Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Joaquim Vieira

‘Dada a hipersensibilidade da sociedade portuguesa ao tema, multiplicam-se críticas pela cobertura do conflito da educação

Para o director, a mobilização dos professores mostra que estes ‘empurram’ os sindicatos, não o contrário

Com o extremar de posições no conflito entre o governo e os professores (ou os sindicatos de professores, como – ver-se-á mais à frente – haja quem prefira dizer), tudo o que se publica sobre a matéria acaba lido à lupa.

A leitora Catarina Cachapuz, por exemplo, contesta que o PÚBLICO escreva, na entrada do artigo ‘Professores que estão perto da reforma não vão ser avaliados’, na pág. 5 da edição de 18 deste mês, que ‘as férias começam amanhã [sexta-feira antes do Natal]’: ‘Tal afirmação é errónea e pode levar a opinião pública a pensar que esta classe profissional entrará de férias. De facto, é verdade que as aulas terminam hoje (dia 18) e que a partir de amanhã os alunos estarão de férias. Os professores continuarão nas escolas a trabalhar na avaliação dos alunos relativa ao 1º período lectivo. Na escola onde lecciono (Secundária c/3 Aurélia de Sousa, no Porto), este processo inicia-se no dia 18 às 18h45 e só termina a 23. De referir que, para evitar que a 24 de Dezembro ainda seja necessário estar a trabalhar, vamos efectuar reuniões de conselho de turma de avaliação no sábado [20] durante todo o dia. Estes factos podem ser confirmados junto de qualquer escola’.

Contrariando o jornalismo canónico, a frase consta da entrada mas não do corpo da notícia, pelo que não se sabe se o editor pretendia referir-se ao descanso dos alunos (as ‘férias escolares’) ou dos professores – embora, por associação, se possa entender tratar-se do corpo docente. De qualquer modo, a reacção da leitora não deixa de reflectir a hipersensibilidade com que se encara hoje o tema do ensino nos órgãos de informação.

O mesmo se passa com a reclamação de Jorge Gonçalves perante a manchete de 21 de Novembro, ‘Ministra recua, Professores não’, sobre as propostas governamentais de simplificação do modelo de avaliação dos docentes: ‘A manchete tem um erro grosseiro. Dou de barato a parte ‘Ministra recua’. É interpretação do jornal sobre as medidas anunciadas pela ministra da Educação, interpretação de que aliás discordo. Mas nem é essa liberdade interpretativa (que roça a intromissão editorial do jornal no próprio debate político) que me choca mais. É a parte seguinte: ‘Professores não’. Deveria antes ler-se aí ‘Sindicatos não’. O PÚBLICO ‘fala’ pelos professores? Representa-os? Presume que a posição dos sindicatos é comum a todos os professores? Ou acha que ‘sindicatos’ e ‘professores’ significam o mesmo? Certamente não acha, por isso esta manchete é particularmente criticável – embora não surpreendente no PÚBLICO, que na actualidade faz mais política do que notícias’.

‘O leitor levanta dois problemas em relação a essa manchete’, responde o director do PÚBLICO, a quem o provedor solicitou uma explicação. ‘Curiosamente, outros leitores têm levantado problemas de sentido diferente, ou mesmo oposto. A manchete parece ter funcionado como a história do copo meio cheio e do copo meio vazio. Quando a escolhi – e fui eu que a escolhi – pareceu-me uma descrição factual do que se estava a passar (a ministra alterara algumas das regras que antes dissera inalteráveis), mas os professores continuavam intransigentes. O resultado foi que alguns apoiantes da ministra viram no termo ‘recua’ uma conotação negativa e alguns professores viram na formulação do título um sinal de que estaríamos a acusá-los de intransigência’.

Prossegue José Manuel Fernandes: ‘Face ao clima político do momento, antevi ambas as leituras, mas considerei que isso não impedia que o título estivesse correcto, provavelmente podendo resultar mais desfavorável aos professores: havia muitos comentários contra a sua intransigência e a ministra abrira uma porta (…). Já quanto a utilizar o termo ‘professores’ e não ‘sindicatos’, desde início que as indicações dos nossos jornalistas apontavam para uma luta onde tinham sido os professores a ‘empurrar’ os sindicatos, e não a banal luta sindical como as que juntam umas centenas de pessoas à frente do ministério. As duas manifestações e os níveis de adesão à greve são tão fora do comum que ultrapassaram muito a capacidade habitual de mobilização dos sindicatos e abarcaram muitos, mas mesmo muitos, professores não sindicalizados. Mas mesmo que não fosse essa a leitura o título não deixaria de estar correcto, a não ser que demonstrássemos que a plataforma sindical não representava os professores. Se representa – e é o que se espera que aconteça se respeitamos o movimento sindical, concordemos ou não com as suas reivindicações –, escrever ‘sindicatos’ ou ‘professores’ é tão diferente como, por exemplo, escrever ‘PS’ ou ‘socialistas’.

E remata: ‘Duas coisas são porém certas: nem o PÚBLICO representa os professores, nem faz política. Mas faz as leituras da realidade que tenta que sejam o mais possível correctas e equilibradas, assim como abre espaço para opiniões diferentes sobre essa mesma realidade’.

