Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ernesto Rodrigues

‘Vez por outra, este ombudsman recebe emails, alguns à beira do racismo e outros impregnados de altas doses de paternalismo elitista, com críticas ao conteúdo do Manos e Minas. Em geral, tentam desqualificar a música, a cultura e os códigos comportamentais da periferia, em vez de discutir suas contradições à luz do bom senso e da tolerância.

É de se imaginar como esses críticos conseguem conciliar um olhar tão negativo com reportagens como a que foi produzida pelo programa no distrito de Parelheiros e exibida no último dia 13 de junho. A matéria contava a história de um centro de umbanda que se transformou em centro cultura e afirmação da cidadania. O seguinte depoimento do coordenador do projeto Monokavungo, Luiz Katulemburange Amorim, dá uma idéia do conteúdo da reportagem:

‘Havia pessoas que nos procuravam pedindo ajuda espiritual e a gente estava vendo que o que cara tinha era fome. E como a gente sabe que a religião acalenta a alma, mas não conforta o estômago, corremos pra procurar ajuda e foi assim que nasceu o centro’.

Hoje, o centro oferece um belo espaço para manifestações culturais afro-brasileiras – que incluem o balé Monokavungo – além de um laboratório de informática, sem ‘cesta básica e outros paternalismos’, como Luiz fez questão de ressaltar. ‘Tem jovem aqui que, olhando hoje, você não tem idéia de como ele chegou aqui’, Luiz acrescentou, com justificado orgulho.

Cabe perguntar: será que os críticos do Manos e Minas seriam capazes de oferecer alternativas de conteúdo mais libertárias e cidadãs às comunidades da periferia?

O problema é o tipo de música, como a que toca na Casa do Hip Hop de Diadema, mostrada no mesmo programa, dentro do quadro Circular Periférico? Pode ser, mas foi outro convidado do programa, o cantor JC Sampa, da banda Sampa Crew – típica representante música romântica brega-urbana que incendeia as platéias domingueiras da TV aberta – quem deu a senha para conviver bem com o Manos e Minas: ‘Ninguém é obrigado a gostar de nada. Mas tem que separar quem não gosta de quem discrimina.’

No palco do mesmo programa, uma intervenção do apresentador Thaíde, durante a entrevista que ele fazia com o grafiteiro Thiago Mundano, deixou claro que o Manos e Minas, independentemente do conteúdo e da linguagem que causam arrepios em um certo tipo de telespectador, continua comprometido com todas as cidadanias:

‘As carroças que o Thiago desenha não são de lixeiros. São de coletores de material para reciclagem’.

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De volta ao Vitrine, 18 de junho

O que dá audiência? O Vitrine não deu – e nem poderia dar, claro – a resposta que, segundo um dos entrevistados da matéria sobre a guerra de audiência das TVs brasileiras, vale milhões de dólares. A reportagem, no entanto, deu um toque de atualidade a este debate, ao entrevistar a jornalista Cristina Padiglione, do Estadão, a professora de rádio e TV Carla Pollake e o executivo Guilherme Bokel, da TV Globo, sobre assuntos como a disputa do ibope na programação matinal e dominical da TV aberta e os ainda imprevisíveis efeitos da Internet no comportamento do telespectador. Uma pena que o Vitrine, reproduzindo involuntariamente o desprezo soberbo com que muitos na TV Cultura encaram o tema, tenha excluído a emissora e as outras TVs públicas do debate e dos efeitos dessa guerra.

Como se não bastassem a qualidade das fotos da exposição ‘Fotografia em Revista’ – com um pouco do trabalho de 170 profissionais que já passaram pela Editora Abril – a trilha inspiradora de César Camargo Mariano e a entrevista de um deles, o lendário Pedro Martinelli, o quadro ‘Retrato’ ainda contou com a participação e os comentários de Thomaz Souto Corrêa, vice-presidente do conselho editorial da empresa. Corrêa, aliás, propiciou uma ótima abertura de matéria quando, diante da pergunta de Sabrina Parlatore sobre quais as fotos mais marcantes de todos esses anos de Editora Abril, respondeu, preocupado com o egos envolvidos: ‘Não respondo nem sob tortura’.

A boa reportagem em forma de crônica da correspondente de Nova York, Carol Campos, sobre os templos do Harlem que se tornaram atração turística, desafinou um pouco na tradução incorreta – ou, no mínimo, incompleta – do termo gospel. Em sua narração, a correspondente disse que gospel ‘é uma abreviação de god spell, que significa good news ou boas novas em português’. Não é bem assim: há um sentido muito mais religioso. Gospel quer dizer evangelho e pode também ser traduzida como credo, já que, juntas, as palavras God (Deus) e spell (soletrar ou palavra soletrada) ganham o sentido de ‘palavra de Deus’.

