Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Ernesto Rodrigues

‘É uma pena que o recorde de emails enviados a este ombudsman, em um ano de trabalho, excetuando-se o enganoso volume de mensagens por conta de uma recente guerra ideológica de blogueiros, seja de protestos de telespectadores perplexos com o anunciado fim do programa Pé na Rua. Encaminhei todos os emails aos responsáveis e, enquanto aguardo um posicionamento da diretoria, publico alguns trechos das mensagens. Eles falam por si:

Não tirem do ar o programa Pé na Rua. A programação do adolescente já é escassa na emissora e fazem isso com a gente. Querem perder ibope, é? Espero que me escutem. Beijos – Tainá Lindstrom, Severínia, SP

Como assim!? Por que o programa vai sair do ar? Isso não pode acontecer! O ‘Pé na rua’ é muito bacana e aborda temas que interessam a nós jovens! Estamos cansados de tanta violência na televisão. Queremos nos descontrair. Eu gosto muito da TV Cultura porque ela nos oferece esse tipo de programação e dentre essa programação o ‘Pé na Rua’ é o meu favorito! O programa é tão curtinho e tão bom! Enfim, fica aqui registrada minha indignação e também meu pedido para que o ‘Pé na rua’ continue no ar! – Claudia Roberta da Cruz Lima, São Paulo, SP

Eu queria saber por que o Pé na Rua irá acabar (…) É um ótimo programa e não vejo motivo para ele acabar – Anita Caroline, Sao Vicente, SP

Claro, deve haver motivos óbvios, porém não acho que deveriam cortar um programa totalmente comunicativo e intuitivo. Fará muita falta, não apenas para mim, mas para uma outra grande parte da população – Érica Tohoma, São Paulo, SP

Com tamanha atrocidade contra nós, os telespectadores, eu não poderia deixar de perguntar ao senhor quais foram os motivos para tal decisão? E ainda: O que esperam conseguir com isso? O resultado será apenas o repúdio da maior parte das pessoas que assistiam e adoravam este programa – Robson Grangeiro, São Paulo, SP

Gostaria de manifestar meu total repúdio à decisão da TV Cultura de acabar com o programa Pé Na Rua. Era pura e simplesmente o melhor programa jovem da TV brasileira, muito melhor que Altas Horas da vida (…) Sinceramente, acho uma total desconsideração com o público jovem – Guilherme Freitas Cruz, Carapicuiba, SP

Por favor, não tirem o Pé Na Rua do ar! (…) É o melhor programa da TV aberta! – Fabíola, São Paulo, SP

Quero manifestar minha completa contrariedade à decisão da diretoria da TV Cultura em extinguir o programa ‘Pé na Rua~’, pois trata-se de um programa que, na medida exata, traz a nós jovens (sim, eu me considero um jovem advogado de 26 anos) um pouco daquilo que nos faz sentir jovens (música, cinema, internet, atualizades, por exemplo) (…) Em 15 minutos a equipe do programa (especialmente o casal de apresentadores) tinha a capacidade de trazer temas atuais, importantes e, melhor, com muito bom humor, sem perder a credibilidade – Rodrigo Medeiros, Andradina, SP

A Tv Cultura se diferencia por sua mobilidade através dos anos. Encontrar um programa especial para um público adolescente onde normalmente a mídia só apresenta coisas de má qualidade é muito raro. Peço- lhes que repensem na decisão de tirar o programa fora do ar – Isabela Amorim, Americana, SP

Como eu, várias pessoas adoram o programa. Nele há cultura, cinema, agendas… coisas que o público jovem adora! Enfim está aqui meu manifesto para que não acabem realmente com o programa, pois se acabarem ficarei muito desapontada com o emissora – Mariane Magossi, Americana, SP

Quero pedir para que não acabe já que um ótimo programa e não acredito que seja difícil produzi-lo mesmo porque é bem curtinho – Lucas de Oliveira, São Paulo, SP

Ah não! Não tô acreditando que vocês vão tirar do ar o Pé na Rua. Um programa ótimo igual aquele tá pra nascer. Não façam isso… O que vai ser do Joãozinho e da Gabi? O que vai ser de mim sem eles todos os dias?… Sem as informações e a alegria deles? Por que isso agora? – Laís de Melo Leite, Muzambinho, MG

