Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ernesto Rodrigues

‘Imediatismo ou qualidade? Pode a mídia digital manter os princípios tradicionais e valores do jornalismo de qualidade? Quem checa as notícias postadas por internautas e blogueiros? É preciso uma moderação antes ou depois dos comentários dos internautas? Se há pouca ética no mundo digital, quais são as consequências dessa falta de ética para a democracia?

Estas foram algumas das questões levantadas por Stephen Pritchard, presidente da Organization of News Ombudsman (ONO), entidade à qual o ombudsman da TV Cultura é filiado, antes de seguir para o Fórum Mundial de Editores, em Hyderabad, na Índia, no mês passado, para participar de um painel cujo tema em forma de pergunta diz tudo: as notícias online estariam mudando os valores e os padrões do jornalismo?

Em resposta ao pedido de sugestões feito por Stephen, o diretor executivo da ONO, Jeffrey Dvorkin, propôs reflexões instigantes que merecem ser compartilhadas com os telespectadores da TV Cultura. Tanto os que concordam quanto os que discordam do fato de esta página não ter espaço livre e irrestrito para comentários. Alguns trechos do email de Jeffrey:

Há uma crescente discussão na chamada ética online sobre até que ponto os blogueiros poderiam ou deveriam serem tratados de acordo com os mesmos padrões da mídia. E essa discussão tem muito a ver com a atual predisposição do jornalismo online por opiniões quase sempre sem base factual. Empresas como Yahoo e Google estão começando a tentar estabelecer um mínimo de padrões éticos para lidar com esse ‘faroeste’ jornalístico. E a maioria dos sites atualmente aceita a necessidade de moderadores, mesmo alardeando que aceitam o livre fluxo de idéias e opiniões.

Trata-se da busca de um equilíbrio difícil de ser alcançado, sim, mas os filiados da ONO estão muito acostumados com essa tarefa. Na verdade, a ONO é provavelmente a melhor ou a única organização em condições de dar assistência e aconselhar blogueiros e profissionais dedicados ao debate ético sobre as responsabilidades das chamadas mídias sociais.

É cada vez maior, na Internet, a presença de pessoas fortemente engajadas num determinado tipo de crítica à mídia. Elas são como ombudsmen instintivos que, vistos pelo lado positivo, procuram meios de aprofundar o compromisso com a auto-regulação do jornalismo. Pelo lado negativo, no entanto, podem ser pessoas que buscam autopromoção de forma caricata, irônica e desavergonhada. Trata-se de um novo campo que se abre. E nós (filiados à ONO) deveríamos discutir como poderíamos nos aproximar desses ouvidores informais para ajudá-los, sem que isso diminua a importância do que fazemos.

Diante dessas colocações, um outro filiado da ONO, Sanders LaMont, fez as seguintes observações:

Eu acho que as organizações jornalísticas não devem ter fóruns sem moderação. Fazê-lo seria abandonar os valores tradicionais do jornalismo, tornando o fórum algo sem sentido, já que ele seria inundado de spams e respostas automáticas programadas para potencializar certas opiniões, além de ficar sujeito a se transformar em plataforma de alguns poucos em detrimento de muitos outros.

Ao mesmo tempo, acho que qualquer iniciativa ou esforço para impor regras e padrões internacionais para as organizações jornalísticas não seria apoiada pela maioria delas e provocaria graves problemas legais, pelo menos nos Estados Unidos. Seria uma tarefa quase impossível.

Benvindo, portanto, caro telespectador, ao atual tsunami ético, profissional, cultural, econômico e empresarial que ainda avassala o mundo da comunicação…

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Alquimias na tela, 3 de dezembro

O que pode existir de comum entre o mundo dos praticantes de surfe, a experiência pedagógica da Escola da Ponte, em Portugal, as técnicas e aparelhos usados pela polícia científica de São Paulo e os prédios tortos da orla marítima de Santos? Difícil imaginar que esses temas tão diferentes possam ter sido ‘amarrados’, em termos de narrativa, durante um programa televisão de cerca de 30 minutos.

Pois foram. Essa alquimia televisiva aconteceu na edição do Almanaque Educação de 1º de dezembro, interligando diferentes momentos de mais uma aventura do jovem protagonista Cadu. Com um texto rico e bem-humorado – e, como sempre, a ajuda de seu competente elenco de apoio – o programa conseguiu, mais uma vez, ser Almanaque sem deixar de ser Educação. Ou vice-versa.

Registre-se um pequeno escorregão que vai mais para a conta da Educação do que para a do Almanaque: a falta de uma crase na frase ‘… tudo o que diz respeito as relações’, na legenda que ajudava o telespectador a entender o português de Portugal dos entrevistados que falavam da Escola da Ponte. E o amadorismo nos diálogos e interpretações nem sempre convincentes da dupla de meninos atores.

