Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ernesto Rodrigues

‘Não sendo ficção, que é um tipo de conteúdo no qual a maioria dos telespectadores sabe o que aconteceu no episódio ou capítulo anterior, praticamente tudo, em TV aberta, tem de ser apresentado e muito bem explicado. Todo dia. E foi exatamente por não ter sido precedido de uma apresentação que a estreia do programa Animania pareceu menos o que pretende ser – uma revista eletrônica semanal sobre a crescente produção brasileira e estrangeira de cinema de animação – e mais um programa da grade infantil e diurna da TV Cultura estranhamente exibido às 19h30m.

A falta de uma apresentação de estreia, que bem que poderia se inspirar no conteúdo do excelente especial ‘Cultura Animada’ exibido pela emissora no dia 11 de setembro, certamente dificultou ou comprometeu a identificação, pelo telespectador, do boneco Zeca 2D e do rato Seth como âncoras do novo programa. Só quando o cineasta Guto Bozzetti entrou em cena para ser entrevistado é que ficou claro, para muita gente, que Zeca 2D e Seth não eram personagens de mais um desenho.

Para quem sabia do que se tratava, o programa de estreia cumpriu o que estava prometido nas chamadas ao exibir um detalhado making of da animação de recorte digital, acompanhada das explicações de Guto Bozzetti. O longo tempo de inserção da animação que ilustrou o making of, no entanto, comprometeu o ritmo do programa, dando a impressão de que um filme inteiro começava a ser exibido. O ritmo foi recuperado com o quadro Catavento, que mostrou uma interessante reportagem com Márcio Ambrósio, da Oficina Oups! sobre interação de pessoas com imagens ao vivo.

No final, o Animania exibiu, na íntegra, ‘O Jumento Santo’, uma obra-prima da animação brasileira, espécie de síntese da Bíblia sob a ótica bem-humorada dos cineastas nordestinos Leo D. e William Paiva. Excelência à parte, no entanto, o programa de estreia terminou como começou: sem cara de programa.

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Impasse, 17 de setembro

Nada como uma Whitney Houston atrás da outra para que surja a chance de refletirmos mais uma vez sobre o formato e o conteúdo atual do Jornal da Cultura e o desafio diário que é fazer um telejornal ao mesmo tempo saboroso, importante e interessante, sem ter, como sabemos, a devida estrutura para essa empreitada. Em boa parte de sua edição de 17 de setembro, o JC chamou atenção pelo alto percentual de amenidades e de assuntos que, embora interessantes, não tinham relação direta com as principais notícias do dia.

Em seu notório esforço de superar as próprias limitações estruturais e envolver o maior número possível de telespectadores com o que tem à mão, o JC abriu com um tratamento completamente hollywoodiano e inadequado – no texto, nas imagens top gun de arquivo e na própria sonorização – de um assunto que, embora visualmente atraente, é sério e cheio de controvérsias: a disputa entre suecos, americanos e franceses pelo direito de vender 36 caças para a Força Aérea Brasileira por muitos bilhões de reais.

É bem verdade que a reportagem sobre a ofensiva dos fabricantes suecos, em si, tinha a necessária sobriedade jornalística. Ainda no primeiro bloco, porém, o JC acabou aprofundando um pouco mais sua distância em relação ao noticiário importante do dia com uma reportagem em forma de crônica sobre a presença crescente da televisão na vida das pessoas e outra sobre a existência de astrólogos financeiros.

Para acentuar a falta de ligação com o noticiário do dia 17 de setembro de 2009, o JC ainda exibiu, antes do primeiro intervalo, um bloco esportivo quase que totalmente concentrado no futebol paulista e um registro sobre a volta aos palcos de Susan Boyle, fenômeno já meio surrado da Internet. Depois do intervalo, finalmente um conteúdo vinculado à abertura da Semana Nacional do Trânsito, mas ainda assim sem gosto de notícia: dicas de segurança para motoristas.

No que parece ser sintoma de agravamento de sua já conhecida falta de estrutura para produção própria, o JC, em sua segunda metade, continuou dando pouca ênfase aos fatos do dia – que exigem equipe, logística, câmeras e agilidade estrutural – e optando pelo encadeamento de conteúdos de agências internacionais com algumas reportagens jornalisticamente frias, como a que foi feita sobre uma feira de gastronomia e hotelaria aberta em São Paulo e a que alertava sobre a permanência do risco de grandes enchentes na cidade.

Pelo que se viu nesta edição, a equipe do JC começa a correr risco de exagerar e perder o ponto em seu esforço de fazer ‘mexidos’ audiovisuais saborosos com o pouco que tem em sua cozinha jornalística. O impasse entre o formato pesado, preguiçoso e editorialmente equivocado do passado e a potencial deterioração da proposta atual do programa é sério e precisa ser enfrentado com urgência e empenho pela direção da emissora.