O provedor considera estas explicações adequadas ao estatuto editorial do jornal, nada encontrando de objectável na manchete e parecendo-lhe a reclamação, de novo, fruto do radicalismo que se apossou da opinião pública acerca do conflito da educação.

Recuando mais dois meses, temos outra reclamação relacionada com este grande tema nacional de 2008, do leitor Henrique Pereira: ‘Ontem, 10 de Setembro, no PÚBLICO [em manchete], 85 professores diziam o que ‘vão fazer para melhorar a escola’. O PÚBLICO omite se são professores de escolas públicas ou privadas. Hoje, 11 de Setembro, no PÚBLICO [págs. 8/9 do P2], 76 crianças ‘dizem o que esperam da escola dos crescidos’. Curiosamente, uma significativa maioria das crianças [59, segundo a contagem do provedor] frequentam o ensino privado. Como explicam a diferença de critérios de identificação? Por que razão a amostra das crianças é tão desequilibrada?’

O provedor considera a observação pertinente. Embora os trabalhos tenham sido elaborados por jornalistas diferentes para diferentes áreas do jornal, o conceito é idêntico (somatório de fotos de cada depoente, com a sua frase ao lado), pelo que o critério de identificação também o deveria ser. Não que venha daí grande mal, mas na perspectiva do leitor seria mais interessante saber onde leccionava cada um dos professores contactados, o que aliás podia até certo ponto ajudar a compreender melhor o seu depoimento.

Quanto à distribuição dos alunos, sabendo-se que quatro em cada cinco jovens portugueses do pré-primário ao secundário estão no ensino público, não há dúvida acerca do grande desequilíbro da amostra. Embora longe do rigor da ciência estatística, seria interessante que se tivesse procurado uma distribuição das crianças proporcional à estratificação do universo que era suposto representar-se.

Ainda antes do agravamento do conflito já se manifestavam susceptibilidades, como a do leitor Ricardo Sardo, sobre a manchete de 8 de Abril, relativa às novas normas do concurso para professor titular: ‘A Fenprof acusava este diploma de ser totalmente inconstitucional. Decisão do TC [Tribunal Constitucional]: com excepção de uma única norma, o diploma (…) está conforme com a Constituição. Primeira página do jornal: ‘Concurso para professor titular com norma inconstitucional’. Diz-nos o Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses (…): ‘1. O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade. (…) A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público’. Qualquer pessoa interpreta a decisão do TC como tendo sido favorável ao Ministério da Educação e desfavorável às pretensões da Fenprof. A que deu mais importância o jornalista? Ao único ponto desfavorável ao Ministério’.

Deve esclarecer-se que o TC não actuou com base numa participação da Fenprof contra a totalidade do diploma em questão, mas sim a partir do pedido de verificação de constitucionalidade de três dos seus artigos apresentado por um grupo de deputados. É do ponto de vista noticioso mais relevante que o Governo, ao qual compete respeitar a Constituição, tenha violado a lei fundamental em um terço das normas contestadas do que a tenha cumprido nos outros dois terços. À lupa do provedor, parece assim correcta a opção da manchete.

CAIXA:

Jornalismo e pedagogia

O jornalismo deveria possuir como uma das suas obrigações éticas a pedagogia da língua em que se exprime. Ou seja, no nosso caso, cada órgão de informação tinha o dever de se constituir como reduto de bom português. Coisa que quem lê jornais sabe nem sempre acontecer, até quando a matéria se relaciona com educação. Repare-se nesta passagem do artigo ‘Estar sempre muito à frente’, sobre um dos docentes que este ano foram distinguidos com o Prémio Nacional de Professores, publicado na pág. 7do P2 de 20 de Dezembro: ‘Fala sempre na segunda pessoa do plural – o ‘nosso’ trabalho, ‘nós aqui na biblioteca’. A frase foi retomada ipsis verbis, com o erro que os leitores já terão detectado, para destaque. Os protestos não tardaram. O leitor Armando Mouta Pinto limitou-se a chamar a atenção, já que o destaque chamou a atenção dele. Quanto a Jorge Falé, foi muito mais acerbo: ‘É lastimável o modo como o jornal trata a língua portuguesa. (…) Sai um texto assinado por quem ignora a diferença entre as várias pessoas do discurso. Não contente com tal disparate, o jornal, revelando uma revisão deficientíssima, dá destaque à brutalidade linguística. (…) Ocorre perguntar: que tipo de provas de selecção prestam estes profissionais? Quem admite o pessoal não se apercebe das incapacidades destas pessoas? A não ser que o objectivo seja afastar os leitores – aí sim, estão de parabéns’. E, em retrospectiva: ‘A 11 de Dezembro, saiu um texto péssimo, a nível de estudante do primeiro ano de linguística, que falava da história da língua portuguesa [secção Iniciativas, pg. 46]. É tal a pobreza franciscana da redacção, tão rudimentar a sintaxe, que se espera não corresponda ao nível do projecto que pretende divulgar’. Neste caso, o leitor entra na hipérbole, já que uma revisão atenta faria o artigo cumprir a sua função. O que nem sempre se pratica no PÚBLICO, expondo-se assim uma das suas fragilidades.’