Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ernesto Rodrigues

‘(Cartão Verde, 24 de setembro)

Encontrar o modelo ideal de mesa-redonda de futebol é quase tão difícil quanto torcedores de times diferentes se entenderem sobre o que acontece nas partidas. Ainda assim, é possível dizer que edições do Cartão Verde como a deste 24 de setembro certamente agradam a um tipo de telespectador que não gosta nem da solenidade canastra de alguns programas do gênero nem do purismo chato e eternamente revoltado-saudosista de outros.

O Cartão Verde, claro, não é uma reinvenção das mesas-redondas da televisão brasileira. Mas a competência que o programa tem de temperar humor com informações e opiniões técnicas interessantes sobre o futebol tem sido sua marca registrada. Vladir Lemos, Vítor Birner, Sócrates e Xico Sá, a cada semana que passa, mostram ser uma combinação perfeita de competência jornalística, informação esportiva de qualidade, intuição e senso de humor.

Sócrates, por exemplo, conseguiu desmoralizar o confinamento de três meses de hotel imposto ao time do Figueirense em duas frentes, primeiro considerando a medida um caso de ‘cárcere privado’ e depois antecipando que o resultado será ‘um time masturbatório’. Xico Sá levou a produção do programa ter a ótima idéia de repercutir, com o professor Pasquale Cipro Neto, o verbo ‘denilsear’, que ele criou para identificar a falta de definição do jogador em campo.

Como em toda mesa-redonda, a turma do Cartão Verde também acaba se deixando envolver em polêmicas que são tão irresistíveis quanto insolúveis, como a da posição que o Corinthians estaria ocupando no Brasileirão se não estivesse de castigo na segundona. Falando em Corinthians – cujo jogo com o Bragantino dominou parte do programa analisado, inclusive com um link no Pacaembu – é no foco quase exclusivo do futebol paulista que o Cartão Verde certamente frustra telespectadores de todo o país. Por mais inteligentes que tenham sido, no caso, as respostas do técnico Mano Menezes sobre a atuação do corintiano Douglas.

Em vez de tanto Paulistão e vestiário talvez não fosse má idéia investir em mais quadros como o divertido ‘Corneteiros em ação’. Os indícios de que esse pode ser um bom caminho partem dos próprios telespectadores citados no programa. Um deles disse que ‘a pior parte é a da entrevistas dos técnicos’. E Vera, uma fã de Xico Sá, não deixou dúvidas:

‘Continuo odiando futebol, mas adoro o programa!’

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Conheça os pontos positivos e negativos da programação exibida na última semana. Saiba quais atrações da TV Cultura ganharam destaque e as que ainda podem melhorar.

Solo perfeito

(Radiola, 15 de setembro)

O quadro ‘Meu instrumento’, com a violinista Barbara Galante, teve um belo cenário, luminoso e classudo como o solo inicial que ela deu antes de começar a falar do violino. Entre frases musicais clássicas e citações de composições consagradas como ‘Over the rainbow’, o quadro deu muita informação sobre o instrumento, seus detalhes e sua importância na formação das orquestras. Bravo!

Fatos & Fotos

(Vitrine, 13 de setembro)

A matéria sobre o acervo de imagens da Agência Estado não ficou no registro burocrático da seleção de fotografias. A câmera, a edição e os depoimentos de fotógrafos como José Bento Lenzi, Milton Fukuda e Arnaldo Fiaschi, entre outros, dialogaram à perfeição, em uma uma bela crônica sobre a História recente do Brasil.

Trabalho de equipe

(Jornal da Cultura, 16 de setembro)

A boa matéria de campo de Cláudia Tavares sobre um projeto do PAC contestado pelos ambientalistas em Ilhéus, na Bahia, mostrou o acerto e a importância da participação das ‘editorias’ especializadas do Jornalismo da emissora – no caso, a equipe que cobre assuntos ecológicos – no Jornal da Cultura. Faltou apenas uma repercussão do assunto nas esferas do ministro Carlos Minc e das empresas envolvidas – e interessadas – na obra.

A prova da estupidez

(Metrópolis, 17 de setembro)

Na homenagem a Lourenço Diaferia, o Metrópolis deu ao telespectador a exata dimensão do que é liberdade de imprensa, quando Domingas Person leu, pulmões a pleno, a crônica que levou Lourenço para a prisão durante a ditadura.

Volta às origens

(Grupo Massaroca, 17 de setembro)

O Grupo Massaroca, na crônica que começou com o olhar irreverente para a cena cultural canadense e terminou nas lágrimas de José Saramago ao final do filme ‘Ensaio sobre a cegueira’, de Fernando Meirelles, voltou à seara onde dá show. E deu.

