Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ernesto Rodrigues

‘O Especial Cultura ‘Tancredo Neves – Cem anos de uma história’, que o patrocinador chamou o tempo todo de ‘Cem anos de Tancredo Neves’, teve um tratamento de honra nas chamadas da programação e, exatamente por este motivo, criou uma considerável expectativa em relação ao programa exibido na noite de 4 de março.

O que se viu no ar, no entanto, foi um especial que, além de abusar no peso e na porcentagem do material de arquivo em relação à produção inédita, foi lamentavelmente impreciso na informação sobre a data em que cada depoimento foi gravado originalmente.

Ao longo dos quatro blocos, foi quase sempre difícil ou impossível saber quando certos personagens importantes da cena política brasileira das últimas décadas – como Fernando Henrique Cardoso, Franco Montoro, José Sarney, Jarbas Passarinho e outros – deram determinados depoimentos.

Outra característica que conspirou contra o objetivo original de resgatar a história e o papel de Tancredo Neves foi um certo desvio temático ao longo da narrativa, a ponto de, em alguns momentos, o programa parecer mais um documentário genérico sobre a recente história política brasileira do que um perfil do político mineiro. Exemplo: a campanha das Diretas Já, na qual Tancredo foi apenas um importante coadjuvante. Tancredo, aliás, esteve ausente até no cenário escandalosamente verde à frente do qual a competente Laila Dawa apresentou os blocos do programa.

Faltou ainda, além de um pouco mais das tiradas antológicas do personagem – nem que fossem lembradas com caracteres sobre a foto dele – mais análise sobre o papel de Tancredo, sobre o tipo de política que ele representou e sobre as críticas que ele sofreu, como a de articular a eleição indireta já durante a campanha das Diretas Já. Faltou, acima de tudo, um esforço de produção um pouco maior do que o de ouvir apenas um único cientista político – Octaviano Nogueira – sobre a importância de Tancredo na história brasileira.

O programa cresceu em densidade e impacto na boa reconstituição jornalística do dramático dia 14 de março de 1985, com uma narrativa e uma edição que, em alguns momentos, remeteram o telespectador para os documentários de primeira linha. Infelizmente, porém, prevaleceram mais as lacunas. Uma delas, a propósito, foi a falta de uma simples menção que fosse ao juízo que faziam, um do outro, Tancredo Neves e um certo Luís Inácio Lula da Silva.

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Altos e baixos da noite (4/3/10)

O Metrópolis de 3 de março fez uma opção sofrida de abertura do programa, ao eleger para esta posição de honra do script uma filmagem precária do show da banda Cold Play que, como a própria apresentadora Adriana Couto salientou, se deveu ao fato de a produção do evento não ter permitido que o cinegrafista da TV Cultura ficasse num local melhor para captar as imagens.

A primeira matéria especial da série ‘Bolão do Oscar’ era uma alternativa bem mais saborosa para abrir o programa e seduzir o telespectador para o que vinha depois. A crônica sobre os favoritos a melhor filme e melhor diretor, além de ter sido enriquecida por bons comentários dos críticos de cinema Ricardo Calil e André Nigri, tinha um texto inspirado e era ilustrada por bons clipes tanto de concorrentes como ‘Avatar’, ‘Bastardos inglórios’ e ‘Guerra ao terror’ quanto de históricos injustiçados pela academia como Cidadão Kane e Apocalipse Now. E terminava com a informação sobre o sargento americano que diz ser sua a história contada em ‘Guerra ao terror’.

Outra matéria importante do programa, com depoimentos de Morena Nascimento, James Nunes e Marcela Reichelt, três bailarinos brasileiros que partiram para carreiras solo, apesar das imagens requintadas e da edição irretocável dos respectivos portfolios, não oferecia ao telespectador um ingrediente fundamental em qualquer conteúdo jornalístico: como, onde e quando cada um dos bailarinos pretende realizar o sonho de brilhar sozinho nos palcos.

A destacar, porém, na mesma edição do Metrópolis, a surpreendente solução videográfica adotada na arte que ilustrou uma pesquisa sobre os hábitos de leitura do brasileiro. Aqueles zoom-ins e zoom-outs se movimentando em uma única base gráfica tomada por números e palavras-chave da reportagem remetem para um novo e instigante conceito de infografia em televisão. Que tal experimentar mais?

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Sintonia (3/3/10)

O Jornal da Cultura de 2 de março deu um bom exemplo de como se pode fazer bom telejornalismo na cobertura internacional, mesmo não havendo condições de se enviar repórteres para o exterior. O bloco do jornal dedicado à tragédia do Chile, além de dar um competente tratamento de texto e edição ao material oferecido pelas agências internacionais, concentrou-se menos nas estatísticas sanguíneas e mais em dois aspectos da catástrofe: o drama dos que querem sair ou deixar o país e a gravidade até certo ponto surpreendente do problema dos saques a lojas e supermercados do país.

