Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ernesto Rodrigues

‘Antônio Abujamra, goste ou não o telespectador de seu estilo, e quando não exagera no jeito debochado ou nas interrupções autoritárias das falas de seus entrevistados, tem feito programas quase sempre irresistíveis. Não só por se preparar bem (ou ser bem-preparado) para as entrevistas, no que aliás dá lição para muitos jornalistas, mas também pelo fato de o resultado ser um conteúdo raro na grade sempre corretíssima da TV Cultura: polêmica, irreverência, controvérsia, ironia, humor, assuntos inconvenientes e iconoclastia. Resta saber, claro, o que o programa tem feito ou pretende fazer com as eventuais manifestações das pessoas ou entidades que se sintam atingidas por Abujamra ou por seus entrevistados.

O ´Provocações` com o jornalista Fernando Jorge, 79 anos, por exemplo, foi um prato cheio de pimenta e balas traçantes contra vários alvos, a começar pela Academia Brasileira de Letras, que ele disse odiar, pela omissão da entidade quando jornalistas, professores e intelectuais foram presos pela ditadura, e por ser ´estéril como o útero de uma mula´. Atiçado por Abujamra, Fernando confirmou suas restrições a Nélida Piñon, considerada por ele uma ‘mestra na arte de se promover e de fazer política literária, esperta o suficiente para lançar seus livros mediocríssimos nos Estados Unidos´.

Fernando Jorge também atacou Paulo Coelho, dizendo que qualquer página escrita por ele ´serve para correção de textos´. Negou que Santos Dumont, seu biografado, fosse gay, relatou a conversa em que Jânio Quadros lhe contou um plano de invadir a Guiana, defendeu o fuzilamento em praça pública de políticos corruptos e confessou, pela primeira vez, ter sido pago para escrever o livro ´Coração, sexo e cérebro´, assinado pelo colunável Wilson Moreira da Costa.

Por essa e por outras edições, o Provocações tem DNA de televisão.

Por mais que Abujamra goste de depreciar o veículo.

Conheça os pontos positivos e negativos da programação exibida na última semana.

Doha em miúdos

Jornal da Cultura, 25 de julho

A cobertura dada pelo Jornal da Cultura, no dia 25 de julho, aos acontecimentos da reunião da Rodada Doha em Genebra foi exemplar. Além de dar as últimas, de contextualizar o impacto do possível acordo e de, enfim, explicar origem do nome da reunião – um encontro promovido pela Organização Mundial do Comércio em Doha, capital do Catar – o JC teve no embaixador Sergio Amaral um ótimo entrevistado de estúdio. Talvez aproveitando a experiência de ter sido porta-voz do presidente FHC, Amaral explicou tudo, chamou atenção para o risco representado pela China (e não pelos EUA e a Europa) e citou um fenômeno já levantado recentemente por Luís Nassif e que cada vez mais pede uma abordagem especial, quem sabe em forma de série: o que Amaral chamou de ´fadiga da globalização` e a tendência dos países mais para a defesa de seus respectivos mercados internos.

Evo e as magníficas

Tal & Qual, 25 de julho

O mergulho do programa ´Contramano` na história, no perfil e no simbolismo do grupo de modelos chamado de ´As Magníficas` na atual sociedade boliviana foi um exemplo estimulante de que o desafiador objetivo do Tal & Qual de tornar a América Latina interessante para os latino-americanos – no caso, para nós, brasileiros – às vezes pode ser alcançado com êxito. Relevando-se a profusão de vinhetas, a edição às vezes excessivamente estilosa e um lamentável problema de áudio em parte das entrevistas, o ensaio da equipe dirigida por Cecília Lanza foi bem mais que uma reportagem sobre as belas modelos bolivianas. Foi uma metáfora jornalisticamente equilibrada da divisão que hoje sacode a Bolívia. De um lado, a Santa Cruz de La Sierra moderna, globalizada, culturalmente ocidentalizada e, de certa forma, envergonhada de sua histórica imagem de pobreza indígena. De outro, a Bolívia andina de Morales, que se opõe à emancipação dos cruceños, como são chamados os que vivem em Santa Cruz.

Surpresas da periferia

Manos & Minas, 23 de julho

A reportagem de Juju Denden sobre a reunião do ´Família Car Club` e os fiéis importadores paulistanos da cultura norte-americana ´low rider` – velhos carrões gastadores de gasolina primorosamente restaurados e equipados com um sistema hidráulico que os torna saltitantes – foi mais uma revelação interessante sobre o que vai pela periferia e também sobre o desafio complexo que é entendê-la ou julgá-la. Um retrato sem protecionismos ou paternalismos politicamente corretos de classe média, o que é muito bom. Para completar uma noite de tirar o sono dos que observam a periferia de São Paulo como quem desenha nossas fronteiras geográficas ao som de um samba, o Manos & Minas apresentou, no palco, um grupo de ´street dancers` chamado ´Die Hard Trio` e uma edição do quadro Interferência no qual a cantora Negra Li, ao defender o rap, disse: ´Negro não tem que cantar só samba. Música é universal, cara´. Por essa e por outras, o ´Manos & Minas` é um programa que não passa despercebido, gostemos ou não dele.

