Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ernesto Rodrigues

‘O dado mais destacado pela imprensa, entre tantos que fizeram parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgada nesta sexta-feira, 11 de dezembro, pelo IBGE (*), é o aumento do acesso à internet – que já chega a 56 milhões de brasileiros – e da posse de telefone móvel celular para uso pessoal.

Em segundo plano, mas igualmente tratada com destaque, está a informação de que as lan houses já representam o segundo lugar no Brasil onde mais se acessa a internet. Em 2008, 47,5% das 56 milhões de pessoas que se conectaram à web disseram ter acessado a rede em mais de um local. Esse ranking é liderado pelo ambiente doméstico (57,1%), seguido pelas lan houses (35,2%) e trabalho (31%). Em 2005, a ordem era diferente: ambiente doméstico, local de trabalho e lan houses.

Tudo muito bom, tudo muito bem, mas há um outro dado que chamou a atenção deste ombudsman: de acordo com a Pnad, 104,7 milhões (65,2% do total) de pessoas com 10 anos ou mais anos não tiveram acesso à internet no período de três meses anteriores à pesquisa. Os principais motivos para a não utilização foram não achar necessário ou não querer (32,8%); não saber utilizar a internet (31,6%) e não ter acesso a computador (30%).

Em relação a 2005, o percentual de pessoas que não navegavam porque não achavam necessário ou não queriam foi o que mais aumentou: subiu de 20,9% para 32,8% (no Rio de Janeiro, 45,1% dos desconectados apresentaram esse motivo). Por outro lado, houve redução no número de pessoas que disseram não acessar por não ter computador (de 37,2% para 30%) e entre aqueles que alegaram o custo elevado do PC (de 9,1% para 1,7%).

Aqueles que não demonstram interesse na internet apresentaram idades médias mais elevadas (44,1 anos em 2005; 45,2 anos em 2008) do que aqueles que apresentaram outros motivos para não se conectarem. Entre os estudantes, a principal razão para estarem desconectados é o fato de não terem acesso a um computador (46,9%).

Esses novos números só reforçam o que este ombudsman não se cansa de enfatizar aqui neste espaço: a importância e a responsabilidade fundamental, decisiva e estratégica que as emissoras de TV aberta brasileiras, sejam elas públicas ou comerciais, ainda têm e terão, por um bom tempo, como única alternativa de informação e entretenimento para a maioria absoluta desses 104,7 milhões de cidadãos ainda excluídos da internet.

Ou alguém acha que essa multidão assina a revista The Economist?

(*) – Informações do site G1

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Sugestão de pauta, 10 de dezembro

Em nome de pelo menos uma parte dos telespectadores da TV Cultura que apreciam o futebol, e não necessariamente torcedores deste ou daquele time, não posso deixar de dizer que gostaria muito de ver a equipe do Cartão Verde abordar um fato que foi praticamente esquecido, em meio às alegrias e tristezas que marcaram – juntamente com os bancos e barras de ferro que voaram no gramado do estádio Couto Pereira – a rodada final do Campeonato Brasileiro.

Refiro-me ao comportamento dos garotos do Grêmio, aquele time que praticamente toda a crônica esportiva brasileira previu que entregaria o jogo para o Flamengo, atendendo ao desejo da diretoria e da torcida gremista, determinadas a inviabilizar a conquista do título pelo Internacional, e, claro, à vontade de milhões de torcedores flamenguistas.

Por conta do empenho e da raça inesperada dos jogadores do Grêmio, aquela tarde do Maracanã, pelo contido desespero que tomou conta da torcida flamenguista e de quem quer que estivesse acompanhando a partida, flertou de forma assustadora com a final da Copa de 50, a maior e mais devastadora de todas as decepções do futebol brasileiro.