Gostaria de pedir que o programa continue! Gosto muito programa. Traz muita informação, entretenimento, papo legal, comunicação, etc – Juliano Aldo Jovanelli, Monte Alto, SP

O Pé na Rua vai ser deixar de ser exibido? Como assim? É um programa interessante e que creio não sou o único a ter essa opinião (…) Gostaria de saber do motivo da decisão da diretoria da TV Cultura e se o programa não poderia voltar ao ar – Tâmires, São Paulo, SP

Prezados diretores, por favor, peço que não tirem o Pé na Rua da programação! O programa é informativo, dá muitas dicas para a garotada curtir a cidade! E o Pedro e a Gabriela são ótimos apresentadores. Não vejo porque tirar o programa do ar – Lívia Barbosa Morales, São Paulo, SP

Costumo acompanhar o programa Pé Na Rua, porém fui informada que o programa vai parar de ser. Fiquei muito triste com a notícia (…) Definitivamente será encerrado um programa super legal, que mostra as notícias de uma forma criativa e inteligente… de opinião e tudo mais. Como assim? Cancelaram o programa? Não acredito!!! – Larissa Coelho – Petrópolis, RJ

Venho pedir para vocês não retirarem o programa ‘Pé na Rua’ do ar. O Programa é voltado para o público da faixa etária da pré-adolescência e adolescente, que tem como pauta retratar a literatura, o teatro, cinema e espetáculos da cidade de São Paulo. O programa é mais do que só 15 minutinhos no ar, ele está conectado com o Brasil inteiro levando diversão e entretenimento para vários jovens do país. Ele leva novidades e noticias da cidade mais importante do país que é a grande metrópole São Paulo. Conto com a sua compreensão, por favor, não tirem do ar – Bruno da Luz, Mogi das Cruzes, SP

Não! Não acabem com o ‘Pé na Rua’, um bom programa, curto, jovem, cativante, necessário para que a TV Cultura renove seu público!! EU QUERO PÉ NA RUA NA PROGRAMAÇÃO DA CULTURA!! – Keize Junior, São Carlos, SP.

Honestamente não entendo as razões de retirar da grade da emissora e 15 minutos ainda acho pouco para um programa com temática interessante e bem diferente das demais emissoras. Será lamentável se isso acontecer, e não é uma pré adolescente que escreve, tenho 27 anos e sou bem seletiva ao que assisto, gosto de programas que me fazem crescer, aprender, refletir, sem baixaria, sensacionalismo. Tenho tv a cabo em casa, mas mesmo assim, reservo 15 minutos do meu tempo todos os dias para assistir o programa. Estou muito triste com essa decisão – Andreza Dantas, Manaus, AM

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A TV Cultura é mesmo a TV que faz bem?, 30 de julho

Há exatamente um ano, após 110 dias de análises internas da programação da TV Cultura, os comentários deste ombudsman passaram a ser públicos e postados no site da emissora. Não exatamente pelo aniversário da coluna ou pelas comemorações dos 40 anos da Cultura, mas por entender que o texto ainda merece ser debatido pelos que se preocupam com os destinos da TV Cultura, atrevo-me a uma reprise da coluna de estréia, publicada em 28 de julho de 2008.

O texto:

Nesta primeira coluna, quero dividir com o telespectador os questionamentos que fiz até delinear como tentarei avaliar, sempre em nome dele, se, no que diz respeito à programação, a TV Cultura merece seu slogan atual. Seja no sentido de fazer bem como provedora de conteúdo útil e de qualidade para o cidadão-telespectador ou no de fazer bem como expressão de excelência técnica e profissional. Antes de tentar responder, porém, é preciso responder a outra pergunta igualmente importante: a quem a TV Cultura deveria fazer bem?

A quem assiste à TV Cultura, claro, diriam.

Mas quem assiste à TV Cultura?

Os números do Ibope, aceitos por todas as emissoras como referenciais confiáveis de audiência em TV aberta, comprovam que o volume de telespectadores sintonizados não corresponde ao prestígio que a emissora desfruta na sociedade e entre os chamados formadores de opinião. Vem de muito tempo, aliás, uma ironia que merece ser lembrada aqui não como deboche, mas como sintoma desta contradição: a de que a Cultura’é a TV mais lida de São Paulo’.

