Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Joaquim Vieira

‘Não há prazo máximo a observar entre a realização de uma entrevista e a sua publicação, mas o ideal é ser tão cedo quanto possível

Um site inglês sustentou que a entrevista do PÚBLICO ao craque foi retida um mês

A entrevista foi dada à estampa pelo PÚBLICO em 7 de Agosto (manchete e págs. 2/3), houve quem dissesse que fora feita cerca de um mês antes, mas o protesto pelo suposto diferimento só chegou quase um mês depois. Em 4 de Setembro, o leitor Luís Paiva escrevia ao provedor alegando que a empresa Gestifute, que representa os interesses do futebolista Cristiano Ronaldo (C.R.), alegadamente ‘conseguiu fazer publicar uma entrevista’ ao jogador neste jornal ‘apenas um mês depois de ter sido efectuada.’

Não era uma entrevista qualquer, porque o craque não se abre assim todos os dias à imprensa, mas um exclusivo com repercussões além-fronteiras, em que C.R. punha termo à incerteza quanto ao tema mais especulado no defeso do futebol europeu deste ano, anunciando que acabara de optar por permanecer no Manchester United pelo menos por mais uma temporada, apesar da insistência do Real Madrid para a sua contratação e do seu próprio desejo de jogar em Espanha. ‘Ficar no Manchester United não será um sacrifício mas uma honra enorme’, anunciava o jogador no título da entrevista, conduzida por Bruno Prata (B.P.).

Para sustentar o que dizia, o leitor remetia para um texto difundido, no dia a seguir à saída da entrevista, no site inglês football365.com, onde se escrevia: ‘Uma cuidadosa leitura da entrevista exclusiva (…) na qual C.R. anunciou a sua decisão de ficar no Manchester United indica que tanto a entrevista como a decisão datam de há cerca de um mês. No início da entrevista, (…) C.R. é citado como afirmando: ‘O meu treinador teve a amabilidade de se vir encontrar comigo há dias, em Lisboa, como já penso ser público.’ De facto, embora se desconheça a data exacta, é sabido que [Alex] Ferguson se encontrou com C.R. na segunda semana de Julho.’ O artigo on-line explicava a seguir que fora Ferguson a convencer em Lisboa C.R. a ficar, especulando que o anúncio público da decisão só interessaria ‘na semana em que o avançado deverá regressar a Inglaterra’, como o ‘início de uma tentativa coreografada do lado de C.R. para ganhar de novo a confiança dos adeptos do United, que se puseram contra o seu ex-herói ao serem conhecidas as suas manobras para se desvincular de Old Trafford’. E o site dizia ainda: ‘Não deve ter dado muito trabalho convencer B.P. a adiar a publicação da sua entrevista exclusiva: ele é casado com Manuela Brandão, funcionária de Jorge Mendes, [dono da Gestifute e] agente de C.R.’

O leitor limitava-se a perguntar: ‘A que título ‘congela’ o jornal uma entrevista por um mês? E qual a relação desta matéria com o facto de o editor de desporto do jornal [cargo que B.P. já ocupou mas de que, de facto, se desvinculou há dois anos] ser casado com uma funcionária da Gestifute?’

Chegado a este ponto, o provedor entende ter a obrigação de fazer uma declaração de interesses: dirigiu nos últimos dois anos e meio um projecto editorial sobre a história do futebol em Portugal (Crónica de Ouro do Futebol Português, Círculo de Leitores, 2008) do qual B.P. foi um dos colaboradores, e cujos cinco volumes têm vindo agora a ser distribuídos. Mas julga que esta proximidade não afectará a sua capacidade de análise independente do assunto (da mesma forma que acha, aliás, para responder a uma das questões levantadas, não ser legítimo deduzir que as opções editoriais de um jornalista são automaticamente determinadas ou influenciadas pelos interesses do cônjuge).