As inserções do quadro de memória dos 40 anos da TV Cultura funcionaram bem no caso da peça Vestido de Noiva (1974) e no resgate de um trecho da entrevista de Ayrton Senna ao Roda Viva em 1986. Mas houve uma certa confusão na hora em que o Vitrine lembrou a estréia do Castelo Ra-Tim-Bum. A reprise sem crédito de data (a não ser na hora em que Renata Ceribelli apareceu diante da câmera) de um making of feito em 1994 certamente confundiu muitos telespectadores perdidos no tempo.

É preciso dizer que os reparos feitos aqui nem de longe comprometeram o que foi uma uma edição saborosa do Vitrine, que, além de um perfil interessante de um motoboy rapper e de uma bem-ilustrada resenha do ‘Diário de Bollywood’ – o livro de Franthiesco Ballerini sobre a indústria cinematográfica da Índia – terminou com uma simpática e sóbria entrevista com o ator Marcelo Antony, em abordagem que esteve sempre a léguas de distância do deslumbramento noveleiro e que comprovou que ser ou não ser celebridade depende, e muito, da vontade da própria celebridade.

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Como queríamos demonstrar, 17 de junho

Na coluna de 15 de junho, tentei explicar os critérios usados aqui para publicar ou não, integral ou parcialmente, mensagens recebidas pelo ombudsman. No dia seguinte, recebi uma mensagem que se enquadra perfeitamente entre as merecedoras de publicação integral, pelo simples fato de que o remetente explicou, melhor do que eu, um conceito que tentei expor, ao diferenciar a página do ombudsman de um blog comum. Transcrevo a mensagem de Ricardo Lobo, do Núcleo de Educação da TV Cultura, acrescentando um agradecimento, em meu nome e no dos telespectadores que tento representar:

Caro Ernesto, Sou professor de formação e creio que a sua resposta ao telespectador nos situa em relação a um princípio que é o do prevalecer o interesse coletivo ao individual. Não creio que o telespectador tenha necessariamente entendido a sua colocação, mas muitas vezes falamos para um e o entendimento é feito pelos demais. Não podemos garantir que a nossa comunicação seja sempre efetiva a todos, mas é para todos que falamos num primeiro momento e depois buscamos individualizar a nossa fala para cada ouvinte, mas garantindo, sempre, o princípio da coletividade. Este é um princípio que sutilmente difere daquele que você escreveu sobre a liberdade de cada um que termina onde começa a do outro porque o coletivo vai além do individual e do outro. Ele se faz sempre COM o outro. E para mim, este é um valor maior do que o que você explicitou na sua resposta e até diferente. Enfim, agradeço a sua enorme contribuição em falar francamente, não só das nossas dificuldades e deslizes, mas sim, também, dos nossos acertos. Por isto me autorizei a fazer essa sutil sugestão de princípios e valores. Abraços e bom trabalho, Ricardo Lobo – Núcleo de Educação

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Encruzilhadas amazônicas, 16 de junho

Nada é fácil, pequeno ou simples na Amazônia. Incluindo os problemas da região e as respectivas soluções. Não deveria surpreender ninguém, portanto, a sensação de impasse que ficou no ar ao final do Roda Viva que pôs em discussão a medida provisória do governo que prevê a regularização das terras públicas da região. Um dos méritos do programa, apesar do fraco índice de audiência, outra surpresa amazônica, foi o de permitir que o telespectador conhecesse mais detalhadamente as encruzilhadas do projeto nas quais os ambientalistas vão para um lado e os ruralistas vão para o outro. E sem olhar pra trás.

Quase tudo, na Amazônia, é radical, gigantesco, impreciso e, de certo modo, ainda não totalmente conhecido. Essa outra característica da região também ficou clara durante o programa, que pôs, de um lado, o deputado e pecuarista Moreira Mendes, do PPS de Rondônia, e o presidente da Sociedade Rural Brasileira, Cesário da Silva, e de outro, o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), Alberto Broch, e o biólogo João Paulo Capobianco.

Mendes e Cesário, ao apoiarem, cada um ao seu modo, a medida provisória do governo Lula, colocaram na mesa os argumentos em defesa da sobrevivência econômica de 25 milhões de brasileiros que vivem na região, minimizaram os danos e a ação violenta e predadora dos grileiros, desafiaram os ambientalistas do mundo a botarem ‘a mão no bolso’ para pagar o serviço ambiental na Amazônia e criticaram entidades como o Greenpeace e o WWF.