Construção errada

(Manos & Minas, 17 de setembro)

Na reportagem sobre um projeto social ‘Condomínio Social Empreiteira Escola’, montado em torno de uma fábrica de tijolos em Sorocaba, um exemplo do risco representado pela escolha errada de uma trilha sonora: o uso da letra e da música de ‘Construção’, obra-prima de Chico Buarque, como trilha, provocou um resultado certamente oposto ao que se desejava, um tiro pela culatra. As imagens e o texto apresentavam a fábrica de tijolos como instrumento de redenção social, mas a letra e a música de Chico são uma amarga e triste metáfora da vida operária. E o editor certamente não queria fazer ironia alguma.

Um necrófago no jardim-de-infância

(Tudo sobre animais, 16 de setembro)

Em pouco mais de um minuto, as contradições da adaptação da sensacional série da BBC ficaram expostas. O flagrante noturno era espetacular: um confronto, filmado com câmeras especiais, entre dois crocodilos e três leões em disputa por uma presa já abatida às margens de um rio. A narração em português, no entanto, alternava, de um lado, uma voz adulta feminina com explicações científicas inacessíveis para o público infantil, e de outro, a presença de uma voz pretensamente de criança fazendo comentários ingênuos típicos de jardim-de-infância. Exemplo de um trecho da narração: ‘As carcaças velhas são um prato sazonal por aqui. Por isso, esses necrófagos comem o máximo que podem’. Levando-se em conta o horário de exibição e a riqueza informativa da série, o programa merecia uma adaptação mais eclética que atraísse as crianças sem afastar, com os comentários à vezes infantilóides, o interesse dos públicos juvenil e adulto.

E o resto da piada?

(Almanaque Educação, 16 de setembro)

As charges eletrônicas do quadro ‘Telejornal’, pelo ritmo e pela eficiência com que seu humor leva à reflexão, têm pedigree cem por cento adequado à televisão e à proposta do programa. Mas uma delas – a promessa de explicar a existência de bolsos em pijamas e o uso de capacetes pelos pilotos kamikazes japoneses – provocou uma certa frustração, ao não ser cumprida. É claro que a própria chamada de bloco já era a piada, mas o fato de o programa não voltar mais ao assunto – paradoxos do vestuário humano – deixou muito telespectador com a sensação de que o assunto foi esquecido. Em se tratando de um programa com uma forte pegada fortemente didática, valeria a pena voltar ao assunto, claro, sem perder o humor.

O rapaz ao fundo

(Vitrine, 13 de setembro)

Foram necessários alguns minutos até que um ruído visual nas imagens da entrevista com Sérgio Ricardo, no último bloco do Vitrine, fosse devidamente esclarecido. Um jovem com cara de poucos amigos que aparecia num sofá, ao fundo, na conversa de Rodrigo Rodrigues com o compositor, era João, filho de Sérgio Ricardo. O enquadramento básico da entrevista, aliás, poderia ser melhor, mesmo considerando as dimensões notoriamente minúsculas da sala onde ela foi feita.

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Desenho pode ser animado e educativo

(Pink Dink Doo, 25 de setembro)

Além de ‘Mona, a Vampiro’, programa já comentado aqui neste espaço no último dia 19 de setembro, o desenho ‘Pink Dink Doo’ também sofreu restrições dos telespectadores que enviaram emails para este ombudsman, comentando uma programação infanto-juvenil que, diga-se, é muito mais elogiada do que criticada. Uma telespectadora, dizendo estar em defesa de mais qualidade de conteúdo para o filho, disse que o desenho ‘só ensina coisas erradas para as crianças’.

As especialistas integrantes do comitê multidisciplinar que auxilia este ombudsman na análise da programação infanto-juvenil discordam, mas têm visões diferentes do programa. Livia De Tommasi, que também é mãe de crianças de 10 e 5 anos, considera Pink Dink Doo ‘muito bonito e bastante educativo’. Silvia Maria Pereira de Carvalho também considera o programa ‘inteligente e bom para os mais pequenos’. E Gisela Wajskop acha que Pink Dink Doo atrai as crianças pela identificação, com traços simples, coloridos, ‘quase um esboço que poderia ter sido recém-criado por qualquer um dos telespectadores, os bebês e crianças de até 3 ou 4 anos’.

As restrições de todas se concentram nos exercícios finais, que Silvia considera ‘totalmente prescindíveis’. Segundo ela, ‘essa didatização do desenho não contribui e só torna chato o produto cultural’. Stela Barbieri também acha Pink Dink Doo ‘muito escolarizado’. E Gisela diz que, apesar de ser ‘atraente para as crianças ainda sem repertório cultural e artístico para constituir crítica’, o desenho é ‘empobrecedor’. E explica:

‘Tristes as crianças que são introduzidas na arte e na imaginação pelas mãos da prescrição e da didatização. Apesar de contar histórias inventadas, a Pink é quase uma mini-professora, acompanhada pela corneta que toca cada vez que, segundo meu filho, tem alguma palavra difícil e chique que as crianças tem que aprender’. Gisela acha que o Pink Dink Doo reflete ‘uma visão chata e maniqueísta do ensino, onde tudo tem um começo, meio e fim e aprende-se pela repetição’. E conclui:

‘É muito politicamente correto!’

