Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ernesto Rodrigues

‘Manos & Minas, 27 de novembro

A vibração dos grupos na platéia do Teatro Franco Zampari, ao serem apresentados por Rappin Hood, na edição número 30 do Manos & Minas, mostra que o programa não precisa de claques artificiais. O conteúdo dessa trigésima edição, aliás, confirmou, mais uma vez, a proposta do programa de ser um olhar rico, plural, representativo e sem preconceitos sobre o que efetivamente acontece na periferia de São Paulo em termos culturais, artísticos e comunitários. E para os telespectadores que estranham, alguns até flertando com o preconceito social, as influências e linguagens não exatamente brasileiras presentes no script do programa, essa edição deixou claro que o Manos & Minas continua sendo acima de tudo brasileiro.

Que o digam a convidada do dia, a cantora Fabiana Cozza, a reportagem de Juju Denden como ‘deusa do ébano’ no Ulê Aiyê – o bloco de Carnaval que se tornou um centro de celebração, preservação e expansão da cultura negra – e a reportagem sobre as aderecistas da escola de samba Imperador de Ipiranga.

Pena que o olhar abrangente e plural não tenha prevalecido no tratamento dado pelo Manos & Minas à polêmica sobre a invasão da Bienal por pichadores e ao ‘atropelamento’, também por parte de pichadores, de espaços já desenhados por grafiteiros na cidade de São Paulo. A reportagem tinha, naturalmente, o pichador Djan e o gratiteiro Binho defendendo o ataque à Bienal como, nas palavras de Binho, ‘uma ação conceitual bem montada no espaço da elite da cidade’.

Não havia, porém, ninguém se posicionando sobre a postura agresssiva e violenta dos invasores, a importância artística prá lá de discutível do que eles fizeram e a condenação dos que vêem os grafiteiros e pichadores como usurpadores do direito dos cidadãos que dividem com eles os espaços públicos da cidade.

Havia material com esse conteúdo nos arquivos do Jornal da Cultura e do Metrópolis, caso não houvesse tempo de produzir entrevistas com todos os lados da questão. No final, Rappin Hood encerrou o assunto desejando ‘muita ética, muita paz aos grafiteiros e pichadores de São Paulo’.

Foi pouco para um programa que tem sido sinônimo de diversidade e plurarismo.

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‘Conheça os pontos positivos e negativos da programação exibida na última semana. Saiba quais atrações da TV Cultura ganharam destaque e as que ainda podem melhorar.

Erudição sem arrogância

Prelúdio 2008, 16 de novembro

Em cada detalhe, em cada página do roteiro, Prelúdio 2008 revela sua vocação de porta de entrada do telespectador para a música clássica. Além do texto não excludente, do cardápio sempre acessível da orquestra conduzida pelo maestro Júlio Medaglia, da direção de TV atenta aos aspectos emocionantes da disputa – como a presença e os abraços dos pais dos competidores – da edição eficiente dos perfis e da contextualização da disputa – lembrando quem são os outros finalistas e como será a final, na Sala São Paulo, em dezembro – o programa de 16 de novembro, com a última eliminatória da temporada, mostrou que a preocupação de ser eclético, fraternalmente didático e não elitista também é marcante na participação dos três jurados, Irineu Franco Perpétuo, João Maurício Galindo e Gilberto Tinetti. Sem qualquer sinal de arrogância e visivelmente dispostos a dividir com o telespectador o profundo conhecimento que têm de música erudita, Perpétuo, Galindo e Tinetti emitiram opiniões sempre inteligíveis, contextualizadas e acima de tudo construtivas sobre as performances de Nathalia Terra, Robertha Faury e Raphael Paixão, o vencedor da etapa. Irineu chegou a pedir que Raphael tocasse um pouco o seu trombone com e sem surdina para explicar – ao telespectador – a diferença que esse equipamento faz. Juntando a postura nota dez dos jurados aos outros ingredientes do programa, é difícil imaginar um conjunto de características mais comprometido com a difícil tarefa de sensibilizar o grande público para a música clássica em pleno horário nobre.

