Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Joaquim Vieira

‘Os habituais índices de aproveitamento escolar em matemática revelam uma relação difícil do país com a disciplina dos números. E por vezes os órgãos de informação parecem empenhados em prová-lo com a sua própria abordagem de tudo o que tenha a ver com quantificações. Para a crónica do combate entre jornalistas e números, eis alguns exemplos recentes do PÚBLICO.

Primeiro, um erro crónico, ao falar-se do número de utilizadores de telemóvel no mundo: ‘4,1 milhões de milhões’, dizia a notícia, dia 3, no PUBLICO.PT. Constatou o leitor Carlos Medina Ribeiro (C.M.R.) que isto sucede ‘no seguimento da recorrente (mas sempre lamentável) confusão entre ‘billion’ (mil milhões) e ‘bilião’ (um milhão de milhões)’, pelo que ‘a população da Terra aparece multiplicada por 1000!’ Acrescentava ainda: ‘A notícia está cheia de comentários de leitores a chamarem a atenção para o erro, mas de nada adianta…’

Depois, uma mistificadora simplificação em título: ‘Recessão na zona euro arrasta PIB nacional para valor mínimo desde 1975’ (PUBLICO.PT, 7 de Março). ‘O que se passa é que o crescimento do PIB nunca esteve tão negativo desde 1975’ – comenta o leitor Miguel Carvalho. E remata Pedro Ruella Ramos: ‘Fiquei algo chocado com a iliteracia económica (e matemática) dos dois jornalistas envolvidos neste artigo. O PIB está muito longe dos valores de 1975 – o que estará, porventura, perto será a taxa de variação estimada em percentagem do mesmo, não o seu valor numérico. Pôr as coisas nestes termos, além de incompetente, é sensacionalista e pinta um cenário que simplesmente não é reflectido pela realidade’.

Explicações de Sérgio Aníbal, co-autor da notícia: ‘Obviamente, o título não está correcto. Não é o PIB que atinge o mínimo desde 1974, mas sim a sua variação, tal como dito no texto: ‘2009 pode registar a variação mais negativa do PIB português desde 1975’. (…) No texto está tudo correcto (…). Se o [segundo] leitor tivesse lido mais que o título, talvez retirasse, pelo menos, as críticas de iliteracia económica e incompetência (…). De qualquer forma, não minimizo a importância do erro (…). Lamento-o. Não me lembro como aconteceu: se houve dificuldades de espaço ou apenas distracção, mas seja como for está errado’.

A propósito dos erros surgidos no PUBLICO.PT, o provedor faz uma recomendação. Sendo um site informativo um espaço de actualização permanente, não tem sentido possuir uma secção como ‘O PÚBLICO errou’, da edição em papel. Mas seria importante não perpetuar os erros no registo definitivo dos factos na internet, pelo que, assim que os lapsos fossem detectados, os jornalistas deveriam proceder às necessárias correcções on-line, o que, como lamenta C.M.R., não sucede.

Outro recomendação será não continuar a laborar no erro após se ter procedido à respectiva rectificação. Na pág. 17 da edição Lisboa de 21 de Março, anunciava-se ‘um orçamento previsto de 85 mil euros’ para o certame ‘Peixe em Lisboa’, mas faltava um zero à direita: a verba correcta era de 850 mil euros. Na edição seguinte, o jornal fazia a competente correcção em ‘O PÚBLICO errou’, o que não obstou a que insolitamente, mesmo na página ao lado, Miguel Esteves Cardoso, construísse toda a sua crónica com base na primeira informação, obrigando-o a dar a mão à palmatória um dia depois. Um eficaz sistema de edição poderia ter evitado que o cronista caísse na ratoeira.

As percentagens levantam também obstáculos aos jornalistas, como detectou o leitor Fernando Cardeira: ‘No PÚBLICO.PT (…) em 9 de Março [sob o título ‘Número de americanos sem religião duplicou desde 1990′] lia-se: ‘O número de agnósticos (…) representa hoje 15 por cento dos norte-americanos, o equivalente a 4,7 milhões de pessoas.’ É fazer as contas, como diria o outro!’ E as contas dão cerca de 45 milhões de agnósticos, diferença não despicienda (na mesma notícia da edição em papel, optou-se por não se fazer o cálculo, não fosse o Diabo tecê-las…).

Insistiu o mesmo leitor: ‘No PÚBLICO de 18 de Março [edição em papel, pág. 13: ‘Relatório revela epidemia de HIV e sida na capital dos Estados Unidos’], (…) lê-se logo a abrir: ‘Três em cada dez habitantes com mais de 12 anos na cidade de Washington (…) estão infectados com o vírus HIV ou sofrem de sida (…)’. Desconfia-se, claro. Depois olha-se mais abaixo e vê-se: ‘3% dos habitantes de Washington com mais de 12 anos são seropositivos ou têm sida.’ Sem mais comentários, pergunto apenas como pode este jornal pagar a tão maus jornalistas’. Valha a verdade que neste caso o PÚBLICO foi lesto a rectificar, no dia seguinte, um dado que dava forte probabilidade de pelo menos um membro da família presidencial norte-americana estar infectado: afinal, os atingidos pelo vírus são três (e não 30) em cada 100 washingtonianos.

Não foi o que aconteceu desta vez, mas pode dar-se o caso de se corrigir mal, agravando-se o problema. O PÚBLICO deu à estampa em 21 de Agosto, na pág. 5, um gráfico com a recente evolução anual do número de casamentos e divórcios em Portugal que era, em síntese, uma autêntica trapalhada, motivando logo protestos de vários leitores. ‘Aquele gráfico é um exemplo acabado de descuido’, escreveu João Brandão. ‘Quem o fez é analfabeto funcional’. Na edição seguinte, tentou-se a rectificação, mas, alertou o mesmo leitor, a emenda não foi melhor do que o soneto: ‘Mais grave é ‘O PÚBLICO errou’ corrigir mal! Quem corrige tem responsabilidades adicionais. Deveria ter visto o que estava a corrigir. Repor os números dos casamentos (já publicados nas barras dos divórcios) com pequenas alterações e não ter visto que já lá estavam reflecte grande displicência. (…) Fiquei até sem saber quais os números certos, pois perdi a confiança no corrector. (…) O leitor continua sem a informação necessária para avaliar da situação dos divórcios em Portugal’. