Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Direito de saber não é necessidade de saber

Tony Hendra já foi editor da revista satírica National Lampoon e participou do filme This is Spinal Tap. Este ano, ganhou notoriedade com o lançamento do best-seller Father Joe, livro de memórias em que conta como alcançou a salvação espiritual por meio dos conselhos de um monge beneditino com quem fez amizade. Ultimamente, ele escrevia uma coluna na Times Magazine, revista do New York Times. No dia 1/7, porém, Hendra passou a ser conhecido por outro motivo: o caderno cultural do Times dedicou uma matéria de mais de 2.500 palavras à acusação de sua filha, Jessica, de que ele a teria molestado na infância. No mesmo texto, o colunista nega que tenha cometido abuso.

Após receber cartas de leitores chocados com o tratamento dado pelo jornal a uma acusação não comprovada, seu editor público, Daniel Okrent, conversou com algumas pessoas que haviam visto a matéria. Claro, o que havia chamado mais a atenção delas era a acusação, não sua negativa. Hendra, um homem que acabara de se notabilizar por sua elevação moral, ficara marcado como criminoso sexual.

O ombudsman checou com o autor da matéria, N. R. Kleinfield, um repórter com mais de três décadas de experiência, como ela foi feita. O assunto havia sido levantado porque Jessica escrevera um texto não-solicitado para a página de opinião do Times contando o que supostamente sofrera na infância. O editor da página de opinião, David Shipley, pediu autorização para passá-la para frente na redação e a missão de investigar o caso acabou ficando para Kleinfield. Ele demorou uma semana para publicar a matéria. Hendra teve tempo para se defender antes que saísse. Não foi pego de surpresa, como freqüentemente acontece na ‘deplorável tática adotada pelos repórteres, de ligar para um personagem uma hora antes do fechamento e demandar respostas imediatas a perguntas complexas e, muitas vezes, hostis’, como descreve o editor público.

O importante é que, com base em suas investigações, Kleinfield ficou convencido de que Jessica sofreu abuso. Não pôde provar isso, mas, ao menos, escreveu com a boa intenção baseada em sua convicção, algo que, para Okrent, deve ser levado em conta.

O problema maior para o ombudsman não é a matéria em si, mas se ela deveria ter sido publicada ou não. Se fosse editor do Times, admite, a teria colocado no jornal. Contudo, observa Okrent, sua função não é a de se colocar no papel de editor, mas sim no de leitor. O que a reportagem sobre Hendra traz para o público e a que custo? Ela saiu por ser de interesse público ou porque o escritor se tornou um fenômeno ao ter seu livro, que saíra inicialmente com tiragem de 15 mil exemplares, transformado em best-seller?

‘Há uma diferença entre o direito de saber e a necessidade de saber. E, nesse caso, não enxergo a necessidade’, aponta Okrent. ‘De modo algum é minha intenção diminuir a gravidade das acusações de Jessica. Se sua história é verdadeira, Tony Hendra merece punição muito maior que a humilhação nas páginas do Times. Como editor, os mandamentos da profissão poderiam ter me levado a publicar o artigo. Mas, como leitor, desejaria que o Times não o tivesse feito’.