Homossexualismo na TV

Sexualidade, 24 de julho

O tema ´as diferentes formas de amar` foi apresentado com uma ótima dramatização: o monólogo de um jovem que está em dúvidas sobre o tipo de sentimento que tem por um amigo. O que se seguiu foi um raro, corajoso e abrangente debate dos jovens participantes do programa sobre o homossexualismo. Um debate que incluiu não apenas um rapaz e uma moça gays, obrigatórios, mas também uma mulher adulta assumidamente homossexual, acompanhada de suas duas filhas adolescentes. O programa incluiu não apenas o que seria de se esperar – os desafios e sofrimentos enfrentados pelos homossexuais, os mitos, as crendices e a luta contra o preconceito e o estigma – mas também as dificuldades que os jovens hetero têm em relação ao assunto.

Sepultura em Cuba

Metrópolis, 21 de julho

A participação da banda Sepultura num show para 50 mil cubanos reunidos na ´Tribuna Anti-Imperialista de Havana` foi muito mais que um registro musical na trajetória dos metaleiros brasileiros. Quanto mais o tempo passar e o regime de Fidel desmoronar, mais essas imagens ganharão importância histórica, por seu enorme simbolismo.

Muito além do palavrão

(Especial Dercy Gonçalves, 22 de julho)

Uma divertida, oportuna e emocionante despedida de Dercy Gonçalves, muito além dos palavrões. Foi assim, com a reprise de ´Dercy por Dercy e por alguns amigos´, da série ´Brasileiros e Brasileiras – Biografias para tv ´, que a Cultura homenageou a artista. No documentário, artistas, profissionais do teatro e da TV, jornalistas, amigos, conterrâneos da pequena Santa Maria Madalena, interior do estado do Rio, e a única filha, Dercimar Senra, fazem um retrato sincero e revelador de Dercy. Marcos Caruso, por exemplo, diz no documentário que ´dirigir Dercy era como tentar desviar o curso do Rio Amazonas´. Dercy também deixa frases antológicas como a que fez ao comentar sua gratidão a Deus: ´Esse cara não foi nem meu pai. Foi meu amante apaixonado´.

Questão de identidade

Nossa Língua, 21 de julho

O programa, principalmente na entrevista conduzida pelo professor Pasquale, é confuso no formato e no conteúdo. O convidado do dia, Heródoto Barbeiro, só falou, e muito pouco, sobre os segredos e armadilhas do texto no telejornalismo e no radiojornalismo – uma pauta automática num programa teoricamente voltado para a aventura da língua portuguesa – no terceiro e último bloco da entrevista. O problema é a identidade indefinida do Nossa Língua, ora um talk-show, ora uma aula de português de telecurso, ora uma revista musical para jovens. Alguém poderá dizer que a idéia é exatamente essa. Mas será que o telespectador, em casa, está entendendo dessa maneira?

Explicação inútil

Tal & Qual, 26 de julho

O segundo assunto do Tal & Qual de 26 de julho, uma sucessão de depoimentos de pais e mães-de-santo de Montevideo sobre o culto à Umbanda no Uruguai, deixou à mostra um problema recorrente do programa: o de que nem todos os temas escolhidos são universais, em termos latino-americanos. A matéria, feita por uma emissora da capital uruguaia, apresenta a Umbanda como se nós, brasileiros, não soubéssemos do que se trata. Resultou quase cômico, para nós, brasileiros, a sucessão de religiosos – ´Pae Júlio de Omolu´, ´Baba Armando de Orisaguian´, ´Mãe Susana de Oxum` – explicando, em espanhol, o que é a umbanda.

Falta de animação

Jornal da Cultura, 24 de julho

São visualmente muito pobres os videografismos do Jornal da Cultura. A notícia do avanço de São Paulo e do Rio no ranking das cidades mais caras do mundo, por exemplo, tinha todos os ingredientes para merecer uma ilustração gráfica mais informativa e atraente. Era natural, para não dizer óbvia, uma animação simples que mostrasse o deslocamento das duas cidades no ranking.

Pito errado

Jornal da Cultura, 23 de julho

Resultou truncada – e ao gosto da representação americana na Rodada de Doha – a nota em que Heródoto Barbeiro citou um escorregão diplomático de Celso Amorim do fim de semana anterior – a menção ao uso de técnicas nazistas de desinformação por parte dos países ricos, em seu histórico protecionismo em relação a produtos agrícolas originários dos países do Terceiro Mundo. Amorim já tinha pedido desculpas, mas a nota de Heródoto misturou essa história com um novo incidente – muito menos grave e circunscrito a questões comerciais – ocorrido na terça-feira e no qual não houve menção alguma do chanceler a técnicas nazistas. Ficou, portanto, apenas o pito constrangedor da representante americana, Susan Schwab, saborosamente degustado pelo apresentador: ´Celso, pare de nos dar aula!´.

Olha o som!

(Especial Cultura Flip 2008, 21 de julho)

Depois do ótimo clipe de abertura, todo o esforço de reexibir, num só programa, a produção das equipes da TV Cultura na Flip 2008 foi seriamente comprometido por um problema que se repetiu de forma desastrosa em praticamente todas as narrações de tradução de língua estrangeira: uma mixagem tão ruim que inviabilizou a compreensão da narração em português, que era sempre atropelada pelo áudio original em língua estrangeira. É difícil até compreender, num programa que não era ao vivo, como um problema técnico tão grave e gritante – pelo menos para quem assistiu via NET – não foi percebido a tempo pelos responsáveis. Aconteceu nas traduções das falas de Chimamanda Ngozi Adichie, Fernando Vellejo, Richard Price, Nathan Englander, Cees Nooteboom e Pierre Bayard. A entrevista de Cunha Jr com Neil Gaiman foi a única feita com estrangeiros em que a mixagem estava correta nos momentos de tradução.’