Alguns poderão argumentar que a audiência, em si, não é importante. Outros irão mais longe, dizendo que audiência é o primeiro passo em direção à má qualidade e ao baixo nível cultural. E haverá, por estas e outras razões, quem defenda que a TV Cultura siga em frente quase incógnita, à margem da chamada guerra de audiência, mas íntegra em seu compromisso com uma programação de alta qualidade.

Não concordo com esse raciocínio. Entendo que, independentemente da consciência cidadã, dos parâmetros pedagógicos, dos pressupostos editoriais, dos critérios estéticos e da qualidade do corpo técnico e artístico que estão por trás da atual programação da TV Cultura, não podem ser tratadas como pecado mortal as iniciativas construtivas para determinar as razões pelas quais a emissora acaba não realizando satisfatoriamente sua missão de tornar essa mesma programação realmente pública, no sentido de se realizar como patrimônio pertencente à grande coletividade que a sustenta, envolvendo-a, impactando-a, mobilizando-a e, em última análise, justificando a própria existência.

Não buscar as respostas – e os caminhos para a efetiva transformação da Cultura em uma TV realmente pública – seria aceitar que a emissora continue sendo, pelo menos em parte de sua programação, uma espécie de capitania da elite cultural e artística paulistana, onde todos muitas vezes parecem estar de costas para o público de TV aberta, sem querer muito saber se ele está satisfeito. Ou entendendo. Ou pelo menos sintonizado.

Explicar e enfrentar o desconfortável fenômeno da falta de audiência, neste caso, não é, decididamente, tentar aplicar à TV Cultura a lógica mercantilista da TV comercial.

O dever de discutir audiência, neste caso, decorre exatamente do fato de a TV Cultura ser uma emissora pública, mantida com recursos majoritariamente provenientes do governo do estado de São Paulo. E os dicionários nos ensinam que público é tudo que seja relativo ou pertencente a um povo ou a uma coletividade. Público é também algo aberto a qualquer pessoa e sem caráter secreto, exclusivo ou excludente. Ser público significa ainda, de acordo com os dicionários, ser transparente, manifesto e universalmente conhecido.

Audiência, como um indicador tecnicamente inquestionável de universalidade, não pode, portanto, ser palavrão em emissora pública. Principalmente num país onde, nos últimos anos, o talento, a competência e a qualidade só fazem migrar para a TV por assinatura, deixando para os canais abertos – e seus milhões de telespectadores economicamente compulsórios – o conteúdo nem sempre edificante da guerra pelos índices de audiência. E não há resistência, como no passado, à perda de qualidade resultante dessa guerra, porque a classe média, hoje, assim como tenta se proteger da violência em condomínios fechados e guardados por segurança privada, foge da baixaria, quando pode, sintonizando os canais pagos.

Na prática, temos, de um lado, as emissoras comerciais, crucialmente dependentes dos índices de audiência, e de outro, no caso de São Paulo, a TV Cultura, estacionada na baixa audiência subsidiada e aparentemente satisfeita com o fato de ser predominantemente assistida apenas por uma fração da elite, ironicamente o contingente de telespectadores que tem acesso não apenas à TV por assinatura, mas a outras manifestações de arte, cultura e informação. E como não bastasse estar espremida entre as emissoras comerciais em disputa por cada percentual do share, a TV Cultura ainda enfrenta uma série de obstáculos internos que, em vez de torná-la uma alternativa atraente no meio do tiroteio pela audiência, afastam-na ainda mais do telespectador comum.

Alguns desses obstáculos eu identifiquei a partir de 7 de abril deste ano, ao longo de 110 dias de observação, monitoramento e análise da programação noturna da emissora. Obstáculos perversos, como, por exemplo, o pressuposto de que o público de TV aberta é tão culto e bem-informado como os responsáveis pelo conteúdo da TV Cultura. Deste equívoco resulta uma preocupação didática mínima e um empenho ainda menor na sedução do telespectador. Não há muitas pontes para a travessia do vale-tudo da TV comercial para o inquestionável conteúdo cidadão da TV Cultura. Há muito mais muralhas equivocadas, infelizmente.

Para aumentar a distância, a TV Cultura, boas intenções à parte, muitas vezes não se dá conta de que os conteúdos de qualidade, por sua natureza quase sempre mais complexa, são exatamente os que exigem mais criatividade, mais esmero técnico, mais impacto visual e menos problemas operacionais.