Encontro antológico

Mosaicos, 16 de novembro

Entre tantas interpretações marcantes e gravações antológicas da obra de Adoniran Barbosa, não há como não destacar o momento em que o Mosaicos exibiu a majestosa interpretação de João Gilberto para ‘Saudosa maloca’. Só depois de ouvir é possível entender a razão pela qual João considerou o clássico de Adoniran o texto mais importante que já leu. ‘Mais importante do que uma página de Dostoiévski’, segudo ele.

Com humor é melhor

Almanaque Educação, 19 de novembro

O quadro ‘Cultura é currículo’, antes solto e indefeso no meio dos breaks comerciais em horários diversos da grade de programação, se encaixou perfeitamente no formato e no conteúdo do Almanaque Educação, ao ser inserido – aparentemente reeditado – no programa. Também foram perceptíveis, nesta edição do ‘Almanaque’, tons mais modernos na trilha sonora e uma saudável preocupação com a agilidade – sem correrias, claro – na edição de alguns quadros, entre eles o ‘Quando eu crescer’ gravado na Assembléia Legislativa e o do encontro cultural dos descendentes de bolivianos e nordestinos. O jeito bem-humorado de educar, uma das maiores qualidades do programa, considerando o horário competitivo e o público eclético que tenta envolver , também estava lá, com divertidas performances da trupe sobre a origem das palavras ‘mariache’ e ‘Patagônia’ – exatamente o caminho que este ombudsman vem propondo ao programa Nossa Língua – sobre o uso de perucas na corte francesa e na apresentação dos ‘heroes nacionaes’ latino-americanos como se eles estivessem no horário eleitoral gratuito.

Gols de letra

Jornal da Cultura, 19 e 20 de novembro

Em dois momentos, na semana passada, o Jornal da Cultura mostrou que é possível fazer uma cobertura esportiva menos previsível e viciada. A matéria sobre o chocolate que a seleção brasileira aplicou em Portugal, além de equilibrada e justa, abdicou sabiamente de novas estocadas contra Dunga, que estava praticamente demitido por quase toda a imprensa esportiva brasileira antes do jogo. E o registro da entrevista em que Ronaldo Fenômeno admitiu abandonar o futebol teve, além da perfeita escolha da música ‘Tristeza’ para a trilha sonora, o carinho e o sentimento de justiça histórica que tanto faltam à nossa imprensa quando nossos craques começam a descer a ladeira profissional. Eles costumam ser grosseiramente chutados para fora de campo, como se nunca tivessem nos dado orgulho e alegria.

Noite eclética

Metrópolis, 19 de novembro

O Metrópolis juntou, na edição de 19 de novembro, duas qualidades que são fundamentais para televisão, TV aberta em particular: o ecletismo temático e a edição competente. Foi assim com a canja da banda Black Rio, os vídeos muito loucos do projeto Cantainerart, a riqueza da mostra de artistas chineses no Masp e o vt em forma de homenagem a Leon Hirszman que embalou a cobertura da exibição do filme ‘São Bernardo’ no Festival de Brasília. E iniciando a noite eclética, o Grupo Massaroca mostrou que a boa fase voltou, com uma crônica inspirada em Woody Allen e que homenageou musas do cinema de todos os tempos, idades, telas e estilos.

Dúvidas perigosas

Jornal da Cultura, 17 de novembro

Muito por causa da confusa sonora do oncologista Rafael Kaliks, a reportagem sobre a polêmica entre os urologistas e o Instituto Nacional do Câncer sobre a idade ideal para os exames de toque retal e PSA deve ter deixado muitos telespectadores confusos sobre os argumentos de cada lado. Os fatos que se seguriam e que culminaram na decisão do Instituto Nacional do Câncer de voltar atrás em sua recomendação, mostram que a confusão principal foi a dos médicos da instituição.

Semelhança que não ajuda

Almanaque Educação, 19 de novembro

As vinhetas dos vários quadros do programa estão graficamente muito parecidas e talvez não estejam facilitando a vida do telespectador como se deseja.

Legenda ou não?