Com opiniões nem sempre idênticas mas convergentes na crítica à MP, Capobianco e Broch condenaram seu sistema de regularização baseado apenas em declarações de posse e sem vistoria, disseram que ela cristaliza um modelo econômico devastador e insustentável e alertaram para o agravamento da violência e dos conflitos que já incendeiam a região.

Não é exagero dizer que, para aqueles telespectadores que ainda não têm uma posição definida sobre o tema, ficou a sensação de que os ‘ambientalistas’ da bancada ofereceram um diagnóstico preciso e contundente sobre os graves desafios da Amazônia, mesmo não tendo soluções concretas e imediatas para os que vivem lá atualmente. E a de que os ‘ruralistas’, pragmáticos, comprometidos com a imediata sobrevivência econômica da região e certos de que a solução, nas palavras do deputado Moreira Mendes, ‘não é catar coquinho no meio da mata’, por outro lado não têm respostas confiáveis ou claras sobre o que vai sobrar da Amazônia que conhecemos hoje para as gerações futuras.

O programa mostrou, no final das contas, que, queiramos ou não, não haverá solução global ou localizada para a Amazônia que exclua os protagonistas representados pelos quatro debatedores convidados.

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Sem comentários, 15 de junho

Um telespectador que discordou da análise feita por este ombudsman do Roda Viva com o presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, ficou indignado porque seu comentário não foi publicado aqui neste espaço. E escreveu o seguinte:

‘Meu comentário, apesar de não possuir nenhum teor ofensivo, não foi publicado. Algo no mínimo estranho para alguém que se diz ‘meu representante na TV Cultura’. Infelizmente, essa emissora, que é pública, não fornece canais de fácil acesso para a comunicação com os ‘contribuintes-telespectadores’. Tive grandes dificuldades em localizar algum email ao qual pudesse dirigir uma reclamação para além desse espaço. E se eu quiser reclamar do Ombudsman, para que endereço escrevo?’

Informo, em primeiro lugar, que o endereço para reclamar do ombudsman é o da presidência da Fundação Padre Anchieta (Rua Cenno Sbrighi, 378 – Caixa Postal 11.544 – CEP 05036-900 – São Paulo/SP). Também informo que todos, rigorosamente todos os emails enviados ao ombudsman são lidos com atenção, avaliados e, quando é o caso, desdobrados – no que diz respeito às providências ou informações que cada um demande, implícita ou explicitamente – e publicados, na íntegra ou parcialmente, nesta página e na análise interna enviada diariamente a todos os departamentos da emissora. E são também respondidos individualmente.

O fato de um comentário não ser publicado não deveria ser interpretado como sinal de que ele não tenha sido lido ou, pior, que tenha sofrido algum tipo de censura. E sim como um indício de que o ombudsman, em sua tentativa de representar os anseios, queixas e opiniões predominantes entre os telespectadores, incluiu este comentário num conjunto de mensagens que, por sua vez, são selecionadas, hierarquizadas e editadas de acordo com critérios como a representatividade, a gravidade, a urgência, a pertinência e o grau de interesse público. É um trabalho desafiador e obviamente sujeito a erros, imprecisões e injustiças. Mas é assim que funciona em todo o mundo, como pude constatar na recente reunião anual da ONO (Organization of News Ombudsmen).

Cabe, ainda, dizer que a definição do ombudsman como ‘seu representante na TV Cultura’, ainda que seja apresentada no singular, não deveria ser interpretada, literalmente, como um compulsório e irrevogável contrato individual deste ou de qualquer ombudsman com cada um dos telespectadores que se apresentam como ‘donos’ desta emissora, independentemente do que eles queiram, digam, achem ou reivindiquem. Muito menos como uma espécie de crachá ou licença para que esses telespectadores entrem na página do ombudsman e a transformem em seu próprio blog, qualquer que seja, com todo respeito, o conteúdo. Vale, no caso desta página, a adaptação de um conceito tão antigo quanto precioso: o direito de um telespectador termina onde começa o direito de outro telespectador.

Finalmente, é preciso lamentar a injustiça do citado telespectador ao dizer que a TV Cultura ‘não fornece canais de fácil acesso para a comunicação com os contribuintes-telespectadores’. Os canais existem, funcionam e terão maior importância quanto maior for a mobilização e a representatividade dos telespectadores que fizerem uso deles. E não custa lembrar que a TV Cultura é a uma das poucas emissoras da América Latina que têm ombudsman.

Refiro-me, claro, à instituição do ombudsman. Não a este signatário eventual que atualmente ocupa o cargo.’