Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ernesto Rodrigues

‘Em relação à coluna publicada aqui ontem, 19 de agosto, sob o título ‘É grave a crise’, recebi, do coordenador de Conteúdo e Qualidade, Gabriel Priolli, a seguinte mensagem:

A direção da TV Cultura pede desculpas aos nossos telespectadores pelo transtorno ocorrido no último domingo, durante a exibição do programa ‘Planeta Terra’, quando foram ao ar imagens com áudio em inglês. O problema ocorreu devido às limitações operacionais com que a emissora vinha trabalhando desde a segunda-feira, 10/8, quando os funcionários radialistas da Fundação Padre Anchieta entraram em greve, por reivindicação salarial. Ao longo de toda a semana iniciada naquele dia, a TV e as rádios Cultura foram ao ar em precárias condições técnicas, graças ao esforço de um pequeno grupo de profissionais, que enfrentaram jornadas diárias superiores a 16 horas, para assegurar que os telespectadores e radiouvintes seguissem acompanhando a nossa programação.

Por um erro operacional ocorrido no sábado 15/08, durante a inserção do ‘Planeta Terra’ no servidor de vídeo da TV Cultura, o programa foi armazenado com apenas um dos dois canais de áudio, aquele que continha a versão original em inglês. Infelizmente, o erro não pode ser detectado e corrigido antes da emissão do programa, às 16h30 do domingo 16/8. Tão logo o problema foi identificado, o funcionário responsável pela programação pôs-se a corrigí-lo, no prazo e nas condições que lhe foram possíveis, dada a excepcionalidade da situação que vivíamos. A narração em português entrou normalmente a partir do segundo bloco do programa, para quem o sintonizava em televisores com áudio mono. Mas não foi possível normalizar o áudio para a sintonia em estéreo.

É importante ressaltar que, ao longo do domingo 16/8, apenas quatro funcionários mantiveram a TV Cultura no ar, sendo três no setor técnico e um no setor de programação. Rogamos, dessa forma, a compreensão de nosso público para esse contratempo, certamente desagradável para todos, mas menor no conjunto das 16 horas de programação emitidas perfeitamente naquela dia.

A transmissão da programação, assim como todos os demais setores das nossas emissoras de rádio e TV, operam normalmente desde a terça 18/8, com o encerramento da greve dos radialistas e a volta de todos os funcionários ao trabalho. E o documentário do ‘Planeta Terra’ que teve o áudio prejudicado será reprisado neste domingo, 23/8, em seu horário normal.

Abraço,

Gabriel Priolli

Agradeço, em nome dos telespectadores, as explicações de Gabriel Priolli, mas também acho que devo desculpas à equipe de operações envolvida no episódio do programa Planeta Terra, por ter transformado a crítica de um fato específico e circunstancial em base para um título e um texto de encerramento de coluna que foram generalizantes e que não fizeram justiça ao trabalho e à dedicação da maioria dos profissionais da TV Cultura.

Na verdade, eu deveria concentrar minha atenção e minha crítica no segundo email citado na coluna, aquele em que o remetente, mesmo reconhecendo não estar acompanhando a programação da TV Cultura há cerca de 15 anos, se sentiu no direito de criticar duramente o que a emissora leva ao ar atualmente. Considerei e considero o email pertinente não por causa da argumentação do telespectador, de resto insustentável e leviana, mas porque ela simboliza um tipo de prestígio muito positivo na superfície,mas profundamente danoso ao dia-a-dia da relação da TV Cultura com o público com o qual ela tem compromisso estatutário.

A imprecisa nostalgia de qualidade com a qual esse telespectador tenta justificar sua crítica literalmente cega à programação atual é típica de uma parcela da nossa elite que, tendo dinheiro no bolso e mais o que fazer além de assistir televisão, gosta de prescrever para terceiros – e quartos ou quintos, em ordem descendente, do nosso espectro social, econômico e cultural – conteúdos que não se dá ao trabalho de assistir ou – o que também é muito comum – conteúdos com os quais já teve contato em outras circunstâncias quase sempre inacessíveis à maioria da população, como a leitura de um livro, uma ida ao teatro ou ao cinema, um programa cultural em viagem ao exterior, uma visita a uma galeria, um simpósio de universidade, um festival de documentários ou os bancos de boas escolas, do jardim-de-infância à faculdade.