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Aperitivo de primeira, 16 de setembro

O programa exibido no dia 11 de setembro mereceu todos os sentidos do título ‘Cultura Animada’, a começar pela saborosa reconstituição audiovisual dos saltos sucessivos de qualidade e importância que o cinema de animação vem dando nos últimos anos, no Brasil e no exterior. Contribuiu ainda mais para o resultado, claro, a vocação natural desse tipo de conteúdo não apenas para as salas de exibição, mas também, no caso, para a telinha nossa de cada dia.

Essa vocação contribuiu para o bom resultado e para o ritmo da matéria com Maurício de Sousa sobre a entrada de sua ‘Turma da Mônica’ no filão do desenho animado, da reportagem sobre o grupo baiano que está fazendo um longa cuja personagem é inspitada em Ivete Sangalo e o making of do filme ‘Minhocas’, todo feito em stop-motion.

Além do deleite visual e gráfico com várias vertentes atuais da animação brasileira, o telespectador ainda teve oportunidade de conhecer um pouco do processo que vai do lápis ao computador e que inclui o curioso e demorado artesanato da ‘montagem’ de cada um dos personagens dos filmes, em reportagem feita na Escola Melles de Animação.

O especial não tinha, porém, uma identidade gráfica ou visual e pode ter sido confundido com o Metrópolis, devido à ancoragem a cargo de Adriana Couto e Felipe Aaukay. Mas terminou com uma notícia estimulante: a estréia, nesta sexta, do ‘Animania’, programa semanal sobre o mundo dos desenhos, massinhas e 3Ds.

Resta torcer para que o semanal seja tão variado, atraente e ágil como o especial.

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Whitney Houston na Cultura, 15 de setembro

‘Preparem os ouvidos! Sete anos depois do último sucesso, Whitney Houston voltou’.

A matéria que se seguiu ao texto acima, lido com uma ponta de ironia pelo apresentador Ricardo Ferraz, durou pouco mais de um minuto, dentro do Jornal da Cultura de 14 de setembro. O tempo, no entanto, certamente deve ter sido mais que suficiente para que uma parte dos telespectadores tradicionais da TV Cultura sentisse arrepios de perplexidade com a presença de Houston no script do telejornal.

O texto e a edição sobre a volta da cantora americana ao circuito globalizado da música comercial, no entanto, era bem-humorado e transitava com muita competência na estreita fronteira do respeito aos fãs de Whitney com a ojeriza dos que nunca suportaram seus agudos intermináveis e transbordantes. O que nos permite concluir que outra parte considerável dos telespectadores do Jornal da Cultura pode ter gostado do que viu e ouviu ao longo da reportagem.

Entre os prováveis críticos da decisão do JC de incluir esse tipo de assunto no cardápio da noite e os possíveis entusiastas dessa flexibilização do conteúdo diário do programa, são pequenas as possibilidades de consenso. O que não se pode negar, no entanto, qualquer que seja o gosto musical do telespectador, é que o olhar da equipe do telejornal para a volta à cena de Whitney Houston – um inegável fenômeno de popularidade do nosso tempo – foi ao mesmo tempo inteligente e saboroso.

Essa encruzilhada conceitual é tão singela quanto simbólica. E nos remete para uma tese antiga e insistente deste ombudsman: a de que defender a inclusão de conteúdos, personagens e temáticas mais populares na programação de uma emissora pública não significa, necessariamente, abrir mão do senso crítico ou adotar a mediocridade como parâmetro cultural ou jornalístico.

Tudo depende, como sempre, qualquer que seja o assunto, do olhar.

Entrevistado ou porta-voz?

Partilha ou concessão?

Concordemos ou não com o entrevistado, o Roda Viva com Haroldo Lima, diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo, teve uma vantagem. Com seu nacionalismo cristalino e a boa articulação de muitos anos de experiência como parlamentar, ele expôs – em detalhes, de forma inteligível e no timing da TV aberta – a posição da agência ( e do governo) em relação ao marco regulatório do pré-sal.

De sua parte, em contraposição à tese do entrevistado de que o Brasil deve controlar a produção para se proteger contra os riscos de ter a própria economia prejudicada pela ‘doença do petróleo’, e à de que não faz sentido o país usar o sistema de contratos de concessão para uma área de baixíssimo risco exploratório como a do pré-sal, Heródoto Barbeiro e os entrevistadores convidados – Jonathan Wheatley, do Financial Times, Sérgio Lírio, da revista Carta Capital, Alexa Salomão, da revista Época Negócios e Irany Tereza, do Estadão – botaram na mesa os principais argumentos dos que se opõem ao modelo de exploração desenhado pelo governo federal.

No final, apesar de todos terem cumprido seu papel no debate de um assunto historicamente apaixonante e explosivo, ficou uma sensação de que a ANP, sob Haroldo Lima, não tem a autonomia (e importância) que tinha – ou queria ter – em outros tempos. Afinal, o próprio entrevistado confirmou, com todas as letras e sem hesitação, que a agência, hoje, ao contrário do que desejaria o tal do ‘mercado’ e diferentemente dos tempos do governo FHC, é uma instituição a serviço do governo Lula, afinada com o presidente e inteiramente subordinada a ele.’