Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Crítica interna


’28/11/2005


As manchetes dos jornais de SÁBADO mostram diferentes interpretações dos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE:


Folha – ‘Ricos ficam mais pobres e concentração de renda cai’.


‘Estado’ – ‘IBGE: renda pára de cair e Brasil faz algum avanço’.


‘Globo’ – ‘Governo Lula reduz mais a desigualdade, mostra IBGE’.


No DOMINGO, Folha e ‘Estado’ foram checar os gastos do governo Lula e reforçaram a posição do ministro Palocci de que o problema não é a liberação de recursos pela Fazendo, mas o seu uso pelos ministérios. As manchetes:


Folha – ‘Governo engaveta investimentos’.


‘Estado’ – ‘Governo não usou nem 50% das verbas de obras’.


O ‘Estado’ ainda mantinha na capa o enfrentamento entre Antonio Palocci e Dilma Rousseff: ‘Insatisfeito, Palocci cobra apoio de Lula’.


A manchete do ‘Globo’ foi para reportagem sobre violência na cidade: ‘Comércio usa escolta em 70% das entregas no Rio’.


O jornal do Rio volta à crise ministerial nesta SEGUNDA: ‘Lula convoca Dilma e Palocci para encontro frente a frente’. Na Folha, ‘Relator diz que CPI vai demonstrar ‘mensalão’. E, no ‘Estado’, ‘Justiça e MP resistem ao controle externo’.


As revistas:


‘Veja’ – Capa com o ministro Palocci: ‘Imprescindível. Vulnerável’.


‘Época’ – ‘O poder da mudança’.


‘IstoÉ’ – ‘Vergonha’. A história de um menino que teria morrido por falta de atendimento hospitalar.


‘Carta Capital’ – ‘A miséria usa beca’, sobre as universidades.


UOL e a Folha


A Folha anuncia hoje o lançamento de ações do UOL na Bolsa de Valores, ‘UOL lança ações no mercado em dezembro’ (pág. B7). O jornal explica mal, no entanto, por que malogrou a reestruturação do grupo Folha, anunciada em janeiro, com a formação da nova empresa Folha-UOL S.A., que passava a incluir a Portugal Telecom como sócia do jornal. Segundo a notícia de hoje, ‘alguns meses depois, no entanto, houve uma mudança de planos e a holding foi cindida’. O jornal deveria ser mais informativo.


Escândalo do ‘mensalão’/1


O foco da Folha no domingo e hoje são os amigos e ex-colaboradores do ministro Antonio Palocci (Fazenda). O jornal está certo ao persistir nas investigações jornalísticas em torno do ministro. É uma obrigação sua e os leitores esperam que não abandone os casos ainda não esclarecidos.


Mas o que tem sido publicado me parece incompleto e pouco esclarecedor. A impressão que fica é que o jornal deveria avançar mais com suas investigações antes de publicá-las.


A reportagem ‘Ex-assessores de Palocci faziam lobby, indicam fitas’ (páginas A4 e A5), diz claramente que ‘as conversas [gravadas a pedido do Ministério Público], porém, não revelam se os dois tiveram sucesso em suas investidas’. O texto seguinte dá a entender que não tiveram sucesso: ‘Credencial do Banco Prosper foi negada, afirma BB’. Se o jornal não tinha a confirmação de que o ministro teria ajudado seus ex-assessores, não era o caso de continuar as investigações até obter uma informação segura? Aí, sim, poderia publicar com destaque (se ficasse comprovado tráfico de influência e favorecimento) ou apenas como um registro.


A reportagem da pág. A12 (também de domingo), ‘Amigo de Palocci fez lobby para seguradora’ também deixa claro que o lobby intentado não foi bem sucedido.


Esta reportagem tem um parágrafo que merece uma reflexão do jornal pelos absurdos que contém:


‘José Alfredo viaja tanto ao Rio, onde está a Susep, que petistas de Ribeirão Preto são capazes de garantir que ele trabalha na superintendência, por indicação do ministro da Fazenda’. Não conhecia esta nova forma de se eximir da apuração e de preservar as fontes: ‘petistas de Ribeirão Preto são capazes de garantir’. É uma fórmula que foge completamente dos padrões do jornal e institui o vale-tudo. Policiais da delegacia são capazes de garantir que fulano foi o assassino. E estamos conversados.


A reportagem de hoje, ‘Colnaghi exportou com US$ 8,5 mi do Proex’ (pág. A5), também exigia mais apuração e cautela. O que o jornal tem de fato é que o empresário Roberto Colnaghi, amigo de Palocci, exportou com financiamento do Proex, como milhares de empresários. A suspeita, não comprovada nesta reportagem, é a de que um assessor de Palocci teria marcado uma reunião no Banco do Brasil para ajudar o empresário a obter o financiamento. A reportagem não confirma a suspeita de tráfico de influência.


Em compensação, informa que o empresário tinha carta de crédito de um banco português num valor maior do que o do empréstimo, que já tinha obtido outros empréstimos do Banco do Brasil e que o empréstimo para exportação já foi liquidado. Não era o caso de o jornal trabalhar mais nesta linha de investigação antes de publicar?