Se assistisse o que exige ou elogia sem ver, esse telespectador – como uma parcela considerável dos que mandam correspondência a este ombudsman e também algumas cabeças influentes dentro da própria Fundação Padre Anchieta – se surpreenderia com a distância que ainda existe entre intenção e gesto, em matéria de adequação dos conteúdos à realidade da TV aberta brasileira e ao perfil médio de seu telespectador potencial.

Digo ainda porque sou testemunha diária do esforço que vem sendo feito, de um ano para cá – salvo em algumas decisões infelizes como a de retirar o programa Pé na Rua do ar – para evitar que a programação da TV Cultura continue sendo dominada pelo que José dos Prodígios Lopes, outro remetente citado na coluna de ontem, chamou de ‘formatos chatos e monótonos’ para seus ‘conteúdos culturais de alta qualidade’.

Infelizmente, na estatística dos emails recebidos por este ombudsman, há pouco reconhecimento ou incentivo ao esforço atual de se unir qualidade com acessibilidade. Percebo, pelo contrário, entre doses mais ou menos freqüentes de bloguismo ideológico e partidário, uma demanda de conteúdo que, além de predominantemente elitista, é tão pulverizada que é virtualmente impraticável em TV aberta.

Pulverizada, por ser originária de indivíduos que, embora respeitáveis no legítimo exercício de seus direitos como telespectadores, não sustentam – salvo no caso das dezenas de emails que recebi com pedidos para que o Pé na Rua não saísse do ar – uma proposta plural que pudesse ser transformada em conteúdo, com um mínimo de potencial para a grade do horário nobre da TV aberta.

Eram essas questões e sentimentos, portanto, que estavam por trás da crítica injustamente dura que fiz aos profissionais da TV Cultura na coluna de ontem.

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É grave a crise, 19 de agosto

É claro que a TV Cultura viveu uma situação atípica, em termos operacionais, nos últimos dias. Mas nada justifica o fato de, às 17h04m do último dia 16 de agosto, a emissora estar exibindo um programa – o Planeta Terra – com áudio original em inglês e sem legendas em português, como informou, com justa indignação, o telespectador Márcio da Silva Santos, de Tremembé, São Paulo. Márcio, aliás, terminou seu email com uma afirmação que não é assim tão absurda:

‘Não é possível. Vocês não estão assistindo!’

E já que o assunto é assistir ou não a programação da TV Cultura, cito um exemplo oposto, este oferecido por outro telespectador cujo nome prefiro não citar e que parece pertencer à categoria dos que justificam a frase segundo a qual ‘quem não gosta e não vê televisão diz que assiste a TV Cultura’.

Esse telespectador foi sincero o bastante para dizer que viveu sintonizado na emissora ‘de 1988 até mais ou menos 1994’, o que nos leva à conclusão de que faz quinze anos que ele não acompanha regularmente a programação da emissora. Mesmo assim, diz em seu email que ‘de 1994 para cá, a coisa começou a degringolar’. Segundo ele, ‘a TV Cultura hoje é uma cópia muito empobrecida do que foi’. Após criticar de forma dura o Jornal da Cultura e o Roda Viva – sem deixar claro se tem ou não assistido a esses dois programas – nosso telespectador (?) volta a surpreender:

‘Pode ser que muita coisa que escrevi não tenha procedência, já que não acompanho mais a programação da TV Cultura há muito tempo. No entanto, deixo registradas minhas impressões de um tempo em que a TV Cultura era referência de televisão pública e privada no Brasil e América Latina, com toda a certeza. Um tempo que não volta atrás, infelizmente. Avisem-me, caso haja a intenção de recuperar o nível e o prestígio perdidos’.

