Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Joaquim Vieira

‘Após sete meses dedicados ao texto do PÚBLICO, é tempo de o provedor abordar outra componente do processo informativo do jornal: a fotografia. Têm-se acumulado neste capítulo situações que merecem reflexão. Se, como soe dizer-se, uma fotografia vale por mil palavras, aqui estão, nesta crónica, mil palavras dedicadas à fotografia.

‘O PÚBLICO – estabelece o seu Livro de Estilo – atribui à fotografia uma importância fundamental na definição do estilo informativo e gráfico do jornal’. Mas será que se verifica a ‘relação dinâmica permanente e intensa’ entre fotografia e texto preconizada no mesmo documento? Se bem que, por opção gráfica, o PÚBLICO edite fotos em grandes dimensões, é preciso saber se elas adiantam ao leitor novos elementos informativos ou se, muitas vezes, não passam dos ‘tapa-buracos’ desaconselhados pelo Livro de Estilo. Vejamos exemplos.

O único artigo da pág. 10 de 28 de Maio, ‘MNE passa a usar endereços de e-mail em inglês e diplomatas não estão contentes’, é ilustrado por uma foto ocupando meia página – uma vista do andar superior e beiral de um edifício –, assim legendada: ‘O recurso ao inglês contraria a afirmação da língua portuguesa no mundo, dizem alguns diplomatas’. Não não se relaciona legenda e imagem e os leitores não são informados de que esta é um pormenor do Palácio das Necessidades, sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que a esmagadora maioria do público não identifica.

A crónica de Francisco Teixeira da Mota de 15 de Março é acompanhada da foto de um indivíduo não identificado (trata-se de um dos dois protagonistas do caso abordado no texto, mas, não sendo figuras públicas em Portugal, o leitor não adivinha).

Uma notícia sobre uma gigantesca explosão natural ocorrida há um século na floresta siberiana, na Rússia, publicada na pág. 20 de 30 de Junho, é ilustrada, sem legenda, pela foto de uma cratera no Arizona, EUA: os especialistas podem perceber a correlação, mas falta explicá-la ao grande público.

O leitor José Manuel de Carvalho Oliveira reclamou há mais de um mês ao provedor acerca do tratamento dado pelo PÚBLICO à imagem da ministra da Saúde, Ana Jorge: ‘Não pude deixar de notar (…) que ela aparece repetidamente com a mesma fotografia, olhando de soslaio (…). Ora, o olhar de soslaio, que todos nós fazemos de vez em quando, pode dar a ideia de pessoa menos franca, o que é algo desagradável.’ O provedor tem vindo a confirmar a constatação: ainda na passada quarta-feira essa foto surgia duas vezes, nas págs. 9 e 48 (o que aliás contraria as regras básicas de produção de um jornal).

Em todas estas ocorrências a direcção do PÚBLICO, confrontada pelo provedor, reconhece erros de edição. No caso do protagonista da crónica judiciária, ‘devia haver, ao longo do texto, na primeira vez em que fosse citado, entre parêntesis recto, algo como ‘ver foto’ ou ‘na foto’’, esclarece o director. Quanto à explosão siberiana, atribuída hipoteticamente à queda de um asteróide, José Manuel Fernandes (J.M.F.) escreve: ‘Apesar de a foto ser pequena e também representar o que se julga ser o impacto de um meteorito de grandes dimensões, isso tinha de estar explicado no texto. Erro do PÚBLICO.’ Sobre a ministra, explica J.M.F., desmentindo qualquer intenção depreciativa por parte do jornal: ‘O leitor tem razão, mas isso passa-se sobretudo com as fotos que habitualmente designamos como ‘micros’, grandes planos a meia coluna (…). No arquivo do jornal a que os gráficos têm acesso directo, há apenas três caras de Ana Jorge em boas condições de reprodução (…). Essa é a melhor, mas é pouco. Esta última semana, em que houve mais noticiário de saúde, foi pedido à editoria de fotografia que disponibilizasse mais fotos (…)’. Quanto à imagem das Necessidades, ‘já depois desse exemplo, e de outros, foi feita (…) uma norma [interna] sobre princípios de legendagem que obriga a identificar as fotografias’.

Todas estas situações são de ‘tapa-buracos’, recurso aliás inevitável num jornal. Ele não só existe no PÚBLICO como tem carecido de regras para a sua edição. Ou então elas não são cumpridas, como esta do Livro de Estilo: ‘Sempre que sejam tiradas fotografias em momento diferente daquele a que se refere o texto, deve ser utilizada a palavra ‘Arquivo’ para que esse facto seja claro aos olhos dos leitores’.

Mesmo na primeira página, em princípio vocacionada para uma imagem ‘forte’ relativa a uma notícia da véspera, prefere-se por vezes o ‘tapa-buracos’ (em regra rostos ou fachadas), embora esse expediente seja minoritário (segundo a estatística do provedor, num quarto das edições de Maio e Junho últimos e em 35 por cento das de Julho).