É evidente, no entanto, o forte compromisso da equipe do Almanaque Educação de fugir sempre da mesmice e do academicismo com muito humor, movimento, enfoques atraentes e outros recursos de linguagem e formato que só fazem justiça ao lema do programa. Um lema que não deixa de ser, também, um slogan muito adequado para a própria televisão: ‘a sua janela para o mundo’.

Boa notícia

Do diretor de produção da Fundação Padre Anchieta, Marcelo Amiky, recebo a informação de que as sugestões feitas aqui na coluna de 2 de dezembro (‘Caminho das Índias’) – sobre as vantagens de a emissora dar um olhar brasileiro e um tratamento de TV aberta para os excelentes conteúdos do projeto Cultura Discovery – serão levadas em conta nas próximas renovações de contratos para esse tipo de parceria.

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Caminho das Índias, 2 de dezembro

Não se trata de questionar aqui a exuberância e a impecável qualidade das imagens, o cuidado jornalístico do texto e muito menos a relevância do episódio de 1º de dezembro da série Mundo Cultura Discovery sobre a Índia. Afinal, à parte a importância menos imediata de sabermos um pouco mais sobre uma nação de 800 milhões de pessoas, trata-se de um país cada vez mais comparado e alinhado com o Brasil em termos econômicos e geopolíticos.

Também não é objetivo deste ombudsman questionar a boa audiência que e série vem obtendo, considerando os padrões – estes sim, bastante modestos – de audiência da emissora no horário. O que se propõe aqui é uma reflexão sobre o que poderia ser feito para que um conteúdo tão inequivocamente interessante como esse conquistasse um número cada vez maior de telespectadores da TV aberta – um público cujo comportamento diante da telinha é crucialmente diferente do das pessoas que têm TV por assinatura e estão mais acostumadas a programas do Discovery Channel.

É fácil notar, nesse sentido, que a série Mundo Cultura Discovery é uma simples transposição para um canal de TV aberta do formato básico do cabo, sem ancoragem carismática, sem intervenção alguma da equipe da TV Cultura, sem qualquer contextualização de conteúdo baseada em referências brasileiras e com uma narração que, embora feita em português, é burocrática e impassivelmente fria, não importando o que aparece na tela.

Esse modelo funciona satisfatoriamente para os canais de TV por assinatura, em qualquer país onde a série seja exibida, mas, para sensibilizar um pouco mais o contingente imensamente maior que teoricamente poderia estacionar o controle remoto na TV Cultura de São Paulo, Brasil, a série teria de ser adequada a esse público.

Potencial, no episódio exibido, era o que não faltava. Estavam lá, pedindo para serem comparados aos ‘similares’ brasileiros, a maior favela da Ásia, Dharavi (um milhão de pessoas comprimidas em menos de dois quilômetros quadrados), o líder comunitário que é venerado sem ter que usar a violência dos traficantes e chefes de milícia cariocas, a casamenteira Gita e suas festas luxuosas que humilhariam os melhores buffets paulistanos, a alta tecnologia dos indianos na área de informática, a religiosidade que – como acontece por aqui – desafia a modernidade, e uma explicação histórica para a divisão de castas que foi base da trama de uma recente novela brasileira, entre outros pontos de contato entre os dois países.

É claro que devem existir empecilhos contratuais que tornam impossível qualquer ‘mexida’ no conteúdo da série por parte dos exibidores brasileiros. É claro, também, que essa adequação da série ao público de TV aberta, se fosse possível, implicaria custos, equipes, horas de ilha de edição e equipamentos. Nada nos impede, no entanto, de pensar, discutir e pelo menos saber o que deveria ou poderia ser feito.

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Reunião de pais e mestres, 1 de dezembro

O Programa Novo continua sendo motivo de queixas e críticas, pelo menos no canal aberto para contato com este ombudsman. Pelo tom e pela presumível faixa etária dos signatários que procuram este ombudsman, a nova atração do início da noite da TV Cultura tem incomodado mais o público adulto, que reclama da veiculação de ‘música estrangeira’, da falta de conteúdos culturais e educativos e do uso que alguns consideram indiscriminado e descuidado de material alheio disponível na Internet.

Nas palavras de uma telespectadora, o programa, embora com a intenção de ‘retratar o universo jovem de uma maneira prática e descolada’, acabou ficando com um formato ‘estranho e largado’ no qual ‘as notícias e comentários parecem ser jogados ao telespectador, sem muito cuidado ou atenção’. A mesma telespectadora sugere que o programa seja ‘mostrado de outra forma, sem tanta bagunça’.

Há telespectadores que se queixam da abordagem, pelo Programa Novo, da vida de celebridades, alegando que esse tipo de assunto não estaria condizente com o que eles remetentes classificam como sendo ‘uma emissora educativa’, e da exibição de clipes considerados por eles de mau gosto.

Num dos emails, uma telespectadora, também presumivelmente adulta, reclamou que um programa ‘jovem demais’ assim não é de ‘bom tom’. Jovem demais? Bom tom? Em outro, o signatário atribuiu a saída do apresentador Carlos Carlos do programa ao fato de a TV Cultura ter sucumbido a um suposto ‘pensamento comercial’.