Manos & Minas , 19 de novembro

Na análise do programa que teve a participação da cantora americana Rah Digga, lembrei a importância de se legendar as letras das músicas que ela cantou. Em resposta, o diretor Ramiro Zwetsch deu uma explicação importante, informando que não houve tempo de legendar as músicas e que, diante da dúvida entre esperar mais uma semana e exibir o show de Rah Digga sem legendas, aproveitando o Dia da Consciência Negra, ele preferiu e segunda alternativa. Ramiro ressalvou ainda que, diante da velocidade em que os MCs costumam rimar, tinha dúvidas sobre se as legendas dariam tempo de leitura para o telespectador. Ao comentar a resposta de Ramiro, eu disse que é bom o telespectador saber que, em televisão, esse tipo de situação é muito comum. O que, infelizmente, no caso citado, não evitaria a conclusão de que as duas alternativas eram problemáticas.

O ‘x’ da questão

Caixa de mensagens do ombudsman

No email que recebi do telespectador Ricardo Tiezzi e que reproduzoabaixo, temos uma prova irretocável de que este ombudsman e as condiçõesem que seu trabalho acontecem também não escapam da contradição básica quehá muito tempo mantém a TV Cultura distante das massas. Diz o Ricardo: ‘Caro Ernesto. Se no texto resposta ao diretor Ricardo Elias sobre o Partículas Elementares você afirma representar um público que ‘não frequenta o msn’ e ‘não tem a menor idéia do que significa a palavra ombudsman’ por que diacho você é apresentado como ombudsman da TV Cultura e os comentários lhe chegam através de e-mails? Lógica inescapável: os telespectadores que você diz representar não sabem o que você faz e tem pouco acesso para falar com você. Abs’. Não tenho absolutamente nada a contrapor à observação de Ricardo. A não ser reafirmar e confiar no compromisso assumido pela presidência da Fundação Padre Anchieta de viabilizar o programa semanal do ombudsman na grade da emissora ao longo deste mandato do ombudsman.

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Tesouro escondido (mono)

(Móbile, 26 de novembro)

Lima Duarte, exímio contador de histórias e um dos mais carismáticos atores brasileiros, justificou com sobras a exibição da íntegra da entrevista, que começou com seu denso depoimento sobre a viagem que fez à Índia, segundo ele ‘o horror e a maravilha em 50 metros de calçada’, e que vez por outra foi delicadamente ilustrada com inserções de imagens relacionadas aos assuntos que ele tratou.

Além da experiência na Índia, Lima Duarte, em uma bem-sucedida transgressão do tempo médio recomendável de uma entrevista para a TV aberta, envolveu o telespectador com as histórias de sua chegada a São Paulo nos anos 40, os tempos heróicos e improvisados da TV Tupi e as experiências inesquecíveis das edições pioneiras do mesmo Móbile. Entre elas sua performance kafkaniana, a interpretação shakespeariana de Juca de Oliveira para o Manual do Proprietário da Volkswagen e a novela sem palavras. ‘Só tenho lembranças, Fernando Faro. Só lembranças. Não interessa mais nada que não sejam lembranças’, disse Lima Duarte, num momento de emoção.

O diretor Fernando Faro prestou um serviço ao telespectador, ao avisar que a entrevista, por ser apresentada na íntegra, fugiria à linha do programa Móbile. O que é difícil de entender é o fato de ele não ter dado essa informação antes do difícil ‘Os móbiles e estábiles de Nelson de Magalhães’, monólogo ilustrado de 4m23s que abriu o programa e que antecedeu a entrevista. Por conta dessa inversão e da falta de uma chamada avisando sobre a entrevista de Lima Duarte, a média de audiência do programa certamente foi menor.

E continua sendo difícil entender, também, a razão pela qual o telespectador, mais uma vez, não teve o privilégio de ouvir a voz (e o conteúdo) de Fernando Faro durante a entrevista. Até mesmo nos momentos em que Lima Duarte inverteu o jogo e começou a fazer perguntas para ele.

