Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Ernesto Rodrigues

‘Apresentado, nas chamadas da programação, como ‘uma reflexão sobre como a sociedade de consumo e as mídias de massa impactam na formação de crianças e adolescentes’, o Especial Cultura que exibiu, no dia 15 de outubro, o documentário ‘Criança, a alma do negócio’, de Estela Renner, perdeu uma ótima oportunidade de colocar realmente em discussão, de forma ampla, abrangente e plural, a questão da publicidade dirigida ao público infantil e adolescente.

O conteúdo apresentado, independentemente do altíssimo propósito de proteger as crianças brasileiras, foi, em vários momentos, ironicamente, muito mais uma peça de propaganda que, em vez de oferecer argumentos convincentes e irrecorríveis mesmo para aqueles que encaram a questão de forma mais liberal, tratou o impulso das crianças e jovens ao consumo não como característica da sociedade urbana moderna, mas como resultado perverso de uma sinistra conspiração capitalista contra o espírito humano e a liberdade de escolha dos cidadãos.

Faltaram, com sérios danos para a riqueza da reflexão anunciada nas chamadas ao longo da semana, as entrevistas e os argumentos dos publicitários, dos representantes dos veículos de comunicação e do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária, o Conar, entidade cuja presença seria obrigatória, nem que fosse para se defender da acusação, feita por um promotor entrevistado, de agir como os tribunais militares da ditadura brasileira. Ou seriam todos eles, incluindo a anunciante TV Cultura – que se sustenta parcialmente com receitas de publicidade – exploradores insensíveis e inescrupulosos dos telespectadores de todas as idades?

Em termos de formato, a ausência de uma narração – o mais batido entre os modismos dos realizadores brasileiros – acrescentou dois problemas ao documentário: o primeiro, o de sempre, que é a baixíssima eficácia desse recurso quando a exibição é pela tv. O outro era a óbvia necessidade de intervenções narrativas para contextualizar e organizar os depoimentos escolhidos, incluindo os das dezenas de mães e crianças que participaram do documentário.

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Exemplos, 15 de outubro

Quem leu as colunas recentes pode estar achando que este ombudsman se vê cercado de elitistas e arrogantes provenientes de todos os cantos da TV Cultura. Não, não está. E que bom que não está! Abaixo, nos trechos selecionados- e instrutivos – do diálogo entre uma telespectadora e o editor-chefe do Metrópolis, Anderson Lima, temos uma prova de que, nas duas pontas da conversa, existe o que se busca aqui, todos os dias.

Primeiro, o email da telespectadora Carla Albuquerque, de São Paulo:

‘Prezado Ernesto, Gostaria de chamar sua atenção para dois deslizes que ocorreram no mesmo programa Metrópolis, no mês de Setembro de 2009 (…) A jornalista Adriana Couto entrevistou o cantor Agnaldo Rayol. A matéria foi bem feita, e, no encerramento, cantor e jornalista dançaram relembrando o Festa Baile. O deslize aconteceu quando a câmera voltou para os apresentadores no estúdio. O Felipe Aaukay estava com uma feição super irônica, teceu um comentário infeliz – que nem me lembro – além de soltar uns risinhos. Comportamento totalmente desnecessário e não apropriado para uma programa de jornalismo cultural (…) Chega a ser um desrespeito com os talentosos ex-apresentadores do programa: Lorena Calábria, Cuca Lazzarotto, Maria Amélia Rocha Lopes, Lúcia Soares etc.

No mesmo programa foi ao ar uma matéria com o artista plástico Luiz Paulo Baravelli que detonou a exposição ‘Goeldi, Luz Noturna ‘, de Oswaldo Goeldi. Não ficou claro qual era a real intenção da matéria. Informar? Criticar? Essa matéria nunca deveria ter ido ao ar, ou melhor, a produção deveria ter escolhido alguém mais adequado e faltou bom senso ao Baravelli para recusar o convite. O Baravelli não gostou da exposição porque não gosta do trabalho do Goeldi. Eu não gosto da técnica xilogravura usada pelo Goeldi e adorei a exposição. Picasso respondia aos críticos do cubismo que ele não falava chinês, mas nem por isso o chinês não existia. Matérias como essa não contribuem em nada para o conhecimento. É isso. Agora é com você.