O que moveu aqueles meninos condenados a entregar o jogo? Qual a razão de enfrentar, contra a vontade da própria torcida e a dos que pagam seus salários, aquele Maracanã ensurdecedoramente rubro-negro? Qual o sentido daquela garra que manteve o grito de campeão preso na garganta dos flamenguistas até o apito final?

Não estaria, no gesto desses meninos, a essência e a razão de ser do esporte? Seria mais que estimulante, portanto, para muitos telespectadores, ver a competente bancada do Cartão Verde procurando as respostas para essas perguntas.

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Banho, 9 de dezembro

O Jornal da Cultura, como os outros telejornais noturnos das redes de TV aberta, produz conteúdo para telespectadores de todo o Brasil e não apenas do estado de São Paulo. Nesta terça-feira, 8 de dezembro, no entanto, também como os outros telejornais, dedicou boa parte de seu tempo à grande enchente que parou São Paulo. E o fez com muita competência, mesmo se considerarmos que uma parte das imagens exibidas foram cedidas pelas redes Bandeirantes, Gazeta e SBT.

No que dependeu de sua equipe e de sua estrutura incomparavelmente menor que a das redes comercias, o Jornal da Cultura se superou, a começar pelos competentes links nos quais o repórter Aldo Quiroga atualizou a situação da cidade. O mesmo Aldo, em sua reportagem, gravou, em uma praça da Zona Oeste da cidade, uma passagem que foi uma espécie de maquete do drama vivido pelos paulistanos. Ele também usou, de forma competente, os bons flagrantes gravados com motoristas, pedestres e usuários de ônibus, incluindo o de uma inusitada pelada (de futebol) no asfalto molhado da Marginal do Tietê.

A matéria do repórter Jô Miyagui, além de documentar a tragédia dos que morreram nos desmoronamentos causados pela chuva – incluindo o caso terrível de quatro irmãos de uma mesma família – fez mais do que o costumeiro, que é apenas mostrar a irresponsabilidade das pessoas que constroem casas ou barracos em áreas de risco. Bastou um depoimento – o da doméstica Marilena Souza dos Santos – para deixar claro, na reportagem, que ninguém permanece nesses lugares por gostar de viver perigosamente. ‘Se a prefeitura tirar a gente daqui pra colocar numa casa, eu vou. Agora, pra abrigo e escola eu não vou não’, disse Marilena.

O ‘pacote da chuva’ do Jornal da Cultura ainda teve uma reportagem de Jerônimo Moraes – mostrando alguns personagens do aguaceiro e o ótimo flagrante de dois cachorros que pareciam ter saído de uma aventura de desenho animado – outra de Saulo Lopes – registrando a surpreendente calmaria da metrópole depois do drama da enchente e uma terceira de Carmen Amorim, registrando a posição do prefeito Kassab e a boa explicação do arquiteto e urbanista Kazuo Nakano sobre as conseqüências do fato de São Paulo ter crescido sobre uma bacia hidrográfica sujeita a refluxos de água dos pequenos rios que fluem em canalizações antigas e estreitas.

Pra uma equipe que não tinha nem estrutura e nem obrigação de fazer cobertura de telejornal local, foi um exercício exemplar de telejornalismo.

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Aquecimento de cobertura, 8 de dezembro

Estamos apenas no início da cobertura da COP 15 e ela já é não apenas volumosa, mas também um pouco repetitiva, tanto no conteúdo quanto no tom, principalmente se considerarmos que aquecimento global, sustentabilidade e meio ambiente não são exatamente temas raros ou esquecidos. Muito pelo contrário. Por isso, vale a pena este ombudsman voltar ao assunto e repassar algumas preocupações relacionadas ao comportamento dos meios de comunicação diante do tema e do gigantesco evento que acontece em Copenhagen.

O desafio maior de quem está fazendo a cobertura do encontro não é exatamente o de apenas informar e alertar sobre a urgência da questão climática, mas definir como transformar esses temas em conteúdos genuínos de televisão, potencialmente atraentes para o telespectador médio da TV aberta brasileira.

