Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Guálter George

‘O esforço que faz O Povo, na sua linha editorial, para proteger as fontes de suas notícias, especialmente as que veicula na área policial, merece reconhecimento público. O problema está na falta de um padrão de critério que permita ao leitor saber porque em alguns casos pessoas acusadas são expostas com nomes e sobrenomes, enquanto em outras verifica-se uma cuidadosa proteção. Vê-se, na verdade, que o pressuposto de que todos somos inocentes até prova em contrário é aplicado em alguns casos e desprezado em outros. Os quatro PMs suspeitos de envolvimento com assaltos na região de Morada Nova, por exemplo, são tão ‘culpados’ quanto os dois PMs acusados de matar a pancadas um rapaz no Parque Água Fria, em Fortaleza, indo buscar exemplos em dois fatos noticiados pelo jornal recentemente. O que não se consegue justificar, acho, é que no primeiro caso os nomes tenham sido apresentados ao leitor, enquanto no segundo os acusados da prática de abuso de autoridade, com o provável resultado de uma morte, permaneçam no anonimato pelo respeito a um critério que se aplica conforme condições que não parecem claras. Ou, pelo menos, justas.

Foram citados porque estavam presos

O assunto já veio à discussão outro dia a partir do caso em que um flagrante de ligação clandestina de energia em mansão do Cumbuco resultou em matéria jornalística na qual se expunha os nomes dos dois caseiros presos e se omitia o do proprietário. Ficou a impressão para vários leitores, apesar dos fartos argumentos de defesa da Redação, de que a condição sócio-econômica dos envolvidos determinara os tratamentos diferenciados naquele episódio. Nestes, porém, onde de um e de outro lado há policiais militares de uma mesma corporação, com soldos certamente próximos entre eles, o que pode haver determinado as formas diferentes de enxergar o fato? Eis a explicação, encaminhada pela editora-adjunta do Núcleo de Cotidiano, Lisianne Mossmann: ‘no caso de Morada Nova os PMs nomeados estavam presos por cinco dias para averiguações (…) Caso eles não tivessem sido detidos, com certeza, teríamos preservado os nomes’. Começo a entender a questão e, com isso, vejo que o problema é ainda maior. Parece momento de se discutir os critérios que estamos aplicando.

Nem todo inquérito condena

O rigor que O Povo pretende aplicar imporia, na verdade, um comportamento diferente do que temos adotado e que, na mais simples das hipóteses, poderíamos chamar de ‘dúbio’. Para tornar público um nome o jornal precisaria ter a certeza de sua culpa, algo somente possível depois de concluído todo o processo de apuração, ou seja, após o acusado passar à condição de condenado. Este ponto de vista indica que os PMs do caso de Morada Nova, cujos nomes foram divulgados pela primeira vez na edição do dia 18 último, parecem tão ‘culpados’ quanto os PMs que o pai de um jovem de 20 anos acusa de terem espancado seu filho até a morte, fato objeto de matéria publicada na edição do dia 10. Estes últimos, porém, mantidos no anonimato sob o questionável argumento de não ter sido aberto, até aquele momento, qualquer investigação oficial contra eles. O fato de uns estarem presos e outros não, ao contrário do que faz supor o tratamento diferente oferecido, pouco alteraria a situação legal em ambos os casos. Considerado este cuidado, como faremos se os acusados da prática de assaltos no Interior forem inocentados ao fim da investigação a que se encontram submetidos? Passaremos uma ‘borracha’ na informação anteriormente veiculada?

A verdade é que estamos aplicando mal uma norma jornalística do O Povo. Não é a prisão ou a abertura de inquérito que nos deixa livres para expor nomes de acusados, mas critérios de grau maior de objetividade, como o flagrante, o fato de ser réu confesso ou a aceitação de denúncia pelo juiz. É necessário buscarmos uma forma que, primeiro, padronize melhor o nosso tratamento para questões do gênero. Depois, algo que contemple a necessidade de oferecer ao leitor a informação mais completa possível, o que muitas vezes significa efetivamente dar os nomes de pessoas, mesmo que ainda mantidas na casa da suspeição.

Os jornais indicaram seus candidatos

Há uma espécie de consenso hoje no País de que o Brasil tem pouco a aprender com o processo eleitoral norte-americano, apesar dele levar à escolha de quem comandará a Nação mais rica e poderosa do mundo. Um sistema confuso ao ponto de, por exemplo, a votação já ter sido iniciada enquanto os candidatos George W. Bush e John Kerry, republicano e democrata que monopolizam o processo, ainda correm de uma costa à outra atrás dos últimos eleitores. Pois bem, no campo da mídia existe uma lição que vem de lá: a transparência dos jornais ao anunciar suas opções. Até a última sexta-feira, 27 veículos impressos, dentre eles o poderoso e influente The New York Times, haviam editorializado o apoio à candidatura Kerry. Outros nove disseram aos seus leitores considerar Bush a melhor opção. Já manifestei antes minha opinião favorável a tal prática, por considerá-la útil ao esforço que se costuma fazer em campanhas eleitorais no Brasil para demonstrar equilíbrio e esconder preferência, caso ela exista. Esforço inútil aos olhos do público que, mesmo sem apoios editorializados, ou exatamente porque eles não existem, analisa o comportamento do veículo conforme os seus olhos querem enxergar.

Para cada eleitor uma sentença

Recorro ao exemplo da leitora Maria Marluce Oliveira Fonteles, que me procurou na última sexta-feira para reclamar, indignada, da cobertura do O Povo da campanha de Segundo Turno, para refletir sobre o quanto é difícil parecer equilibrado no quadro que apresentamos. Para a dona Marluce, eleitora assumida do candidato Moroni Bing Torgan, do PFL, o jornal abraçou a candidatura de Luizianne Lins, do PT, e estaria deixando que sua opção contaminasse o noticiário. Sem querer entrar no mérito da avaliação da leitora, e valendo o registro de que no dia anterior recebera queixa de um outro com teor exatamente contrário, a falta de clareza de posicionamento possibilita que cada cabeça estabeleça uma sentença. Ao recomendar o voto no candidato que considerar mais capacitado, e fazendo-o no espaço correto, o jornal evitaria dúvidas como as que levantam leitores quanto a uma opção que, em verdade, posso assegurar que não fez.’