Atenciosamente, Carla’.

Agora, a resposta do editor-chefe do Metrópolis:

‘Olá Carla, tudo bem? Meu nome é Anderson Lima, sou editor-chefe do Metrópolis. Em primeiro lugar, gostaria de te pedir desculpas pela demora na resposta (…) Em segundo lugar, gostaria de te agradecer por acompanhar a gente por tanto tempo e, por isso mesmo, se importar pela qualidade do nosso trabalho.

Bom, você tocou em dois pontos distintos, mas que dizem respeito ao que vai ao ar. No primeiro caso, quanto ao que aconteceu no estúdio depois da reportagem com o Agnaldo Rayol, acho que é mesmo uma questão subjetiva, de gosto pessoal. Teve gente que gostou, teve gente que não. São coisas de programa ao vivo, que nem sempre vai ser ‘certeiro’ com todos os perfis de público.

Agora, quanto ao teu comentário de que o novo apresentador precisa de ‘direção’, eu discordo de você. Exatamente o que não queremos é ‘dirigir’ os apresentadores. O que queremos é que eles conduzam mesmo o programa, de forma que fique o mais natural possível. Queremos que eles sejam exatamente o que são. E temos tido um bom retorno do público, que tem feito muitos elogios. Agora, quando você assume essa ‘naturalidade’ ao vivo, você assume os riscos também dessa decisão. Ainda acho que esse é o caminho que devemos adotar no Metrópolis.

Posso estar errado claro, e o tempo vai dar a resposta. Mas aposto na naturalidade ao vivo e descontraída, sem ‘vai de novo, não ficou bom’. Não buscamos na atual fase do Metrópolis apresentadores que são dirigidos e reproduzem o que está escrito no teleprompter. Enfim, estou dividindo com você o que penso, como forma de dar um retorno às tuas observações.

Agora, não acho produtivo comparar apresentadores, programas ou épocas diferentes.(…) O Felipe Aaukay, por exemplo, é formado em Teoria da Comunicação no Canadá e fala cinco línguas. Tem muita disposição para o trabalho e um espírito jovem que deu uma renovada necessária para um programa que está há mais de vinte anos no ar. Mas não tem a experiência (pelo menos no Metrópolis) dos apresentadores que você citou. Agora, será que todos começaram do jeito que você tem na memória? Será que não tiveram tempo de ‘pegar o jeito’. Enfim, podemos desenvolver mais essa questão.

Já sobre o Baravelli/Goeldi, fica aí o caso para a nossa reflexão mesmo. Nós convidamos o Baravelli, como fizemos em outras reportagens, como forma de levar alguém ‘do meio’, para dar a opinião ‘gabaritada’ sobre uma exposição. Fazemos isso com freqüência, e sempre com bons resultados. Ele aceitou o convite e foi com a nossa equipe. E não é que ele detestou o que viu? Mas e daí? O que fazemos? Derrubamos a reportagem porque o nosso convidado teve uma leitura negativa da obra? Na minha opinião (e foi por isso que tomei a decisão de exibir), temos a obrigação de mostrar a verdade. Se a verdade não for simpática, não nos cabe a maquiagem. Será que deveríamos ter feito um novo convite, para algum artista que gostasse da exposição? Também acho que não, porque fugiria da proposta inicial (e rotineira no programa) e também seria uma forma de ‘maquiar’ o resultado. O propósito foi esse mesmo, mostrar a opinião do Baravelli sobre a exposição do Goeldi. Na minha opinião, acho que esse tipo de atitude só demonstra nossa real intenção. Faça deste um meio de contato com a gente, ok? Um abraço!

Anderson Lima’.

