Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Fotos do Haiti: a humanização da tragédia

‘É sempre difícil olhar para algumas das fotos de sofrimento e mortes causadas pelo terremoto no Haiti, mas é impossível ignorá-las’, constatou o ombudsman do New York Times, Clark Hoyt, em sua coluna de domingo [24/1/10]. A capa de uma das edições recentes do jornal trazia a imagem de uma mulher com a mão no rosto, em estado de choque, andando perto de cadáveres ao longo da rua. Em outra edição, uma foto ainda maior na primeira página retratava um homem morto coberto de poeira, ao relento.

Alguns leitores disseram ter ficado ofendidos com as cenas estampadas no jornal e no site do NYTimes, classificando-as de sensacionalistas. ‘As diversas fotos mostrando corpos nas ruas de Porto Príncipe são desnecessárias, anti-éticas e desumanas’, afirmou o leitor Randy Stebbins. Outros compreenderam a importância das imagens fortes. ‘Uma foto de um bebê deitado sobre a mãe morta me fez chorar. Mas não dá para ignorar’, escreveu Mary Louise Thomas. ‘De que outra maneira vão me motivar a doar dinheiro para ajudar os haitianos?’, disse Mary Claire Carroll, ressaltando que, na opinião de seu filho, os americanos ‘se protegem demais do mundo real’.

Todo desastre que produz cenas deste tipo gera discusões entre editores e fotógrafos, que têm o desafio de contar a verdade sem cruzar a linha do sensacionalismo. Em 2004, quando um tsunami matou milhares de pessoas na Ásia, o NYTimes publicou uma foto dramática de uma mulher cercada de crianças mortas – entre elas, seu filho. Alguns leitores reclamaram da imagem, mas o primeiro ombudsman do jornal, Daniel Okrent, concluiu que foi acertada a decisão de publicá-la. ‘Foi um resumo da tragédia’, afirmou.

Compartilhando a dor

Hoyt pediu a Kenneth Irby, que lidera o grupo de jornalismo visual do Poynter Institute, para avaliar as fotos do Haiti. Irby é fotógrafo e pastor, e o melhor amigo de sua mulher é haitiano. Para ele, a cobertura do NYTimes foi verdadeira, de bom gosto e direta. Ele esteve em contato com vários fotógrafos no Haiti, que lhe disseram que os sobreviventes querem que o mundo veja o que está acontecendo.

O fotógrafo Damon Winter, que tirou algumas das fotos mais chocantes da tragédia, concorda. Winter, que ganhou um Pulitzer no ano passado por sua cobertura da campanha presidencial de Barack Obama, foi o primeiro fotógrafo do NYTimes a chegar ao Haiti após o terremoto – em sua primeira experiência no país e em um desastre natural. ‘Muitas pessoas chegaram a mim para implorar para vir as suas casas e fotografar os corpos de seus filhos, irmãos, pais. Muitas vezes tive que me desculpar e dizer que não podia, pois já havia fotografado muitos cadáveres. Acho que isto os decepcionava, pois queriam que todos soubessem o que aconteceu com eles, o quanto estavam sofrendo e como precisavam desesperadamente de ajuda’, contou.

Jessie De Witt, editora de fotos internacionais, informou que Winter enviou ao diário 26 fotos no seu primeiro dia no Haiti, incluindo a imagen dos corpos na rua, publicada na capa. No dia seguinte, foram 65 fotos. Michele McNally, editora-assistente de fotografia, explicou que avaliava cada foto quando a que mostrava um homem morto sozinho lhe chamou a atenção. Segundo o editor-executivo do jornal, Bill Keller, a equipe do jornal considerou que a imagem ‘humanizaria a tragédia’. E, por isso, apesar de ser extremamente crua e cruel, foi estampada na primeira página.