Quem faz TV aberta tem de respirar o tempo presente e a atmosfera social, política, econômica e cultural que, de uma forma ou de outra, envolve, direciona, impacta e influencia as escolhas do telespectador fiel ou eventual que sintoniza a programação da emissora. E boa parte dos telespectadores brasileiros, longe de serem fervorosos adeptos da causa da sustentabilidade prontos para transformações radicais em suas vidas, não a conhecem muito e costumam ser silenciosamente resistentes a ela, como demonstram pesquisas recentes sobre a hierarquização dos problemas do país.

Esses telespectadores precisam, portanto, ser conquistados pela causa com argumentos legítimos. E quem trabalha em televisão aberta sabe: o telespectador não gosta de ouvir lições ou sugestões de qualquer espécie que não estejam acompanhadas de coerência ou que não sejam plausíveis. O recomendável, então, na abordagem da questão climática, em vez de distribuir pitos a cidadãos já cansados de serem tão exigidos e de tratá-los como pessoas cheias de ‘maus hábitos’, como acontece em boa parte dos programas da área ambiental, seria evitar o tom professoral e autoritário.

Quem, por exemplo, desperdiça energia, não deveria ser tratado como inimigo ou como criminoso de alta periculosidade ambiental. E o uso de estatísticas alarmistas requer muito cuidado, já que o resultado, quando elas são questionáveis, muitas vezes desmoraliza a causa da sustentabilidade, além de desestimular o uso consciente dos recursos naturais.

A credibilidade, principalmente entre os chamados céticos e os que ainda não tratam o meio ambiente e a sustentabilidade como uma questão prioritária, deveria, portanto, ser o grande objetivo de uma cobertura voltada para o público desigual, heterogêneo e multifacetado da TV aberta.

Principalmente nesse momento de absoluta exposição do tema por conta da COP 15, a TV aberta não pode servir mais – ou somente – aos que já estão conquistados pela causa ambiental. Ela tem de oferecer uma cobertura sustentável também nas lições, sugestões e soluções apresentadas ao cidadão comum. Na tela da TV aberta, ser ambientalmente correto e viver de forma sustentável não pode ser complicado. E, sempre que possível, a sustentabilidade deverá caminhar de mãos dadas com o bem-estar.

Outro cuidado fundamental é o de evitar a inadequação dos conteúdos à pulsação da TV aberta, a narrativa hermética e elitista e a repetição de pautas e enfoques – fenômeno atualmente agravado pelo congestionamento da temática ambiental na grade e nas páginas da mídia.

Seria também recomendável fugir da soberba politicamente correta e fazer com que todos os conceitos ambientalistas fossem acompanhados de exemplos, nomes, locais, números e pessoas que pertençam à realidade social, política e econômica do telespectador médio de TV aberta.

Sempre em nome da sustentabilidade da cobertura, seria importante, finalmente, em vez de esconder ou boicotar os chamados céticos, mostrar quem são eles e o que eles dizem sobre tudo o que está acontecendo com o clima no planeta.

Uma voz contra o vale-tudo

Transcrevo abaixo a tradução livre que fiz – com todos os riscos da empreitada – de um artigo do professor Edward Wasserman, PHD em ética jornalística da Washington and Lee University. Ele enviou o artigo à ONO (Organization of News Ombudsmen), atendendo ao pedido do presidente da entidade para que os associados participassem do debate sobre os valores e padrões do jornalismo online. O artigo é, na opinião deste ombudsman, uma contribuição admirável. A ele:

Uma das maiores dores de cabeça da imprensa, atualmente, é como se adaptar à nova fronteira que está sendo estabelecida pelo leitor. No mundo pré-Internet, opinião de leitor não era um problema. As emissoras de TV nem tinham essa seção e as colunas de cartas de leitores dos jornais permitiam que apenas algumas dezenas de cartas fossem publicadas a cada semana, a maioria delas cuidadosas e perfeitamente assimiláveis. Estava tudo sob controle.

