Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ernesto Rodrigues

‘O telespectador do Jornal da Cultura, mais do que bem-servido, foi poupado de uma série de bobagens que foram ditas nesta quarta-feira, de um lado a outro do espectro político-partidário brasileiro, sobre o apagão da noite de terça-feira. Do lunático triunfalismo governista do ministro Tarso Genro aos histéricos alarmes dos senadores da oposição, passando pela repetição acrítica, por parte de outras emissoras, das bobagens e desinformações ainda maiores que foram escritas na imprensa internacional.

Depois de um destaque alentado sobre o assunto na abertura no qual era visível um equilíbrio entre a versão do governo e a suspeita de especialistas, o Jornal da Cultura fez o que tinha de fazer, pelo menos até a noite de quarta-feira, dia 11, perguntando: como podem dezoito estados ficarem às escuras de uma só vez? Ninguém tinha a resposta, independentemente da desigualdade estrutural de cobertura existente entre as redes de TV aberta.

Na primeira reportagem da cobertura sobre o apagão, apesar do surrado trocadilho feito pelo repórter com o lema já anacrônico segundo o qual São Paulo não pode parar, o Jornal da Cultura fez um resumo dos transtornos causados no país e, sem embarcar na politicagem que reverberou dos dois lados do front eleitoral, reproduziu uma cobrança objetiva feita pelo governador José Serra em relação à forma como o governo federal está cuidando da questão.

Em vez de reproduzir, uma a uma, como fizeram outras emissoras, as manchetes desinformadas da mídia internacional sobre os temores de blecaute nas Olimpíadas do Rio em 2016, o JC incluiu, na cobertura, o que o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, disse sobre o assunto.

Na hora de detalhar os dois lados da polêmica, a matéria de Brasília resumiu a posição do governo, registrou a ressalva do presidente Lula sobre a diferença entre os dois últimos apagões ocorridos no país – um estrutural e outro conjuntural – e reproduziu trechos da entrevista inconclusiva e preocupante dada pelo ministro Edison Lobão.

Na reportagem de São Paulo, o telespectador teve uma arte que, embora visualmente modesta, explicava resumidamente o funcionamento do sistema energético do país e um texto que ressaltava as vantagens e desvantagens decorrentes do fato de ele ser integrado.

Depois, duas entrevistas resumiam adequadamente a mistura de cautela e suspeita que tomou conta dos especialistas da área energética. Em uma delas, o professor de engenharia elétrica da USP José Antonio Jardini dizia que a probabilidade matemática de os raios provocarem danos simultâneos em três linhas do sistema é de uma vez a cada 300 anos. Na outra, Ildo Sauer, também da USP, apostou que o apagão não foi devido à falta de qualidade do sistema, mas a um problema de gestão.

Diante de tudo o esteve à disposição da mídia até o momento em que o Jornal da Cultura foi ao ar, era o que poderia ser afirmado sobre as causas do apagão. O resto era politicagem eleitoral. Dos dois lados da campanha.

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Volta às aulas?, 11 de novembro

Não estão em questão, absolutamente, como sempre, a pertinência, a importância e a utilidade do conteúdo, principalmente se considerarmos que o assunto era o virtual espinheiro que envolve o uso correto dos pronomes da língua portuguesa. Mas a edição do Nossa Língua de 9 de novembro acabou sendo mais uma aula do que um programa de televisão.

Essa característica pode ter desestimulado a permanência, no canal, de uma parcela de telespectadores que são potencialmente mais interessados em entretenimento educativo do que em conteúdo educacional embalado como entretenimento. Por mais que essas duas alternativas possam parecer redundantes.

O benvindo recurso a obras de quilates e calibres que variavam de Zezé di Camargo e Luciano a Cecília Meireles nem sempre se caracterizou, desta vez, como alternativa de linguagem de televisão. Ele funcionou bem no caso da análise bem-humorada feita pelo professor Pasquale Cipro Neto do conto de Monteiro Lobato ‘O colocador de pronomes’ e na encenação da música ‘Pense em mim’ pelo apresentador Gelson Babosa, personagem de Felipe Reis.

Em outros momentos, no entanto, o professor Pasquale acabou sendo exigido mais como o mestre incontestável de didática que é do que como o inspirado âncora que comandou as edições mais televisivas(*) que marcaram o início da nova temporada do programa. O uso esquemático do desenho animado de uma professora para explicar as regras da língua também não conseguiu desfazer a sensação mais de aula de telecurso em pleno horário nobre do que de programa de TV.

(*) – Nunca gostei do adjetivo ‘televisivo’ por considerá-lo uma espécie de adaptação superficial. Ao consultar o dicionário Houaiss, no entanto, vi que o vocábulo é definido como ‘relativo a televisão’ , ‘televisual’ e como algo ‘que tem qualidades ou condições para ser televisionado’. Da parte deste ombudsman, portanto, estão revogadas, para sempre, todas as aspas e restrições ao adjetivo televisivo.