Escândalo do ‘mensalão’/2


Vi problemas no infográfico ‘50 tropeços do governo Lula’ (pág. A14 de Domingo).


O maior problema é que mistura fatos com suspeitas e acusações, quando os leitores querem saber de fatos comprovados. O que as CPIs, as polícias e os ministérios públicos já conseguiram? Que crimes já estão tipificados?


Outro problema é que o jornal não hierarquiza os ‘tropeços’, mistura fatos gravíssimos com episódios menores e, com isso, contribui mais para a idéia de que a imprensa exagera no caso do ‘mensalão’.


Parece um erro do jornal relacionar o caso do procurador da Fazenda Glênio Guedes (item 6 do infográfico), que teria recebido dinheiro de Marcos Valério, como um ‘tropeço’ do governo Lula. Até onde entendi, o procurador não tinha nada a ver com o governo nem com o PT.


Pautas


O ‘Estado’ está mais atento para as resistências no Judiciário e no Ministério Público às resoluções dos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público contra o nepotismo. Segundo o jornal, a resistência é tamanha que ameaça esvaziar os conselhos.


Outro assunto importante em pauta que merece atenção do jornal é a discussão sobre o fim da verticalização nas eleições. Sugiro a leitura do artigo do cientista político Fernando Luiz Abrucio (‘O jogo das brigas políticas estéreis’) no ‘Valor’ de hoje.


Cotidiano


A Folha desta segunda tem duas reportagens e uma entrevista que, juntas, ajudam a entender por que o cidadão comum já não acredita na Polícia, na Justiça e no Sistema Penitenciário: ‘Sem julgamento, idosa agoniza na cadeia’, ‘J., 17, teve sua ‘pena de morte’ e ‘Polícia Civil está ‘destruída’, diz secretário’.


São impressionantes as histórias da senhora Iolanda Figueiral e do jovem Jonathan Anacleto.


25/11/2005


A crise ministerial ainda não acabou, de acordo com o noticiário da primeira página do ‘Estado’ (‘Dilma briga pelo caixa do Tesouro’), mas a atenção dos três grandes jornais esteve voltada para outros assuntos.


A Folha destaca indicadores negativos da economia: ‘Renda do trabalhador cai 30,8% em 10 anos’ e ‘Números confirmam desaquecimento da economia brasileira’. No ‘Estado’, o destaque é para a tensão surgida entre o Legislativo e o Judiciário por conta do processo de cassação do deputado José Dirceu: ‘Câmara enfrenta Supremo e julga Dirceu no dia 30’. E o ‘Globo’ ficou com a saia justa vivida ontem pelo presidente Lula: ‘Lula promete fim de filas e é desmentido por ministro’.


‘Painel do Leitor’


A segunda parte da carta do senador Antonio Carlos Magalhães para a Folha (‘Bahia’, na pág. A3) contesta um a um os fatos noticiados pelo jornal. Ou o senador tem razão nas informações que colheu junto ao governo baiano, e o jornal deveria ter corrigido os erros eventuais, ou ele não tem razão, e o jornal deveria ter respondido. Além de ocupar um quarto da coluna dos leitores com informações jornalísticas que melhor estariam numa reportagem interna.


A mesma observação vale para a carta dos produtores do documentário ‘Ônibus 174’, que ocupa mais de um quarto do espaço dos leitores para responder a um artigo publicado em ‘Tendências/Debates’. O jornal agiria com mais equilíbrio se tivesse publicado a carta dos produtores na mesma seção. Aliás, o tamanho da carta é praticamente o tamanho de um artigo.


Escândalo do ‘mensalão’


A Folha precisa repensar o uso do chapéu ‘Escândalo do ‘mensalão’ na cobertura política. Não faz sentido mantê-lo em assuntos que já não têm a ver com o escândalo. Exemplos de hoje:


– a disputa política travada entre os ministros da Fazenda e da Casa Civil (‘Lula pede, mas ‘guerra’ entre ministros não cessa’, na pág. A4);


– a entrevista para os radialistas, publicada nas páginas A4, A5 e A6. Os títulos das retrancas demonstram a impropriedade dos chapéus: ‘Lula compara Palocci a Ronaldinho’ , ‘Ministro contradiz Lula sobre filas do INSS’ , ‘Presidente adota no rádio discurso de ‘auto-ajuda’ e ‘Lula fala em cortar desemprego pela metade’.


Palocci x Dilma


É preciso ler a Folha e o ‘Estado’ para se entender um pouco o estágio do enfrentamento entre os ministros da Fazenda e da Casa Civil de Lula. Na Folha (‘Lula pede, mas ‘guerra’ entre ministros não cessa’), estão explicitadas as razões e estratégia do ministro Palocci; as da ministra Rousseff estão no ‘Estado’ (‘Dilma volta a atacar área de Palocci’). É um indicador de como os dois jornais estão com acesso limitado às fontes de informação.


