Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Guálter George

‘Manchete do O POVO do último dia 3: ‘Justiça libera bens de Juraci’. Informação que, naquele dia, trazíamos sozinhos, apesar da fonte anunciada no texto da página 21 ser a Assessoria de Imprensa do Prefeito de Fortaleza. Três dias depois, na terça-feira, (6/07), sem o mesmo alarde, esclarecíamos em matéria da editoria de Política, página 20, com discreta chamada na capa, que, na verdade, a decisão judicial mantinha indisponíveis os bens de Juraci, liberando de bloqueio anterior apenas o contrato entre a Prefeitura de Fortaleza e o Instituto Curitiba de Informática, que fornece o Cartão Saúde. Neste segundo texto, a Redação tenta minimizar sua responsabilidade no erro, ou eliminá-la, fazendo constar que a fonte da informação desmentida fora a assessoria da Prefeitura. É o caso de se perguntar: e o leitor com isso? A responsabilidade da fonte cessa a partir de quando o jornal acolhe a informação, apura, obtém suas conclusões próprias e as faz chegar ao público na forma de notícia.

A FONTE DIZ QUE NÃO DISSE

Diante do cenário exposto anteriormente, o caso já merecia uma reflexão profunda. No entanto, algo de mais grave ainda aconteceria. O jornalista Luis Carlos de Carvalho, o assessor que passou a informação à Redação, procurou o ombudsman na quarta-feira para assegurar que em nenhum momento disse que a decisão judicial liberava os bens pessoais de Juraci Magalhães. ‘Falei apenas sobre o Cartão Saúde. A repórter chegou a me perguntar quanto aos bens do prefeito, mas eu disse que não sabia de nada, lembrando, inclusive, haver sobre isso um segredo de Justiça’. Luis Carlos diz que a parte pessoal do processo, relacionada ao bloqueio dos bens particulares de Juraci, ‘está entregue, acredito, a um outro advogado, que, sinceramente, nem sequer sei quem seja. Certo é que a Procuradoria do Município e a Prefeitura não atuam nesse caso’.

A REPÓRTER DIZ QUE A FONTE DISSE

A repórter Viviane Lima, que fez o contato com Luis Carlos, sustenta que partiu dele a informação levada à manchete principal do jornal. Ela encaminhou um relato pormenorizado, por escrito, no qual roteiriza todo o processo de apuração que culminaria com o texto que assinou na edição do dia 7 passado. ‘O que ele (Luis Carlos) disse que não sabia, e alegou o segredo de Justiça, era se também o ex-secretário Adelmo Martins e o presidente do Instituto Curitiba de Informática, Luiz Alexandre Fagundes, seriam beneficiados com a mesma decisão’.

São dois profissionais que, posso dizer, merecem todo o crédito diante dos históricos construídos nas respectivas trajetórias como jornalistas. O problema é que parece difícil, sem que haja prova de nenhum dos dois lados, e ela não existe, dizer com quem está a verdade. É o típico caso em que não cabe qualquer juízo de valor, até em respeito às duas pessoas envolvidas.

É NOSSA E NINGUÉM TASCA

O episódio expõe, por outro lado, um problema que comumente nos afeta e nasce de uma visão equivocada sobre o papel da fonte no processo de elaboração da notícia. A responsabilidade pelo que o jornal publica é do jornal. Uma versão que nos chegue e seja transformada em notícia, após passar pelos processos internos naturais de apuração, passa a ser a verdade com a qual trabalhamos. Deixa, já, de ser apenas uma versão. Portanto, diante do caso da manchete com os bens do prefeito, em meio a duas versões que se contradizem, resta-nos perceber que a responsabilidade da assessoria cessou no momento em que decidimos publicar a matéria, conferindo-lhe status de manchete, inclusive. A partir de então a responsabilidade passa a ser do jornal e lhe cabe assumi-la por inteiro, buscando saber, naturalmente, o que falhou no processo impedindo-o de detectar o erro a tempo.

DOIS COCOS POR UMA BOA MANCHETE

Os dois maiores jornais do Ceará, que se vangloriam, com razão em muitos aspectos, de nada ficaram a dever a outros órgãos nacionais e, até, mundiais, encontram-se atualmente envolvidos numa constrangedora, para seus jornalistas, disputa por leitores. De repente, O POVO e Diário do Nordeste descobriram que por trás de todo apreciador de água de coco há um potencial consumidor de notícias. Eis, assim, os dois importantes órgãos da comunicação impressa local associando-se a vendedores e comerciantes da orla marítima para estabelecer uma inusitada estratégia de venda casada. Em ambos os casos, um exemplar de jornal vale dois cocos geladinhos. Pode ser o contrário, também, fazendo com que a compra de dois cocos permita levar, ‘de agrado’, um exemplar de jornal. Típica promoção que provoca no jornalista uma sensação de incômodo, válida que seja dentro de um ambiente onde a concorrência fala mais alto. A verdade é que as estratégias de crescimento dos jornais cada vez consideram menos a força editorial, o conteúdo jornalístico, como ponto de partida para uma ação de crescimento da aceitação junto ao público. Seria injusto desconhecer que, no caso do O POVO, tal promoção, desmoralizante que seja, se dá em meio a mais um investimento do jornal no seu conteúdo gráfico-editorial. Uma verdade irrefutável, tanto quanto é irrefutável a triste constatação de que para vender um jornal hoje, muitas vezes nos obrigamos a oferecer junto um pãozinho, uma água de coco, um penduricalho que seja.

O diretor de Circulação do O POVO, Demócrito Filho, defende a promoção e a justifica. Segundo diz, a intenção não é alavancar as vendas do jornal, preferindo lhe dar caráter ‘mercadológico, como iniciativa que pensa mais em surpreender o cliente do que propriamente em fazer crescer os números de exemplares vendidos’. A iniciativa, para ele, ajuda a consolidação da marca, somando-se às ações do cotidiano editorial para fortalecê-la. Ou seja, na versão dele nada tem de anabolizante.’