Esta explosão social, aliás, talvez merecesse uma entrevista com um cientista político, relacionando-a (ou não, é claro) ao fato de ela ter o ocorrido no país sul-americano que, nas últimas décadas, foi o que mais aderiu ao salve-se quem puder da economia globalizada.

A equipe do Jornal da Cultura também aproveitou a cobertura do terremoto no Chile para oferecer mais uma explicação (acompanhada de videografismos) sobre a freqüência dos tremores que o planeta sofre a cada ano – inacreditáveis 400 mil – e sobre a famosa e incompreendida escala Richter. Houve um revelador flagrante comportamental da câmera de uma discoteca chilena cujos freqüentadores demoraram longos minutos para se darem conta de que o que estava tremendo – e muito – era o país e não a pista de dança.

Fechando o bloco sísmico – e indo de encontro à tendência geral que nós, telespectadores, temos de dar atenção prioritária a temas que nos assustam, impressionam ou mobilizam sazonalmente, o JC exibiu imagens da chuva que causou destruição em várias cidades do Peru, acompanhadas de imagens de arquivo de outra chuvarada que devastou a mesma região em janeiro passado.

Na mesma linha de aproveitar fatos marcantes para entrar em assuntos mais raros da pauta – no caso, a morte do empresário e bibliófilo José Mindlin – o JC fez uma matéria de campo sobre dois sebos mantidos, respectivamente, por um metroviário e uma comerciante.

Esses dois ‘mergulhos’ foram dados sem prejuízo do primeiro compromisso de um telejornal de rede como o Jornal da Cultura, que é o de mostrar os fatos importantes do dia no país e no mundo. Estavam lá a passagem do presidente Lula por São Paulo, a cobertura do mensalão do DEM do Distrito Federal, o início da contagem regressiva dos 100 dias que nos separam da Copa da Mundo, o amistoso da seleção em Londres e a descoberta de gelo em crateras da Lua, entre outros acontecimentos.

Foi um bom telejornal, que ofereceu ao telespectador, além de notícias, algo que às vezes falta horas a fio na grade de programação da TV Cultura: sintonia com a pulsação da cidade, do país e do mundo.

Resposta

Falando em Jornal da Cultura, transcrevo resposta do Coordenador do Núcleo de Jornalismo da TV Cultura, Paulo Fogaça, ao telespectador Ronan Mello, que enviou emal a este ombudsman – publicado na coluna intitulada ‘Notícias de 2010, de 2 de março – pedindo informações sobre os planos do núcleo para este ano:

‘Prezado Sr. Ronan,

Agradecemos a confiança depositada no trabalho do jornalismo da TV Cultura. O Jornal de Cultura está passando por uma mudança de conteúdo e forma que pretende justamente atender do espectador atento e criterioso, representado por esta sua mensagem gentil. Podemos assegurar ainda que a mudança em andamento é parte de uma visão do jornalismo como prioridade da emissora em 2010. Palavras como as suas certamente servem de estímulo a toda a nossa equipe neste nosso trabalho.

Um abraço,

Paulo Fogaça’

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Na hora certa (2/3/10)

O incomparável acervo de entrevistas do Roda Viva serviu, mais uma vez, não apenas para demonstrar a importância do programa na história do telejornalismo brasileiro. Serviu também para provar que uma reprise, se programada na hora certa e sem a notória missão de tapar buracos da grade – como vem acontecendo na atual entressafra da programação da TV Cultura – às vezes ganha um impacto e uma relevância que nenhum programa inédito conseguiria obter.

A decisão da TV Cultura de reprisar, no Roda Viva de 1° de março, a entrevista gravada com José Mindlin no final de 2006, ainda teve um outro ingrediente que, além de valorizar a própria reapresentação, certamente agregou audiência, quaisquer que tenham sido os índices apurados pelo Ibope: a participação de Paulo Markun no cenário atual do Roda Viva, lembrando, na abertura e no início de todos os blocos do programa, a morte de Mindlin no fim de semana, aos 95 anos, e destacando sua importância no cenário cultural, político e econômico do Brasil das últimas décadas.

Quem assistiu ou reviu a entrevista – apresentada por Markun e com a participação de Manuel da Costa Pinto. Daniel Piza, Norma Couri, Alberto Quartim de Moraes, Luís Krausz e Luís Francisco de Carvalho Filho – esqueceu rapidamente que ela tinha sido gravada havia quatro anos quando José Mindlin começou a falar da paixão pelos livros, de sua atuação política em momentos cruciais da história recente do país, do não que deu ao convite para participar da vaquinha de empresários paulistas para financiar a tortura, da inusitada experiência com os assaltantes que ameaçaram botar fogo em sua biblioteca, da experiência à frente da Metal Leve e de sua contagiante vontade de viver e ler aos 92 anos de idade. Tudo temperado com elegantes estocadas na hipocrisia dos que fingem gostar de literatura.