Solicitadas as necessárias explicações, respondeu B.P.: ‘A notícia publicada no site inglês (…) contém um erro grave. É mentira que a entrevista tenha sido guardada na gaveta durante um mês. Um mês e meio antes da data de publicação, (…) existiu de facto uma conversa com C.R., mas acabou por ficar desactualizada e não foi utilizada. Ou seja, foi para o lixo – isso aconteceu quando Alex Ferguson utilizou um avião particular para ir a Lisboa conversar com C.R., que na altura chegou a um princípio de entendimento com o seu técnico para se manter em Inglaterra, como de resto foi noticiado nos mais diversos órgãos de informação. A realidade tinha mudado, e quem esteve atento ao arrastado ‘romance’ (…) não terá dificuldade em entender isso mesmo. Basta atentar ao facto de, um mês e meio antes, C.R. ter proferido diversas declarações públicas em que indiciava claramente a sua vontade de se transferir para o Real Madrid. Um mês e meio depois, foi combinada nova conversa, de que resultou a entrevista publicada, em que jogador explica, designadamente, por que alterou a sua posição, coisa que evidentemente não poderia ter feito se a entrevista já tivesse um mês. Estes factos sempre foram do conhecimento da Direcção do PÚBLICO, que sempre insistiu para eu não desistir definitivamente da entrevista.’

Esclarece ainda B.P.: ‘É verdade que a minha mulher trabalha há vários anos na Gestifute. Mas isso nunca foi segredo para ninguém. É público, inclusive, que foi ela que escreveu a biografia de C.R. [Momentos, editora Ideias & Rumos, 2007]. Retirar daí qualquer outro tipo de ilação é mais do que maldade – é pura burrice.’

O leitor justificava a sua reclamação ‘pelo facto de o PÚBLICO estar a ser utilizado, pela segunda vez, como veículo de uma empresa privada’ – e daí só ter protestado mais tarde: ‘No dia em que escrevo, surge um texto em tom laudatório sobre o jogador Ricardo Quaresma [R.Q.].’ Esse artigo, que o provedor detectou no PUBLICO.PT mas não na edição em papel, abria do seguinte modo: ‘É o último grande artista da nova geração a abandonar o futebol português. R.Q. foi uma das poucas razões para ir ao futebol em Portugal nos anos mais recentes.’ Rematava o leitor: ‘Afinal, o PÚBLICO anda a servir os interesses de uma empresa privada? Se sim, a que título? E a credibilidade do jornal, como fica?’

B.P. afirma não ter sido o autor deste segundo texto nem saber de quem se trata (o artigo não está assinado): ‘De facto, ele deve ter sido publicado nas minhas folgas, e nem sequer o li ainda.’ E alega em sua defesa: ‘R.Q. é um jogador representado pelo empresário Jorge Mendes a exemplo de tantos outros. Nos meus textos, já disse bem das exibições de uns e mal das de outros. Isso já aconteceu, em diferentes jogos naturalmente, relativamente ao próprio R.Q., como é normal, sendo uma tremenda maldade e falsidade tentar fazer crer que as minhas opiniões variam em função do representante de cada jogador. A prova disso é que fui dos mais acérrimos críticos de Luiz Felipe Scolari durante a sua passagem pelo futebol português. Para quem não sabe, o ex-seleccionador nacional é representado por Jorge Mendes, de quem sou (e pretendo continuar a ser) amigo desde os tempos em que ele ainda estava longe de ser um empresário de sucesso no mundo do futebol.’

Não está estabelecido um prazo máximo a observar entre a realização de uma entrevista e a sua publicação, o que depende do critério editorial do respectivo órgão de informação. Mas é claro que o ideal é que a sua difusão se realize com a máxima brevidade possível, por uma questão de actualidade. No caso vertente, desconhece-se se a tal ‘conversa com C.R.’ que B.P. teve mês e meio antes se destinava a ser publicada em forma de entrevista e, se sim, as razões por que não o foi logo. Mas é compreensível, do ponto de vista editorial, que se uma entrevista é ultrapassada pela evolução dos factos a sua publicação pode deixar de fazer sentido, e terá se ser posta de parte ou repetida. De alguma forma, é o que parece ter aqui acontecido com C.R,, pelo que o provedor não encontra fundamentos para criticar a conduta editorial do PÚBLICO neste episódio.’