Do outro lado do espectro, gostemos ou não, as emissoras comerciais vão fazendo a parte delas com eficiência. Na hora’H’ do controle remoto, para obter índices expressivos na implacável estatística do Ibope, elas contam com as armas de sempre: a fidelidade preguiçosa do público aos assuntos e personagens fáceis, à linguagem elementar, às receitas conhecidas, às fórmulas populares e consagradas e, em muitos casos, à baixaria.

Os 110 dias de observação sistemática da programação da TV Cultura também me permitiram identificar o experimentalismo sem critérios como outro obstáculo interno que a emissora engendrou ao longo dos anos. Protegido pelo compromisso estatutário da instituição com a diversidade cultural, esse tipo de experimentalismo, que é irmão do vanguardismo, amante da elite e primo em primeiro grau da arrogância intelectual, permite que quilômetros de documentários, por exemplo, sejam despejados na grade sem que haja preocupação aparente com a vocação dos filmes para o ambiente físico, humano, comportamental e cultural no qual a comunicação pela TV aberta se realiza. São projetos que, em muitos casos, nem sequer passaram pelo teste das salas de cinema. E que, pagos pelos incentivos culturais, já não têm satisfações a dar ao público. Qualquer tipo de satisfação. Qualquer tipo de público.

Minha modesta experiência em TV aberta ensinou que não somos nem seremos telespectadores ingleses. E que esta condição não é necessariamente um problema. Ensinou também que o telespectador dos canais abertos, ao contrário dos leitores de jornal, por exemplo, tem um controle remoto à mão e é muito mais impaciente e implacável do que poderíamos imaginar. E que às vezes está certíssimo quando muda de canal.

A tarefa de conquistar esse telespectador comum com o conteúdo da TV Cultura, sem ignorar as lições técnicas e a poderosa sedução dos canais comerciais, não pode ser considerada, a priori, impossível ou absurda, como querem alguns. Muito menos pode ser expurgada como se fosse uma vergonhosa concessão artística e intelectual. Conquistar o telespectador, em vez de entregar o’ignorante ingrato’ à baixaria e dormir em paz com a consciência, é obrigação, compromisso e pressuposto da existência da TV Cultura. A qualificação e o orçamento de emissora pública não a isentam dessa missão fundamental. Nem a redimem do fato de ela ter estado quase sempre no gueto da elite, longe da maioria dos cidadãos telespectadores que a sustentam.

É para atuar em nome e no interesse desses telespectadores que fui contratado. E é em nome deles que estarei usando os espaços do Ombudsman para discutir, avaliar e tentar sempre responder se a TV Cultura é mesmo, para os paulistas e brasileiros, a TV que faz bem.

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Bom sinal, 29 de julho

Publico, com alegria, mensagem que recebi do coordenador de Conteúdo e Qualidade, Gabriel Priolli, sobre a coluna publicada aqui ontem, 28 de julho, sob o título ‘Prestígio e solidão’. A mensagem de Gabriel dispensa tréplica e é um sinal animador de que a solidão não é assim tão profunda ou irreversível:

‘Ernesto,

A propósito de sua coluna de ontem, quero lhe dizer, com clareza, eu meu nome e dos colegas que têm responsabilidade sobre a programação da TV Cultura, que não vestimos a carapuça. Não combatemos os ‘movimentos para abrir pontes entre qualidade e audiência’ nem os classificamos automaticamente como ‘concessão vergonhosa e criminosa aos baixos ditames das TVs comerciais’. Ao contrário, trabalhamos duramente para arquitetar e erguer as ditas pontes, e acolhemos com respeito e atenção as críticas que sofremos, quando não conseguimos isso. Sabemos muito bem que os críticos sérios, entre os quais o nosso ombudsman, não desejam que nos curvemos a baixos ditames, quaisquer que sejam e venham de onde vierem. Assim como não queremos o oposto, fazer uma programação tão elitista e excludente que atenda apenas ‘aos artistas’, e não ao público.

Lembro, por exemplo, que implantamos o programa ‘Manos e Minas’, uma ponte para a discriminada cultura da periferia. Que investimos fortemente na interatividade com o telespectador, articulando TV com internet, e estimulando a produção colaborativa do nosso público. Que oferecemos o melhor da música popular e erudita, do cinema e do teatro, para o desfrute gratuito de quem não pode pagar por esses espetáculos. O citado debate sobre a minissérie de Beto Brant, esteja certo, ocorreu tão intensamente aqui na emissora quanto na sua coluna e nas mensagens de seus leitores – se não mais. Mas é injusto de sua parte, além de equivocado, não reconhecer que a principal dimensão do projeto é a experimentação e que ela sempre implica em risco.