Na Internat, a opinião do leitor está mais para briga de cachorro grande do que para conversa de comadre. São mensagens agudas. Costumam gerar confusão, troca de ofensas e ataques pessoais. Os sites costumam permitir comentários anônimos e só em casos muito graves de racismo e de conteúdo abjeto é que os comentários e seus respectivos autores são banidos.

É nas águas profundas desse mar cibernético que a mídia está mergulhada. E ela sabe que seu futuro depende de sua capacidade de conseguir repetir, online, o papel que tem (ou tinha) na sociedade antes da chegada da Internet. Daí a ansiosa oferta, pela mídia, de fóruns nos quais as pessoas possam se manifestar. Daí a adesão estrondosa das empresas de comunicação ao discurso da Internet.

É uma adesão que tem o zelo dos convertidos e o fervor dos desesperados. E que se resume no seguinte: Você tem alguma coisa pra dizer? Diga pra mim! Editores que nunca sonhariam em publicar uma carta de leitor sem assinatura agora defendem o anonimato promíscuo da rede. E o bom gosto e a civilidade? Tornaram-se valores antigos de uma elite desacreditada da mídia.

Eu exagero, mas não muito. A ordem agora é não interferir. Num encontro recente da Associação Americana de Editores, na Califórnia, alguns bons e poderosos jornalistas da mídia online – não todos, é bom enfatizar – sugeriram que até mesmo o gesto de checar identidades afugenta internautas para outros sites onde eles podem dizer o que querem sem qualquer tipo de restrição. E que adotar esse cuidado nas edições online seria catastrófico para os jornais.

A ONO, uma entidade que admiro e à qual pertenço, pede agora sugestões aos filiados sobre como a imprensa online deveria lidar com os comentários do público. O objetivo é bloquear mensagens contra imigrantes e difamações, proteger a privacidade das pessoas e tentar estabelecer um padrão mínimo razoável para essas manifestações.

E os comentários anônimos? Algumas empresas argumentam que estão provendo um espaço público que elas não têm o direito ou o dever de regular. E que esse espaço público deve ser auto-regulamentado. Mas será que o mercado de idéias é auto-regulamentável? A difamação pode ser evitada? Ou a situação é como a do pastor que bota suas ovelhas pra comer no pasto público achando que nunca mais vai ter que comprar ração?

O desastre é uma questão de tempo. No caso da Internet, a licença radical dada para indivíduos verbalizarem seus ódios termina destruindo a liberdade de expressão que outras pessoas menos atrevidas e menos teimosas têm. E o resultado final é uma atmosfera menos expansiva e menos robusta na qual, ao que parece, há pouco compartilhamento de idéias boas e valiosas.

Um debate público onde haja troca de idéias sobre o que a comunidade é ou deve ser é algo que deve ser, acima de tudo, aprendido. Infelizmente, a grande imprensa fez fortuna ensinando caminhos errados às pessoas. E nos acostumou com a idéia de que a cólera é a linguagem política. E que é assim, com cólera, que as idéias são discutidas.

Não é. Com o mundo online, o jornalismo tem oportunidade de adotar uma nova prática, baseada não apenas na produção de notícias e nas técnicas de narrativa, mas no objetivo de coordenar um diálogo abrangente da comunidade sobre o que está acontecendo e sobre o que é importante. Os blogs e chats não são apenas uma extensão das oportunidades mercadológicas das empresas de mídia. São espaços intensamente movimentados nos quais uma nova forma de expressão e de comunicação está sendo incubada.

Defender a existência, nesses espaços, de regras baseadas na busca permanente da honestidade, da civilidade e do respeito não é justificar o elitismo.

Não se trata nem mesmo de prescrever as regras, mas de reconhecer que elas são necessárias. E de começar a escrevê-las.’