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Para ver e ouvir

(Entrelinhas, 21 de setembro)

O Entrelinhas continua dando exemplo para outros programas da emissora, ao abrir pontes largas e ecléticas para a literatura no mundo eletrônico. Como na edição de 21 de setembro, quando o conteúdo principal do programa foi uma rica e abrangente reportagem sobre a lenta e inexorável chegada do áudio-livro ao mercado brasileiro.

Ilustrada com interessantes making ofs de gravações de áudio-livros feitas por José Wilker, lendo ‘Quando Nietzsche chorou’, de Irvin D. Yalom, Rafael Cortez, lendo ‘O alienista’, de Machado de Assis, e de Paulo Betti, lendo ‘A lição final’, de Randy Pausch, além de momentos antológicos em que câmeras de cinema registraram Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado e Manuel Bandeira lendo suas próprias obras, a reportagem incluiu um interessante e informativo ‘test drive’ de áudio-livros com frequentadores de uma livraria de São Paulo.

Houve quem estranhasse e quem se surpreendesse positivamente com essa nova forma de saborear os livros, ao ouvir Guimarães Rosa lido por Antonio Candido e Nelson Rodrigues na voz de Milton Gonçalves. A reportagem incluiu ainda o depoimento da editora de áudio-livros Sandra Silvério e sua resignada denúncia do preconceito que essa modalidade vem sofrendo no meio literário brasileiro.

O fecho de ouro desse ótimo painel sobre o áudio-livro no Brasil foi a exibição de um vídeo feito a partir do clássico ‘O estrangeiro’, de Albert Camus, na voz do próprio.

Exemplar.

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Para ver e ouvir

(Entrelinhas, 21 de setembro)

(Jornal da Cultura, 22 de setembro)

Sete observações sobre um dia produtivo na redação do novo Jornal da Cultura.

1 – O jornal aproveitou o fiasco do dia mundial sem carro no país para fazer do limão uma limonada. Num dia sem grandes manchetes, investiu dois repórteres (Luiza Moraes e Jô Myiagui) na questão ambiental, voltando à oportuna e urgente pauta dos teores do diesel brasileiro, com uma matéria de campo na USP, e cobrindo o encontro promovido pelo movimento Nossa São Paulo com os candidatos a prefeito, no caso se concentrando na reveladora pesquisa do Ibope sobre o trânsito brasileiro.

2 – Um enfoque rico e mais profundo – destacando um dano trágico da censura imposta à imprensa pelo governo chinês – fez da notícia sobre as 53 mil crianças afetadas pelo leite contaminado por melamina algo mais do que uma corriqueira nota internacional. E foi esclarecedora a informação adicional, diferenciando a tal melamina da melanina, mais conhecida e responsável pela pigmentação da pele.

3 – Acima dos intérpretes à direita ou à esquerda da chamada blindagem dos bancos brasileiros em relação ao crack financeiro dos EUA, foi importante a matéria de Carmen Souto ter a palavra direta, sem intermediários, de Márcio Cypriano, presidente do Bradesco, o maior banco brasileiro, sobre como estão os cofres por aqui. E ele disse que, embora o dinheiro lá de fora tenha ficado raro, ‘o recurso nacional está disponível à vontade’. É pra escrever e guardar…

4 – Tudo bem mostrar a indignação do presidente Lula com a notícia da Folha de S.Paulo de que o governo liberaria o FGTS para capitalizar a Petrobras na exploração do pré-sal. Mas não custava dizer que a fonte explícita da Folha – pelo menos confirmando o estudo da medida – foi o Ministro do Trabalho, Carlos Lupi.

5 – A pesquisa divulgada pelo Ipea sobre a melhoria da renda do brasileiro, paginada na longíqua abertura do quarto bloco – posição incomum para esse tipo de informação – poderia ser apresentada menos timidamente e com mais detalhes. Por outro lado, vale lembrar aqui uma pauta cada vez mais urgente em meio à atual maré de boas estatísticas, e que foi mencionada por Clóvis Rossi na edição da Folha deste 23 de setembro: como anda a diferença entre o capital e o trabalho no Brasil? Os números, ele adianta, não são tão animadores.

6 – O bloco de esportes apresentado por Vladir Lemos, com os destaques e desdobramentos do fim de semana esportivo e, no caso desta segunda, as histórias do legionário Zico no Uzbequistão e do desafortunado time do Ibis, bem que poderia ser uma ‘coluna’ fixa, às segundas-feiras, no Jornal da Cultura.

7 – Será que o jogo de empurra e a resistência dos parlamentares para regulamentar a lei que acaba com o nepotismo na Câmara e no Senado era a melhor matéria para o encerramento, num Jornal da Cultura tão rico em informação?’