Não admitir que é impossível atingir o novo, sem permitir ao criador a liberdade de buscá-lo. Não observar que ‘Direções’ é um projeto conjunto da TV Cultura com o SESC-TV, e que tudo nele é compartilhado e pactuado, razão pela qual é obrigatório harmonizar as metas de audiência da TV Cultura (ou quaisquer outras metas) com as do parceiro. É possível que, pelas circunstâncias, não prevaleça na emissora ‘um compromisso orgânico, metodológico, disciplinar, estrutural e filosófico’ de democratizar os nossos programas e de torná-los mais compreensíveis, atraentes e competitivos. Mesmo assim, ainda que de forma inorgânica, indisciplinada, desestruturada, com pouco método ou filosofia – males dos quais, diga-se, não padecemos tão gravemente – lutamos todos os dias para fazer o melhor possível e atingir as nobres metas que comungamos com o nosso ombudsman.

Abraço forte,

Gabriel Priolli’

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Prestígio e solidão, 28 de julho

A cobertura jornalística feita semana passada sobre o anúncio do Vale-Cultura, além de tornar pública uma crítica do presidente da República às empresas que fazem mecenato com o dinheiro do contribuinte sem tirar do próprio bolso, trouxe de volta algumas estatísticas que servem muito ao debate sobre a missão e as responsabilidades das emissoras públicas do país.

De acordo com a Folha de S. Paulo de 25 de Julho, 93% dos brasileiros nunca foram a um museu, 87% não freqüentam cinema e 83% não compram livros. O jornal não especifica os números relativos à televisão, mas não é difícil concluir que o gigantesco contingente de cidadãos que passam longe de museus, salas de cinema, livrarias e teatros tem, principalmente na TV aberta, sua única fonte de informação jornalística, entretenimento e de cultura.

As estatísticas da Folha são coordenadas precisas e contundentes para desenharmos, por exclusão, não apenas o perfil médio do telespectador da TV aberta brasileira, mas também o tipo de conteúdo que ele, de certo modo, impõe às emissoras. Os dados também servem para diagnosticarmos a extensão e a profundidade da falta de sintonia entre boa parte dos conteúdos exibidos pela TV Cultura e esse telespectador que, ao contrário do presidente do Senado, é uma pessoa comum.

Pela experiência de mais de um ano no cargo, não considero absurdo afirmar que a programação adulta e juvenil da TV Cultura não se preocupa, prioritariamente, com esse telespectador médio. Mais que isso: não prevalece, na emissora, um compromisso orgânico, metodológico, disciplinar, estrutural e filosófico de democratizar seus programas, de torná-los mais compreensíveis, mais atraentes, mais – palavrão supremo! – competitivos em relação aos canais comerciais, menos excludentes, menos impenetráveis e menos estranhos ao telespectador pertencente à categoria que não compra livros, não freqüenta cinema e não vai ao teatro.

E o pior: pelo tipo de correspondência que recebo como ombudsman, constato que boa parte dos que enviam mensagens cultiva – alguns involuntariamente, outros de forma explícita – um aprofundamento ainda maior dessa distância entre os’sensíveis’,’cultos’ e’exigentes’ de um lado, e a’massa ignorante’ que engorda a audiência das emissoras comerciais, de outro. É uma mal-disfarçada celebração do elitismo, do preconceito cultural, da incomunicabilidade das classes sociais e, em última análise, da manutenção do atual descalabro na distribuição da riqueza cultural brasileira. Tudo custeado, compulsoriamente, diga-se, por milhares de contribuintes telespectadores que são excluídos da festa não porque não se sentem convidados para participar dela, mas por serem considerados ignorantes, indolentes, ingratos e, em última análise, culpados únicos pela pobreza cultural que os cerca.

Para esse tipo de’defensor’ da TV Cultura para poucos – e os inabaláveis representantes dessa postura dentro da emissora – qualquer movimento no sentido de abrir pontes entre qualidade e audiência, como aconteceu no recente debate sobre a minissérie de Beto Brant, é automaticamente classificado como uma concessão vergonhosa e criminosa aos baixos ditames das TVs comerciais. E como são poucos os que se levantam contra essa enorme e custosa mistificação, tudo fica como antes: programação noturna autista, audiência baixa e a fama cada vez mais consolidada de emissora preferida dos que não assistem televisão.