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Explicações, 14 de outubro

Transcrevo mensagem que recebi do coordenador do Núcleo de Qualidade e Conteúdo da TV Cultura, Gabriel Priolli, com esclarecimentos sobre os problemas que inviabilizaram a veiculação dos resultados das enquetes feitas durante o programa Roda Viva. Ao email:

‘Caro Ernesto,

Com relação às reclamações apresentadas pelos telespectadores José Carlos Ferreira e Guilherme Xavier Sobrinho, relativas às enquetes feitas no ‘Roda Viva’ e tema de seus comentários de 13/10, informo que as referidas enquetes foram uma experiência realizada pelo programa, infelizmente mal sucedida.

Nas três edições em que propusemos ao público que opinasse em questões relativas aos nossos convidados – o ministro do esporte Orlando Silva e as governadoras Yeda Crusius e Ana Julia Carepa – não foi possível computar os resultados obtidos pelo telefone, a tempo de inserí-los no programa. E mesmo após a transmissão, houve problemas na entrega dos resultados, o que comprometeu também a sua divulgação pela internet.

Tais incidentes nos levaram a cancelar a experiência. Pedimos desculpas aos nossos telespectadores pelo transtorno involutariamente causado.

Abraço,

Gabriel Priolli’

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A idade do problema

As referências feitas regularmente, aqui, à postura arrogante e elitista que reina em certas equipes e programas da TV Cultura vez por outra são transpostas para notinhas da mídia paulista em forma de explicação para os atuais baixos índices de audiência da emissora. Em nome da precisão, é preciso deixar claro que, pelo menos na opinião deste ombudsman, os dois problemas – o elitismo e a audiência baixa da TV Cultura – se alimentam um do outro há décadas e não, como querem alguns, de alguns anos para cá.

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Arrogância subsidiada, 13 de outubro

Os responsáveis pelo Móbile, como os de alguns outros programas da TV Cultura, jamais se sentiram, em mais de um ano de atuação deste ombudsman, inclinados a dar qualquer tipo de resposta aos comentários, análises e observações feitas aqui neste espaço. Nem que fosse para discordar, esclarecer, ensinar ou até desqualificar o que este ombudsman considerou importante e relevante, no interesse dos telespectadores da emissora.

São o retrato da postura arrogante, elitista e excludente que sobrevive, intacta e subsidiada, nos corredores e em parte das salas da emissora. Não precisam prestar contas, aparentemente para ninguém, de sua audiência insípida. Desrespeitam não o eventual ocupante deste cargo que, independentemente de quem seja, é símbolo de democracia, transparência e do moderno exercício da cidadania. Desrespeitam, sim, o cidadão telespectador, contribuinte e eleitor que mantém, de forma compulsória, com os impostos que paga aos cofres do estado de São Paulo, os estúdios, os equipamentos, as torres de transmissão e a folha salarial dos funcionários anônimos que botam os programas no ar.

O veterano Roda Viva não é como o novato Móbile. Já dialogou, concordou, discordou e deu satisfação aos telespectadores através deste ombudsman. Ainda assim, continua sem resposta uma pergunta feita num email do dia 5 de outubro pelo telespectador José Carlos Ferreira, após a entrevista com a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius. Repito o email:

‘Acompanhei a entrevista de Yeda Crusius no Roda Viva hoje, pelo IPTV. Também votei na enquete do programa. Para minha surpresa, o resultado da enquete que, conforme o Heródoto informou ao final do penúltimo bloco, seria divulgado no final do programa, simplesmente não foi ao ar. Para dirimir minha dúvida, pois até então pensava que a informação teria sido fornecida, acompanhei novamente o Roda Viva pela TV Cultura. Constatei então que o resultado da enquete não foi divulgado mesmo.’

Uma semana depois, esta coluna recebeu o seguinte email do telespectador Guilherme Xavier Sobrinho:

‘Vim parar nesta página quando buscava informações sobre a enquete do Roda Viva com Yeda Crusius. Para minha surpresa, o espaço do ombudsman menciona as reclamações de outros telespectadores a respeito da omissão dos resultados, mas não traz uma explicação ou resposta qualquer. É isso mesmo, ou eu não soube procurar? Agradeço a atenção!’

Resta o Roda Viva decidir se confirma sua disposição de diálogo com o ombudsman ou se vai aderir à soberba subsidiada do Móbile e de outros programas da emissora.’