Europa


Pelo que entendi, o alvo principal dos ‘deputados franceses que acusam rappers de incitar à violência’ (pág. A21 de Mundo) é a música ‘FranSSe’, de Monsieur R. Era de se esperar, portanto, que a letra fosse traduzida pela Folha para que o leitor pudesse fazer seu próprio juízo.


Referendo


Está mal editada na Edição Nacional a reportagem sobre a prestação de contas das frentes parlamentares que se enfrentaram no referendo das armas (‘Indústria de armas e munição bancou campanha do ‘não’).


Imagino que o jornal tenha considerado a revelação um escândalo, a ponto de expô-la com destaque na primeira página. A reportagem não deixa claro, no entanto, se há irregularidade ou não no fato de as indústrias de armas terem financiado a campanha do ‘não’.

22/11/2005

A primeira nota do ‘Painel’, publicada depois do fechamento da Edição Nacional (20h30), mudou a manchete da Folha na Edição São Paulo (23h). O jornal começou a circular com o título ‘Lula elogia Palocci, que ainda avalia se continua no cargo’. A manchete se baseava na informação de que ‘Palocci impõe condições para permanecer no cargo’. O ‘Painel’ acrescentou uma nova informação, a de que o ministro avisou o presidente que deixará o ministério, e a nova manchete ficou assim: ‘Lula elogia Palocci, que já pediu para deixar o governo’. E a Folha reafirma informação da semana passada de que, caso Palocci deixe realmente a Fazenda, o nome mais cotado para substituí-lo é o senador Aloizio Mercadante. A ver.


O ‘Estado’ não considera a hipótese de saída imediata do ministro da Fazenda: ‘Acelerar gastos no fim de ano, ordem de Lula a Palocci’. O ‘Globo’ também evita bancar que o ministro corre risco e redige uma manchete ‘neutra’: ‘Lula: política não é de Palocci, mas do governo’. Para o ‘Valor’, ‘Sem apoio de Lula, Palocci articula sua defesa’. Diferentemente da Folha e de outros meios, o jornal econômico não ouviu, no discurso de ontem do presidente Lula, elogios a Palocci, mas sim uma defesa incisiva da política econômica.


Escândalo do ‘mensalão’


A Folha tratou mal as propostas do TSE de moralização das campanhas eleitorais. As investigações dos escândalos políticos não resultarão em nada se não houver mudanças na legislação eleitoral, principalmente no controle dos financiamentos e gastos das campanhas.


O papel do jornal é divulgar as principais propostas que surgem sobre o tema – como esta do TSE – e estimular a sua discussão.


A edição de hoje é pobre, a começar pelo chapéu impróprio de ‘Escândalo do ‘mensalão’/Rumo a 2006’. A reportagem não esclarece, como a coluna de Jânio de Freitas dá a entender, se parte das propostas podem ser implementadas logo. O mínimo que se espera de uma cobertura desta é uma boa arte explicativa, neste caso inexistente. E o título da Edição São Paulo – ‘Presidente do TSE admite ser ‘impossível’ eliminar caixa 2’ reduz as sugestões apresentadas a uma declaração ocasional. E, deve-se dizer, mal interpretada ao eliminar o ‘talvez’ da frase do ministro.


É mais uma oportunidade perdida de aprofundar a discussão sobre a crise política.


Não li nada na Folha a respeito do defesa feita ontem pelo deputado Roberto Brant (PFL-MG), no Conselho de Ética. No ‘Estado’: ‘Brant diz que recebeu, mas não usou recursos de caixa 2’. No ‘Globo’: ‘Brant diz que abandona a política’.


Finanças


O caderno ‘Dinheiro’ tem vasto material sobre crédito e endividamento nas páginas B4 e B5. O estudo principal (‘Consumidores se endividam mais e já tem 46% do crédito’) avalia que o fato de aumentar o número das pessoas físicas que se endividam é bom porque elas estão tomando crédito para consumir, o que impulsiona a economia. Mas a reportagem na página ao lado (‘Consignado agora afeta venda de eletrônicos’) informa que a inadimplência já é uma realidade. Já são visíveis, em outubro, os efeitos negativos dos empréstimos consignados.


Vários levantamentos mostram que cresce perigosamente a inadimplência e que a situação está fugindo do controle, principalmente entre os que estão recorrendo a empréstimos consignados.


O jornal deveria ter trabalhado melhor as informações das duas reportagens. Editadas separadamente, como estão, perderam a força.


Avalio que a chamada da primeira página deveria ter dado igual ou mais espaço para o problema que já estourou – trabalhadores e aposentados cada vez mais endividados e o efeito da inadimplência que já se sente no comércio – do que para o estudo que aponta para uma tendência.


Esporte


O ‘Globo’, com grande destaque na capa e muitas fotos internas, e o ‘Estado’ informam que a CBF escolheu um hotel à beira do lago Lucerna, na Suíça, para a concentração da seleção brasileira para a Copa da Alemanha. Não vi na Folha.


Aviso


Amanhã e quinta estarei em São Paulo para reuniões na Folha. Por esta razão, não haverá Crítica Interna.’