Na mesma edição da Folha de S. Paulo citada no início desta coluna, entrevistado em uma das reportagens sobre o Vale-Cultura, o cantor Chico César, ao manifestar seu apoio ao novo benefício, nos deu, sem querer, uma síntese das contradições da TV Cultura:

‘Em qualquer área, as políticas públicas são feitas para a sociedade. Na cultura, são para o artista’.

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Entre a Rosa e o Abu, 27 de julho

No último dia 22, recebi da telespectadora Rosa Maria de Moraes, de São José dos Campos, um email no qual ela se queixava do comportamento de Antonio Abujamra no Provocações com o jornalista e ensaísta Manuel da Costa Pinto. Encaminhei o email à produção do programa e a resposta foi do próprio Abujamra. Publico a íntegra dos dois emails por entender que eles enriquecem a compreensão mútua entre os que produzem e os que desfrutam dos conteúdos da TV Cultura.

Primeiro, o email da telespectadora:

‘Gostaria de registrar a minha estranheza e indignação pela forma grosseira e constrangedora com a qual o apresentador Antonio Abujamra ‘entrevistou’ o jornalista e escritor Manuel da Costa Pinto. O apresentador quis inclusive ditar a forma de se expressar do entrevistado, dizendo que ele não poderia usar o verbo ‘achar’, para designar a sua opinião, tudo isso de uma forma arrogante como se ele fosse o detentor de todas as verdades.

Quanto a mim, posso dizer que ACHEI muito desagradável o desprezo com que ele tratou o entrevistado e que seria de bom tom lembrar ao apresentador que ele deveria ter no mínimo educação e cordialidade para tratar os seus convidados. Sou espectadora assídua da TV Cultura e nunca vi nenhum de seus funcionários ter atitudes desse nível.

Já enviei e-mail a este Ombudsman em outra ocasião, mas, não obtive retorno (*), espero que nesta oportunidade eu possa contar com alguma resposta. Agradeço muito a atenção.

Rosa Maria’

Agora, a resposta de Antonio Abujamra:

‘Senhora Rosa Maria de Moraes,

(Com cópia para nosso Ombusdman)

Finalmente um e-mail nos criticando e pasmem, não achei agressivo, apenas que no atual nove anos, foi uma surpresa. Que eu tentarei responder com o máximo de gentileza que, todos já perceberam, é a forma de nosso programa.

Eu diria que esse importar-se com o cotidiano do diálogo tem um interesse porque me dá a sensação de uma sorte de intemporal e que assim falamos para todos. Eu e Manuel nos amamos e nos divertimos muito pela paixão conjunta de Dostoievski, Blaise Cendrars, Shakespeare e praticamente toda a literatura russa.

Não trato absolutamente nenhum convidado com desprezo e não tenho absolutamente a vontade de ser original e nem o leviano desejo de me excepcionar. Mas, não sei viver sem humor. Neste país, onde não há humor, fica difícil. Tudo vira uma tragédia demasiada.

E o ‘achismo’, na entrevista, foi porque falamos antes que deveríamos proibir algumas palavras, algumas como tom, metier, importante, humano (a bárbarie tem o rosto humano) e, para nos divertirmos, mais ainda, queríamos tirar o verbo ser… aí fica impossível.

Senhora Rosa, creia que o seu rebelar-se diante desse programa foi seu dever de buscar um modo de vida em que o mundo não te maltrate demais. Imagino o que a senhora deve pensar dos outros programas das televisões que temos em nosso país onde a estética de pobreza, da violência, da crueldade são os seus bastiões.

Acredite, não quis magoar nem a ele, nem ao espectador, mas mostrar algo para dizer, pois nunca se acaba de dizer tudo o que queríamos para nós também. Nosso Ombusdsman, senhor Ernesto, nos acompanha e sempre que possível nos dá sua opinião que utilizamos para estarmos na atualidade que a televisão Cultura, com toda a sua liberdade, nos acrescenta.

Um abraço do velho,

Antonio Abujamra’.

(*) – Todos os emails enviados a este ombudsman são lidos e avaliados, em primeiro lugar, por este ombudsman, ainda que nem sempre respondidos de forma pública – através desta coluna – ou personalizada.’