Estas questões foram objecto recente das preocupações do jornal, já que, informa J.M.F., se criou em 25 de Julho normas internas ‘destinadas a melhorar a qualidade das imagens editadas’, remetendo rostos e fachadas para a dimensão ‘micro’. Mas o problema comum aos casos suscitados, que permanece, é que o PÚBLICO não possui uma linha editorial coerente e uniformizada sobre escolha e tratamento de fotos. É o próprio director quem o admite: ‘O trabalho de selecção de imagens tende a ser feito em conjunto pelo editor da secção e pelo editor de fotografia (…). Mas há muitas fotografias encomendadas directamente pelos editores ou conseguidas pelos jornalistas (…). Ou seja, há muitos caminhos diferentes para que a foto chegue à página’.

Como entende o jornal afinar o modelo? ‘Para melhorar a qualidade das imagens seleccionadas – prossegue J.M.F. – , temos vindo a criar processos que permitam que mais pessoas tenham acesso ao que está disponível e ao que está a ser escolhido (…), que os pedidos de serviços ou de imagem de arquivo sejam mais exactos e rigorosos e que o circuito de tratamento e colocação em página seja simultaneamente rápido e rigoroso’.

É porém duvidoso que o caso se resolva apenas com mais gente a mexer na massa, sem política editorial clara quanto aos critérios a adoptar, até porque a questão não tem apenas a ver com a ‘qualidade’ das imagens.

A verdade é que a fotografia vale muito mais do que mil palavras, pelo que o provedor tenciona regressar ao tema.

CAIXA:

Quem é o dono das imagens?

O director-geral de Arquivos, Silvestre Lacerda, protestou junto do provedor contra a forma de edição e a ‘insuficiência ou ausência de créditos’ de três fotos fornecidas pelo Arquivo Nacional da Torre do Tombo (AN/TT) para integrar um artigo sobre Moses Amzalak, antigo dirigente da comunidade judaica portuguesa, publicado nas págs. 8/9 do P2 de 14 de Março.

Silvestre Lacerda não só fazia considerações genéricas sobre a edição de imagens pelo jornal (‘tem-se verificado nos últimos tempos que os documentos solicitados pelo PÚBLICO, não só textuais como fotográficos, carecem, na sua publicação, da menção correcta, quando existe, aos créditos necessários à obrigatória identificação da proveniência dos mesmos’) como reclamava, quanto ao caso em apreço: ‘Para além de as fotografias estarem unicamente mencionadas com a designação ‘Torre do Tombo’ [na realidade, o crédito, aposto apenas junto de uma delas, dizia ‘AN/TT’], encontram-se ‘cortadas, por iniciativa do jornal, com uma legenda. As imagens fotográficas constituem também documentos que não podem ser alterados. Neste caso concreto é particularmente chocante o desrespeito pelo trabalho do fotógrafo, ao ‘enxertar’ as legendas no meio das imagens’.

Numa resposta conjunta com Lucinda Canelas, editora do P2, José Manuel Fernandes esclarece que os créditos ‘foram os acordados [pelo AN/TT] com a autora do texto, Maria José Oliveira’ e que é linha do jornal não repeti-los no mesmo artigo: ‘Quando o crédito é único (seja um fotógrafo ou uma instituição) só o escrevemos uma vez, partindo do princípio de que é perceptível para o leitor que todas as fotos têm o mesmo autor ou a mesma origem. Nunca esta prática suscitou dúvidas ou reclamações’. (Para estes casos, o provedor recomenda, seguindo um normativo habitual, que se indique entre parêntesis o número de imagens abrangidas pelo mesmo crédito).

Quanto à ‘intromissão’ das legendas, consideram os reponsáveis do PÚBLICO: ‘Compreendemos o desconforto de Silvestre Lacerda – ele vê a fotografia como documento integral –, mas trata-se de uma opção que deriva do grafismo do jornal. Temos sempre a preocupação de que a opção de colocar as legendas numa zona neutra das fotografias não as comprometa enquanto documentos, não cortando nada que consideremos significativo nem as desequilibrando do ponto de vista estético. (…) Não nos foi dada qualquer indicação por Silvestre Lacerda de que devíamos respeitar a integralidade das imagens como, por absurdo, numa exposição. Num jornal as imagens devem formar um conjunto coerente e agradável com o texto e os restantes elementos gráficos, mas só em casos excepcionais são tratadas como obras de arte singulares que não podem, por exemplo, ser reenquadradas, servir de base a uma infografia ou a um recorte (…)’.

Apesar de perceber as preocupações subjacentes à reacção de Silvestre Lacerda, entende o provedor que o AN/TT não é proprietário (muito menos autor) dos espólios fotográficos à sua guarda, que são património nacional (ou seja, pertencem a todos nós). As referidas fotos (de autor aliás anónimo – um fotojornalista) não foram criadas com intenção artística – em cujo âmbito poderiam ser tidas em conta as objecções de Silvestre Lacerda –, mas sim como reportagem de imprensa, isto é, sujeitas, como sempre aconteceu (e acontecerá), desde que os jornais imprimiram as primeiras imagens, a processos de edição jornalística. O mesmo sucede com os documentos escritos depositados na AN/TT, de onde os investigadores apenas retiram passagens que correspondem aos objectivos do seu trabalho. Obrigar à sua publicação integral seria uma posição abusiva e, no caso das fotografias, uma limitação da liberdade de escolha editorial e da criatividade gráfica dos órgãos de informação.’