Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Suzana Singer

“Na cobertura dessa ‘briga de cachorro grande’ entre Gilmar Mendes e Lula, como definiu precisamente um leitor, a Folha não se saiu bem.

Foi a ‘Veja’ que revelou o encontro entre o ministro do Supremo Tribunal Federal e o ex-presidente, ocorrido há um mês no escritório de Nelson Jobim, mas os jornais correram para recuperar o ‘furo’ no próprio domingo. A Folha, sem conseguir falar com Jobim e Lula, editou a notícia timidamente.

No dia seguinte, a Folha.com continuava ignorando que o ex-ministro da Defesa, testemunha do encontro, tinha negado o teor da conversa divulgado na ‘Veja’.

Gilmar Mendes subiu o tom na quarta-feira. ‘Estado’, ‘Valor’ e ‘Globo’ publicaram entrevistas, mas ele se recusou a falar com a Folha. Declarações fortes, como o alerta de que ‘o Brasil não é a Venezuela’, ficaram de fora.

Só nos últimos dias, quando começaram a surgir ressalvas à veemência do ministro do STF, a cobertura achou um eixo.

A guerra de versões entre os dois ex-presidentes, do STF e da República, seria a oportunidade perfeita para voltar ao misterioso caso do grampo de 2008. Gilmar Mendes levantou a bola ao acusar Paulo Lacerda, ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e que estava fora do noticiário, de municiar Lula com ‘fofocas’ para atingi-lo.

Em setembro daquele ano, a ‘Veja’ publicou um diálogo, que teria sido obtido por grampo ilegal, entre o então presidente do STF e o senador Demóstenes Torres. Para a revista, ‘não havia dúvida sobre a ação criminosa da Abin’.

O clima político estava quente por causa da Operação Satiagraha, que investigava Daniel Dantas, e Mendes vinha sendo criticado por ter concedido habeas corpus ao banqueiro.

Com a ‘revelação’ da ‘Veja’, uma onda de apoio ao presidente do STF se formou e Lula afastou Paulo Lacerda da direção da Abin. ‘Não há mais como descer na escala da degradação institucional’, afirmou Mendes à época.

Uma investigação policial, que demorou dez longos meses, não encontrou o áudio e concluiu não ser possível afirmar que houve grampo.

A denúncia sobre a escuta no STF ocupou a manchete da Folha por cinco dias seguidos. A conclusão de que não havia ‘corpo’ no crime não teve menção na ‘Primeira Página’.

A Folha se precipitou em 2008? Não. Vivia-se, como agora, uma ‘festa de grampos’, era plausível que altas autoridades de Brasília fossem alvos de arapongas. Mas o jornal errou depois, ao abandonar logo o caso e ao não dar destaque ao final da investigação.

Do mesmo modo, a Folha não poderia ignorar o bate-papo de Mendes e Lula, como sugeriram alguns leitores. O encontro é notícia e, no contexto das pressões sobre o julgamento do mensalão, a versão apresentada é verossímil.

Para não repetir os erros do passado, o jornal não pode, porém, se contentar em repercutir a ‘Veja’ até que o caso esfrie e a próxima polêmica apareça. Precisa persistir na investigação para não ser acusada de ‘se prestar a uma rede de intrigas’, como alertou o próprio ministro Gilmar Mendes.

Um gentleman na Barão

Sem ofensas aos inúmeros convidados que já vieram à Barão de Limeira, mas a Folha nunca tinha recebido alguém tão elegante quanto Gay Talese, 80, lendário jornalista americano.

De colete e chapéu, Talese, conhecido pelo requinte de sua escrita, falou a uma plateia de jovens sobre os encantos (e desafios) do jornalismo. Sua maneira de definir a profissão é animadora: uma Redação é a reunião de pessoas em busca da verdade. ‘É a menor concentração de mentirosos’, disse, comparando, entre risos, com advogados, banqueiros ou políticos. Tomara que ele esteja certo.”