Pois muito bem: entre um caso em que ninguém da emissora aparentemente se deu conta do conteúdo em inglês que era exibido sem legendas em português e outro no qual o remetente faz críticas violentas a uma programação que confessadamente não acompanha há 15 anos, não há como deixar de transcrever aqui o email de José dos Prodígios Lopes, de Santa Bárbara, Minas Gerais. Ele parece ser um real e fiel telespectador da TV Cultura. Um de seus recados:

‘Vou dar minha opinião como telespectador: uma pessoa de nível cultural médio não suporta, de maneira alguma, a maior parte dos programas da TV Cultura no horário nobre. Alguns deles, com conteúdo cultural de alta qualidade, têm formato e apresentação chatos e monótonos. Sem querer ser elitista, tem cultura popular além da conta, enquanto, por exemplo, os programas de musica erudita, são transmitidos depois da meia-noite. Tenho certeza de que se você se dispuser a acompanhar grande parte da programação para adultos vai perceber que alguma coisa precisa ser feita para que não se nivele a cultura por baixo’.

Resumindo:

Quem faz, não vê.

Quem critica, também não.

E quem assiste não está nada satisfeito.

É grave a crise.

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Barba, cabelo e bigode – II, 18 de agosto

Reprisar um programa, à parte os motivos que levam uma emissora a fazê-lo, é uma espécie de teste de durabilidade e de relevãncia para qualquer conteúdo. Nesse sentido, a entrevista do Roda Viva com o engenheiro Demi Getschko, transmitida em 13 de abril e reexibida ontem, 17 de agosto, passou no teste com sobra. Daí a razão pela qual a este ombudsman decidiu publicar novamente a análise que fez do programa. Vamos a ela:

‘Teve de tudo: a péssima qualidade da banda larga brasileira, o desafio de proteger a rede dos hackers, os limites éticos e tecnológicos da legislação para o setor, a impossibilidade da censura, a violação de privacidade em escala planetária, a difícil preservação da propriedade intelectual, a adesão atípica dos brasileiros ao risco de se expor na rede, o perigo de responsabilização dos usuários pelo ônus da prova nas fraudes bancárias pela rede, o tiro pela culatra dos conteúdos condenados que se tornam recordistas de acesso, a possibilidade de criação uma nova rede mais segura e menos aberta, a transformação do Google no grande intermediário, o mundo da ‘Second Life’, a sobrevivência das outras mídias, o risco da tutela excessiva do cidadão, o poder dos americanos no controle da rede, a disputa pela governança da rede, a sustentabilidade da produção cultural e jornalística e a inclusão digital no Brasil.

Praticamente todas as questões e inquietações relacionadas à assimilação e ao convívio dos brasileiros com a revolução da Internet foram abordadas no excelente Roda Viva com o engenheiro Demi Getschko, responsável pelas decisões do Comitê Gestor da Internet no Brasil. A começar por Heródoto Barbeiro, que abriu o programa com uma pergunta atualíssima sobre pane recente da Telefônica em São Paulo e esteve sempre vigilante para que expressões mais especializadas como, por exemplo, ‘tecnologia Wi-Max’, fossem devidamente traduzidas para o telespectador comum, os entrevistadores convidados – Carlos Eduardo Lins da Silva, Daniela Braun e Silvio Meira – só fizeram contribuir para que o estilo contagiante, o notável conhecimento e os conceitos de Demi Getschko fossem conhecidos e discutidos durante o programa

Algumas frases de Getschko:

‘O problema dos conteúdos absurdos ou nocivos é que o simples fato de se ir contra eles lhes dá sobrevida’.

‘A Internet é construída por humanos e nada do que é humano é estranho a ela. As pessoas têm de saber que o mundo da Internet é um mundo perigoso. Colocar fotos no Orkut é como colocar fotos num poste da rua. Devemos nos comportar na Internet como nos comportamos na vida fora dela’.

‘Além do espírito de colaboração típico da Internet, a rede também tem muito espírito de porco’.’