Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Suzana Singer

“Como bem definiu Janio de Freitas, chegam a ser ‘comoventes’ os poucos trabalhos jornalísticos com esforço de equilíbrio na cobertura do julgamento do mensalão.

Mesmo quem prometeu ‘apenas os fatos’ apresentou o julgamento com o viés de que o único desfecho bom para a democracia é a condenação exemplar dos réus.

O escândalo do mensalão nasceu na imprensa -mais precisamente na entrevista de Roberto Jefferson à Folha em 2005- e foi alimentado por ela ao longo dos anos. Foi um admirável trabalho jornalístico que expôs as entranhas do PT no poder.

Graças à pressão da mídia, o julgamento, que demorou sete anos, não foi adiado. Só que agora, quando as teses do procurador-geral da República e dos advogados de defesa serão confrontadas, a neutralidade deve ser um mantra.

A Folha vem tentando manter a isenção. Mesmo assim, na capa do caderno especial de domingo passado, definiu o mensalão como ‘o maior escândalo de corrupção da história recente do país’, o que, além de ser um juízo de valor, é bastante questionável. O Collorgate não foi um episódio mais grave?

Nesse mesmo dia, uma reportagem em ‘Poder’ pretendia revelar a articulação dos políticos envolvidos quando estourou o caso. O título já dizia tudo: ‘A Invenção do Caixa Dois’. Era a Folha dando um veredicto: um dos argumentos da defesa, o de que o dinheiro movimentado era sobra de campanha eleitoral que seria usada para quitar dívidas, não passa de uma armação.

Outro exemplo de mão pesada foi a reportagem de sexta-feira sobre o ministro José Antonio Dias Toffoli, pressionado a se declarar impedido. Começava assim: ‘Ex-advogado do PT, ex-assessor de um dos réus do mensalão e namorado de uma advogada que atuou no processo, o ministro do STF Dias Toffoli decidiu participar do julgamento’.

O jornal só tem a ganhar se deixar o noticiário fora da torcida pela condenação. O desafio agora é encontrar formas de tornar atraente e compreensível um processo longo, monótono e truncado.

Todo o mundo reconhece a importância do julgamento do mensalão, mas não é fácil manter o leitor interessado, semanas a fio, no que acontece em uma sala lotada de togados discutindo em um dialeto estranho.

Traduzir, interpretar, revelar bastidores, eleger com imparcialidade o mais importante, é o papel da reportagem, especialmente nos próximos dias, quando os advogados de defesa começarão a falar. Vamos ouvir o que os réus têm a dizer.

O salário do coronel

Aquele ditado em que se diz ‘quem nunca comeu melado, quando come, se lambuza’ se aplica perfeitamente a reportagens da Folha sobre os ganhos dos servidores.

Com a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, os órgãos públicos estão obrigados a colocar na rede as folhas de pagamento. Tem sido uma festa para os repórteres, que produziram uma série de denúncias sobre pagamentos acima do teto constitucional (R$ 26,7 mil).

O jornal, com ajuda do ‘Agora’, foi bem ao mostrar que assessores de Alckmin multiplicam seus ganhos com participações em conselhos de estatais, o que não é ilegal, mas infla os rendimentos bem acima do máximo permitido. A divulgação dos salários levou o governador a impor limites a essa prática, que visa tornar atraentes alguns cargos da administração pública.

Embora tenha acertado no caso dos secretários, a Folha fez lambança ao publicar os ganhos de outros funcionários públicos. Foram divulgados dados dos recebimentos em um mês, sem separar salário de remunerações extras (férias, adiantamento de 13º, indenizações etc).

‘Cotidiano’ publicou anteontem os nomes dos coronéis e dos delegados da polícia paulista que receberam as maiores remunerações em junho. Fez a mesma coisa com alguns funcionários de fundações ligadas ao governo estadual.

O que adianta afirmar que o coronel Fulano de Tal recebeu R$ 250 mil? Ele ganha isso todo mês ou foram bonificações, valores adicionais e benefícios que resultaram em uma bolada eventual? Ele é suspeito de ser favorecido indevidamente?

Divulgar ‘listas de marajás’, sem investigar previamente, serve apenas para fomentar o preconceito contra os servidores públicos e cria desnecessários constrangimentos pessoais. É jornalismo preguiçoso, que engrossa os argumentos dos que consideram que a bem-vinda Lei de Acesso à Informação é uma violação à privacidade.”