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Sinais diferentes, 10 de novembro

ranscrevo abaixo, já agradecendo, o email que recebi do diretor de engenharia da Fundação Padre Anchieta, José Chaves Felippe de Oliveira. Ele faz esclarecimentos muito importantes e que devem ser levados em conta por este ombudsman e pelos telespectadores que freqüentarem esta coluna toda vez que o assunto for a qualidade técnica dos programas analisados.

Depois de ler o email de José Chaves, o telespectador chegará à conclusão de que tudo o que for – e vier a ser – escrito aqui em relação a padrões e problemas técnicos em programas da TV Cultura refere-se ao sinal que a NET transmite para a cidade do Rio de Janeiro. E não ao sinal da TV Cultura digital em São Paulo.

Se a distância física, afetiva e profissional tem sido uma condição ideal – e rara em outros veículos – para que o trabalho de ombudsman se desenvolva de forma consideravelmente isenta e, dentro do possível, equilibrada, o fato de o ombudsman viver e trabalhar no Rio de Janeiro impõe um necessário desconto técnico, como podemos depreender das explicações de José Chaves. A elas:

Caro Ernesto,

Gostaria de lamentar o fato de suas avaliações e considerações serem norteadas pela monitoração do nosso sinal na NET, este player tem-se mostrado ineficiente na fidelização da qualidade dos programas que as emissoras produzem. Na nova TV digital taxas de transmissão baixas reduzem a resolução e a relação de contraste, passando a impressão subjetiva de baixa qualidade, devido aos padrões de banda larga praticados pela NET.

Realmente gostaria de ter o nosso sinal avaliado em um player onde a banda não esteja desvirtuando a qualidade do ponto de vista subjetivo, artístico, profundidade de campo, colorimetria, matching entre outras características que fazem a grande diferença no ar e que caracterizam uma emissora profissionalizada com operação competente e sistemas transparentes, onde o trabalho artístico e plástico ressaltam na tela de alta definição.

Neste caso o sinal da TV Cultura digital em SP seria o melhor local para esta verificação, os programas em HD são transmitidos neste formato e os SD não perdem resolução.

Atenciosamente,

José Chaves Felippe de Oliveira

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Viagem sentimental, 9 de novembro

Os fãs do Grandes Momentos do Esporte bem que mereciam um horário alternativo para uma nova exibição do especial que comemorou, no dia 1º de novembro, os 25 anos do programa. No especial, uma conversa descontraída de Hélio Alcântara, Michel Laurence, Helvídio Mattos e Vladir Lemos – quatro profissionais importantes da história do programa, reunidos em torno de uma mesa do bar temático Boleiros, no bairro de Vila Madalena – foi o ponto de partida para uma viagem acima de tudo sentimental por momentos marcantes de duas décadas e meia de entrevistas e reportagens sobre o mundo do futebol.

Ao longo do especial, como não poderia deixar de ser, as marcas registradas do Grandes Momentos ficam evidentes: um programa sem a pressa dos similares embalados como videoclipe, um conteúdo fora da área dos interesses às vezes devastadores dos patrocinadores poderosos e uma pauta na qual o que interessa não é o que está acontecendo no mundo do futebol, mas o que ficou de importante e memorável desse mundo.

Quem assistiu teve oportunidade de rever trechos – e conhecer os bastidores – de entrevistas de Franz Beckenbauer e Eusébio, a emoção do ex-zagueiro Mozer, imagens (então) inéditas de um quarto da casa de Pelé que virou um pequeno museu, o desabafo do goleiro Barbosa pela maldição interminável que caiu sobre ele depois da derrota brasileira na final de 1950, a memória dos arremessos laterais de Djalma Santos, o especial ‘Os caminhos do Tri’, o perfil do jogador Almir e a paixão de Chico Buarque pelo futebol, entre outras jóias do acervo.

Além da viagem aos arquivos, o especial ainda mostrou um making of dos bastidores do ‘Grandes’ – um conteúdo tão previsível quanto atraente para os telespectadores, quanto maior fosse a admiração deles pelo programa. E que alternou imagens do moderno complexo de produção e finalização da TV Cultora com relatos sobre reuniões de pauta menos ortodoxas, realizadas na mesa de um bar.

O especial, em alguns momentos, flertou de forma talvez exagerada com a nostalgia, mesmo se considerarmos que a fórmula do ‘Grandes’ tem um inevitável ingrediente nostálgico. Em outros, como na citação de um especial com Tonico e Tinoco, foi impossível, para quem não assistiu a reportagem inteira, entender a ligação do assunto e dos personagens com o futebol ou qualquer outro esporte. Reparos à parte, o programa certamente foi um belo presente para seus fiéis seguidores.’