febem, a maior desde 99 segundo a Folha, deveria estar na capa de ‘Cotidiano’ ou na página 3. É mais importante do que a chacina do Rio (pág. C3 da Edição Nacional) ou do que a proposta de desconto previdenciário da Prefeitura (pág. C3 da Ed. SP). Na última página do caderno, fica parecendo que a Folha esconde a crise do sistema.


O ‘Estado’ ouve o governador Geraldo Alckmin: ‘Rebelião, descontrole. E Alckmin já fala em desativar Febem do Tatuapé’.


22/02/2005


A Folha tem dois casos fortes na sua capa de hoje: a continuação das investigações do assassinato da freira Dorothy Stang e a morte de mais uma criança Caiuá em Dourados, Mato Grosso do Sul. São duas tragédias, e o jornal faz bem em edita-las com fotos do pistoleiro escoltado pela Polícia Federal e das crianças índias remexendo um lixão em busca de comida. Impossível não associar as duas notícias aos terceiro destaque do jornal, ‘Arrecadação da Receita bate recorde em janeiro’.


A Folha começou a rodar sua Edição Nacional com a manchete ‘Justiça decreta segredo no caso Dorothy’ e a substituiu, na Edição SP, por uma informação mais recente, ‘Preso 3º acusado por morte de freira’. O jornal não deu tanta importância, aparentemente com razão, às informações desencontradas que constam dos depoimentos de um dos suspeitos presos, o Fogoió, que confessou o crime. No primeiro depoimento que prestou, acusou um militante do PT como o mandante; depois, um fazendeiro. O ‘Estado’ também altera sua manchete. Inicia circulando com ‘Pistoleiro dá nova versão: fazendeiro foi o mandante’, e depois troca para uma mais direta: ‘Pistoleiro acusa capataz de fazendeiro foragido’. Segundo o ‘Estado’, o pistoleiro mudou a versão sob pressão. O ‘Globo’ acha que o pistoleiro caiu em contradição: ‘Pistoleiro se contradiz sobre mandante da morte de freira’.


Terra sem lei


A primeira manchete da Folha destaca a decretação do segredo de Justiça no inquérito que investiga o assassinato da freira Dorothy Stang. Depois mudou, mas manteve a informação dentro do jornal, no intertítulo ‘Sigilo’ (página A4) da reportagem ‘Polícia captura Eduardo, 3º suspeito de morte de freira’. O ‘Estado’, no entanto, informa que à noite ‘caiu o segredo de Justiça’. O jornal deveria ter acompanhado para atualizar.


Estranho, nesta cobertura das mortes no Pará, a completa ausência do governador do Estado. Só aparecem nas reportagens, com exceção de policiais civis, autoridades federais, como se o Pará fosse um território federal. E o governador? Segundo o ‘Estado’, ele esteve ontem em São Paulo para participar do ‘Roda Viva’, na TV Cultura. O jornal procurou-o? Entrevistou-o? O que ele acha disso tudo? É responsabilidade exclusiva do governo federal?


No ‘Outro lado’ da reportagem ‘Fazendeiro acumula multas e autuação por trabalho escravo’ (A5), o juiz Francisco Garcês Castro Júnior explica que não acolheu o pedido de prisão temporária do fazendeiro agora suspeito de ter mandado matar a irmã Dorothy porque não compete à Justiça Federal julgar acusações de crimes ambientais e trabalho escravo. O jornal apenas registra a justificativa do juiz, mas não informa se ele tem razão ou não. Se ele está certo, o jornal deveria informar para que não paire dúvida em relação aos seus procedimentos; se não está, deveria ter informado para que ficasse claro que ele foi no mínimo omisso. O ‘outro lado’ não deve ser apenas um registro entre aspas de um personagem envolvido na reportagem. Em vários momentos, como este, o jornal precisa também informar, esclarecer seus leitores. Neste caso, não é um problema de opinião, mas de procedimento técnico.


A edição deveria usar recursos gráficos para valorizar a foto e a reportagem que descreve a destruição das florestas em torno de Anapu e os enfrentamentos pela ocupação da terra, ‘Projeto esbarra em áreas desmatadas para pecuária’ (pág. A6). São tão raros estes relatos no jornal (nos jornais, deve-se dizer), que merecem tratamento diferenciado quando são editados.


Aliás, a página está melhor na Edição Nacional: pelo menos texto e foto estão juntos.


Questão indígena


O assunto tinha desaparecido da Folha, mas volta hoje por conta de mais uma morte de criança Caiuá em Dourados (MS). O material está bom e é reforçado com a foto e a reportagem sobre os índios que procuram comida no lixão de Itaporã (‘Índios recorrem a lixão para sobreviver’, pág. A7).


Os índios agora, enfim, têm nomes, rostos e mereceram registro fotográfico. Foi um avanço.


Também o Mato Grosso do Sul parece ser território federal, tal como o Pará. O Estado não tem governo? A tragédia dos índios diz respeito apenas ao governo federal (Funasa)? O governo do Estado não tem qualquer responsabilidade? Não deveria ser ouvido também?


Tanto nas reportagens sobre os índios do Mato Grosso do Sul quanto nas do sul do Pará o jornal usa hectares sem informar quanto correspondem em metros quadrados ou usar alguma forma de comparação que ajude o leitor a dimensionar as áreas referidas.


‘Cotidiano’


Não consigo entender por que o fechamento de um bar (‘Prefeitura interdita bar na Vila Olímpia’) tem mais destaque (página C3) do que o incêndio que quase destruiu uma favela inteira e deixou mais de mil pessoas desabrigadas (pág. C5). O número de atingidos é pequeno? Tragédia em favela não é notícia? A favela é longe? Há algo de errado nesta avaliação.


No ‘Estado’, é apenas um registro com foto na seção ‘SP 24 horas’."