Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Guálter George

‘A primeira nota saiu na coluna Vertical da última segunda-feira, dia 31 de maio, sob o título ‘questão’. Dizia ela ter vindo agora à tona parecer da Procuradoria Geral de Justiça, datado de fevereiro, considerando ilegal a eleição do desembargador Haroldo Rodrigues como corregedor-geral do Tribunal de Justiça. Uma informação passada ao leitor sem maior compromisso aparente de contextualização, tratando de maneira banal algo que está longe de sê-lo. No comentário interno daquele dia fiz ver o meu pensamento sobre o assunto, manifestando o convencimento de que tratáramos mal um tema que é caro à sociedade cearense. Tema, inclusive, já abordado antes nesta coluna, em 1º de fevereiro último, quando analisei o silêncio que O Povo adota, desde algum tempo, em relação à disputa política interna que se trava dentro do Judiciário do Ceará, com respingos inevitáveis à imagem e ao funcionamento do Poder. A partir de cobrança aos meios locais de comunicação, feita em artigo do dia 20 de janeiro, pela jornalista Adísia Sá, naquela oportunidade discuti o tema com a direção do jornal e o comando da Redação. Dali, tirou-se o entendimento de que os novos passos da crise estavam sob nosso acompanhamento e, diante de razões justificadas, ela voltaria à pauta. Até me considerei, à época, convencido de que assim seria. Eis que aparece a nota na Vertical e duas outras subseqüentes, publicadas nos dias 1º e 2 de junho, últimas terça e quarta-feira, as quais continham as versões dos desembargadores Haroldo Rodrigues e Hugo de Alencar Furtado.

Eles brigam e nós apanhamos

Pretendo me apegar menos aos argumentos de um e outro, contra um e outro, contidos nas notas que dão mote a esta coluna. Na verdade, quero discutir a postura adotada pelo jornal diante do fato, optando por isolá-lo numa coluna da página 2, quando, acho, existiriam suficientes motivos para levá-lo a um tratamento mais amplo, onde fosse possível discutir melhor o que hoje se passa dentro da Justiça. É fato, conforme alega a Chefia da Redação e admite o próprio editor da Vertical, que se poderia, mesmo naquele espaço, abordar o assunto melhor e com mais detalhes. No entanto, ficando apenas lá entendo difícil, quase impossível, dimensionar ao leitor o que representa a existência de correntes dentro de um Poder, dividindo-o, e o prejuízo que pode acarretar à sociedade o fato de desembargadores viverem um processo de disputa que parece não ter fim. Há necessidades criadas pelo cenário ali posto que exigem espaço para serem apresentadas e discutidas, mostrando a crise de credibilidade pela qual o Poder passou recentemente e ainda hoje faz esforço para dela se recuperar. Enfim, há elementos vinculados à pauta que, segundo entendo, uma linguagem de coluna jornalística, por conceito sucinta, nunca poderia atender de maneira plena. Por mais lida que ela seja, por melhor que seja quem a assina, havia pouco espaço para ir além do que a Vertical alcançou. Faltou-nos perceber isso, ficando na hipótese menos política ao buscar justificativas para a postura do jornal diante do fato.

A disputa pelo cargo é um detalhe

A questão é: dois desembargadores não podem ficar trocando acusações através de notas numa coluna e nós a tudo assistirmos avaliando que se trate de uma pendenga pessoal de menor importância. São dois desembargadores, vale enfatizar, um deles ex-presidente do Tribunal de Justiça. Trata-se, portanto, de algo maior do que uma briga por espaço dentro de um Poder, especialmente quando este vivencia por longo tempo uma situação que só pode preocupar a quem considere a existência de uma Justiça equilibrada e acreditada condição essencial para sairmos da encruzilhada histórica na qual nos encontramos. O que imaginava, ao encerrar o debate sobre a crise do nosso Judiciário na coluna de fevereiro, era que voltaríamos a tratar dela com a abordagem que faz por merecer. Sentimento que não vi atendido nas notas que a Vertical publicou em três dias seguidos da semana passada.

Porque a pauta estava cheia

O editor-adjunto do núcleo de Conjuntura, Artur Ferraz, é tranqüilo na apresentação dos seus argumentos em defesa do caminho pelo qual optou a Redação, mantendo o assunto confinado à coluna. Segundo ele, uma avaliação feita a partir da primeira nota concluiu que o tema não era suficientemente forte para justificar um reordenamento de prioridades na pauta de Política, naturalmente cheia em anos eleitorais, como este 2004. Considerou-se, ainda, um estranhamento, que não nos caberia, em relação ao vazamento apenas agora da existência de um parecer de fevereiro no Ministério Público sobre o caso, o que configuraria um interesse a justificá-lo. Fosse este um critério de peso para decidirmos o que publicar ou deixar de fazê-lo, restaria muito pouco a colocar nas páginas. A editora-chefe Fátima Sudário reforça a tese de que a decisão de não tratar o assunto através de matérias foi eminentemente editorial, tomada pelo Núcleo, embora adiante que, pessoalmente, considera que a Vertical poderia ‘ter ampliado e contextualizado o tema’ sem necessidade da abertura de outros espaços no jornal. Ou seja, também pra ela foi acertada a decisão dos editores setoriais de não pautar o assunto.

A sensibilidade que fez falta

Fica claro, assim, que prevaleceu o entendimento de que se trata de um fato que pouco tem a ver com a credibilidade da Justiça. Pergunta-se, então, o que pode ser capaz de sensibilizar aos editores de Conjuntura e à nossa Redação? Ficou claro que um desembargador acusar um outro de não merecer a confiança dos pares, por exemplo, não o consegue. É evidente que o conteúdo do que se publicou na Vertical ao longo de três dias, descontextualizado, sem dar ao leitor condições de saber o que envolve aquela circunstância de uma briga pontual por um cargo no Judiciário, diz respeito ao interesse de cada um de nós, mais do que aos personagens diretamente envolvidos na notícia, Faltou-nos, no caso, a percepção para vislumbrar, por trás do fato, justificando-o em grande parte, uma crise política dentro de um Poder que, quanto mais fraco, mais forte será a impunidade que vive a justificar uma parcela expressiva dos males que hoje nos afetam. Os que estão no meio da briga, emocionalmente envolvidos por ela, deixaram de perceber isso faz algum tempo. Preocupa, agora, perceber que também nós trilhamos pelo mesmo caminho.’