Metrópolis

Registro e transcrevo uma resposta do editor-chefe do Metrópolis, Anderson Lima, à queixa da telespectadora Neide Gomes, publicada aqui na coluna de 1° de março (‘Notícias de 2010’) e relacionada à ausência do repórter e apresentador Cunha Jr no programa. A resposta de Anderson é uma interessante reflexão sobre os rumos do Metrópolis. A ela:

Cara Neide,

Agradecemos o seu contato, que nos ajuda a refletir sobre nossas decisões. Realmente, você tem razão: o Metrópolis não é mais o mesmo. E é de propósito. Um programa que está há 22 anos no ar tem que mudar, tem que se reciclar (como aconteceu com outros programas tradicionais da TV brasileira).

Hoje em dia, com tanta informação disponível em mais de uma centena de canais e milhões de páginas de internet, qual o sentido de fazer o mesmo? Cada vez mais, nosso desafio é trazer um programa novo diariamente. Com isso, as mudanças passam não apenas pelo conteúdo, mas também pela apresentação do programa – que aliás, sempre foi muito bem desempenhada pelo Cunha. Tanto que ele participa ativamente do programa como repórter especial e comentarista de cinema (você já deve ter visto, todas as quintas-feiras ele vai para o estúdio falar das estreias – com exceção das últimas semanas, porque está de férias).

O programa ficou melhor? Ficou pior? Não cabe à gente dizer. São os telespectadores, como você, que devem nos dar esse retorno – e por isso te agradecemos. O que posso te dizer é que constatamos retornos de qualidade e de audiência (um dos termômetros de desempenho) muito positivos. Agora, tenha certeza de que nosso objetivo principal é transformar para melhor atender às expectativas do nosso público.

Claro que nenhuma mudança agrada a todos. Não seria diferente no caso da apresentação do Metrópolis. É tudo uma questão de tempo e adaptação. Faça deste um instrumento de comunicação com a gente.

Um abraço!

Anderson Lima

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Notícias de 2010 (1/3/10)

Caixa de Mensagens

O telespectador Ronan Augusto Batista de Melo enviou um email que é um bom motivo para que o Núcleo de Jornalismo se manifeste sobre os projetos previstos para 2010. Transcrevo um trecho do email:

‘Gostaria de saber se a Cultura investirá neste ano no jornalismo. Gostaria de ressaltar que a emissora produz programas jornalísticos de ótima qualidade e não é de se admirar que grandes apresentadores da TV brasileira passaram por aí (…) O que espero como telespectador é que nesse ano o jornalismo volte a ser uma prioridade da emissora.’ (Ronan Augusto Batista de Melo, Agudos, SP)

E o Cunha?

Em outro email, a telespectadora Neide Gomes faz uma pergunta que deve estar na boca de muitos admiradores do programa Metrópolis: ‘Sou telespectadora da Cultura desde sempre, isto é, há 40 anos, e sempre admirei muito seu trabalho e filosofia e respeito pelo público. Agora me sinto frustrada: adoro arte, assistia diariamente o Metrópolis – pioneiríssimo diga-se de passagem – mas ele sem o Cunha Júnior não é o mesmo, definitivamente. Não é ser estanque, é que o Cunha tinha total identificação com o que fazia. Cunha, onde está você? (Neide Gomes, Santo André, SP)

Programa Novo

O terceiro email selecionado é uma dura crítica de um telespectador ao Programa Novo, mais exatamente às edições que vêm sendo reapresentadas desde o final do ano passado. Apesar do tom e de comparações injustamente agressivas – que deliberadamente não transcrevo – cito algumas críticas pensando menos em dar total razão ao telespectador pelo que foi ao ar em 2009 e mais no que a equipe do programa esteja planejando ou produzindo para a temporada de 2010.

O telespectador critica o que chama de ‘apatia conformista’ do programa em relação às ideias e ideologias e lamenta que o Programa Novo não ofereça ‘uma discussão de mais complexidade e crítica’ em lugar de ‘simples gadgets’. Ele também vê ‘artificialidade’ no desempenho dos apresentadores e diz que outros assuntos são mais do que ficar sabendo das últimas ‘pérolas’ que as celebridades e personalidades estão dizendo em seus twitters e páginas de relacionamento. Criticou ainda o fato de o Prohrama Novo não retratar a diversidade musical brasileira, de se dedicar à ‘dimensão do banal e do entretenimento’ da Internet em vez de explorar as ‘possibilidades de transformação’ oferecidas pela rede.’