Há ainda os que criticam o fato de o Programa Novo antecipar o fim da programação infantil da emissora. Como o avô assumido que perguntou em seu email: ‘Quem teve a ideia de botar o tal do Programa Novo justo num horário em que minhas netas de seis e quatro anos gostavam de ver programas infantis na Cultura?’.

Como se pode ver, pelo menos na caixa de mensagens do ombudsman, há de tudo, ou quase tudo, quando o assunto é o Programa Novo: órfãos de programas deslocados da grade, avós incomodados, adeptos de teorias conspiratórias, defensores da programação educativa em tempo integral (incluindo horário nobre) e, claro, críticos agressivos (omitidos aqui, como sempre) e solidários do formato e dos conteúdos do Programa Novo.

Só não há, infelizmente, muitos telespectadores presumivelmente mais jovens, criticando ou elogiando o programa. O que nos remete para dois problemas.

O primeiro é a constatação de que a discussão sobre os prós e contras do Programa Novo – que existem e deveriam ser debatidos num ambiente menos carregado – tem tido uma forte e indesejável carga de paternalismo e preconceito. Algo como reunião de pais e mestres em colégio religioso, sem os alunos. O outro problema é a sensação de que este ombudsman, por algum motivo, não está conseguindo se apresentar como alternativa interessante ou eficiente de comunicação dos telespectadores mais jovens com quem decide e dirige a programação da TV Cultura.Tanto os jovens que gostam quanto os que não gostam do Programa Novo.

Uma profunda reflexão se faz, portanto, necessária.

De todos nós…

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Por trás das câmeras e violinos, 30 de novembro

Acabo de assistir o concerto da Orquestra Acadêmica na Sala São Paulo. Parabéns, espetáculo maravilhoso! Nessas horas, eu sinto um absoluto orgulho de ser brasileiro e paulista. Que beleza, meu Deus do Céu. Obrigado. Não é todo dia que nós, telespectadores, temos oportunidade de ver essas coisas’.

Este email assinado por Luiz Freire, de Santos, e recebido por este ombudsman em agosto passado, é emblemático da paixão e da intensidade de um grupo muito especial de telespectadores da TV Cultura. Eles costumam ser exigentes, não gostam de concertos interrompidos por intervalos comerciais, têm um apetite irrestrito por documentários sobre pianistas, violinistas e regentes e, mesmo sabendo que a batalha é difícil, em função da demanda por outros conteúdos, nunca deixam de pedir mais espaço e horários menos tardios para a música clássica na grade de programação da emissora.

Em resposta a um desses telespectadores – no caso, uma mensagem que questionava o profissionalismo da equipe responsável pela transmissão dos concertos – o gerente de produção Alexandre Tondella escreveu um email cujo conteúdo deixa claro a injustiça do questionamento do telespectador. Vale transcrever aqui alguns trechos do email:

A TV Cultura é a única emissora que grava e transmite os melhores concertos da cidade de São Paulo. A programação da Cultura reserva quatro espaços para a música de concerto: o programa Clássicos (terças e quintas), Clássicos Acervo (domingos de manhã) e Prelúdio (domingos, à tarde). Isso já não é pouco se pensarmos que as grandes redes de televisão não prestigiam o músico brasileiro nem as grandes orquestras internacionais que visitam o nosso país.

O investimento tecnológico que a Cultura tem feito é grande. Todos os concertos são gravados e exibidos em alta definição. Como todos sabem desde os anos setenta, constantemente gravamos na Sala São Paulo, no Teatro Alfa, no Teatro Municipal, no Auditório Ibirapuera e em outras salas da cidade.

Nossa equipe de captação é formada por profissionais que costumam gravar frequentemente eventos musicais. É de praxe os diretores de programa e de TV acompanharem os ensaios das orquestras. Antes de iniciarem as captações, os câmeras recebem instruções dos diretores. Além disso, durante a gravação, os operadores de câmera ouvem as orientações verbais de um assistente de corte que ‘canta’ as entradas dos instrumentos. Esse assistente é necessariamente um maestro que estuda a partitura e fala com os técnicos.

Gravamos os eventos com no mínimo seis câmeras que captam paralelamente ‘takes’ distintos para serem editados posteriormente na montagem do programa. Nossos programas já foram aprovados por maestros como John Neschling, Jamil Maluf, Roberto Tibiriçá e Júlio Medaglia, entre outros. Para não ficar só com os brasileiros, cito também a parceria que a TV Cultura fez com uma emissora alemã para a transmissão ao vivo do Concerto de Ano Novo 2008/2009 da OSESP. Esse evento foi transmitido para o Brasil e a Europa em tempo real.

Acompanho de perto todo o processo e acredito que em termos de som e imagem não estamos muito atrás de grandes produções internacionais. A evolução tecnológica e a constante vontade de acertar são as molas propulsoras do nosso trabalho.

Alexandre Tondella’