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Diário da crise

(Jornal da cultura, 25 de novembro)

Tanto a boa matéria de Anderson Arcoverde sobre a confiança do consumidor medida pela FGV quanto a igualmente interessante reportagem de Ricardo Ferraz sobre a chegada da crise no mercado da construção civil deixaram clara não apenas a importância dos respectivos assuntos mas também o papel decisivo dos jornais e emissoras de rádio e televisão na maneira como a sociedade vê e enfrenta as crises, qualquer que seja a crise ou seu tamanho real.

O próprio texto da matéria de Anderson atribui parte da desconfiança atual do consumidor ao que ‘está nos jornais e na televisão’. Daí o cuidado redobrado que este ombudsman vem defendendo no que diz respeito ao tom e aos termos usados nos textos do Jornal da Cultura. A propósito, Anderson contextualizou muito bem a questão, ao mostrar que outro responsável importantíssimo pelo tamanho da crise atual, o setor bancário, ultimamente tratado como um doente na UTI dos dólares dos bancos centrais, está retendo o dinheiro ‘empoçado’ em vez de irrigar o mercado, as empresas e os consumidores.

Cadeia

A prisão de Celso Pitta, por conta da tradição brasileira de os maridos inadimplentes em pensão alimentícia não escaparem da cadeia, rendeu uma oportuna matéria de serviço que pode ter sido útil para muitas mulheres e filhos em dificuldades. Ainda assim, resta outra pauta decorrente: como explicar, do ponto de vista cultural, comportamental e até antropológico, a convivência desse rigor implacável das prisões por pensão não paga com a virtual impunidade que reina no país no que diz respeito a outros delitos?

Vale o registro

De 1º a 15 de novembro, o Jornal da Cultura foi, entre todos os programas da grade noturna da emissora, o que mais teve picos expressivos de audiência. Vale não apenas uma comemoração mas também um pouco de reflexão, por parte de todos os que criam e formatam conteúdos para a TV Cultura.

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Sir Stern, o discreto

(Roda Viva, 24 de novembro)

Apesar do tom contido, da timidez, da postura irremediavelmente low profile típica dos britânicos e, principalmente, das silenciosas legendas em português, o economista Nicholas Stern, autor em 2005 do primeiro grande estudo a tratar a questão ambiental do ponto de vista econômico, deu a medida da gravidade da situação – com o aumento da velocidade das emissões – mas também indicou o tipo de instrumento que poderá ser eficaz para combater as mudanças climáticas. Sem demonizações ou catastrofismos, mostrou que a saída e o caminho passam necessariamente pelos agentes atuais da economia e pela tecnologia, além das mudanças individuais de comportamento.

Com a autoridade que tem, Stern mostrou um entusiasmo e um otimismo – incomuns no debate ecológico nacional – com as perspectivas do Brasil nessa área. Disse que os outros países acabarão de uma maneira ou de outra participando do fundo para a Amazônia. Sobre o desmatamento, falou menos em leis e polícia e muito mais em desenvolvimento tecnológico da agricultura, em uso intensivo do solo e na criação de alternativas de mercado à invasão da floresta. Também viu ótimas oportunidades para o Brasil na área energética, por conta da nossa matriz rica e diversificada.

A cadência britânica não ajudou, mas quem se esforçou para acompanhar a entrevista ficou sabendo que o autor do histórico Relatório Stern considera a crise atual, em vez de um problema, uma ótima oportunidade para que a economia comprometida com o ambiente progrida de forma mais rápida. E que a tecnologia pode possibilitar até a extensão do uso dos hidrocarbonetos (petróleo) ‘se nos tornarmos muito bons na captura e no armazenamento do carbono’. E para os que o consideram um otimista, disse: ‘A abordagem pessimista geralmente é auto-destrutiva. Se é nisso que você acredita, melhor se divertir nos próximos 30 ou 40 anos. Seus filhos não poderão fazer isso’.

Foi, enfim, uma boa entrevista com jeitão de aula de Latim. Nela, Lillian Witte Fibe e os entrevistadores (Ademar Romeiro, Washington Novaes, Mônica Teixeira, Cláudio Angelo e Laís Duarte), ao fazerem todas as perguntas que deveriam ser feitas, permitiram que Nicholas Stern mostrasse a distância que mantém dos chamados ecochatos.’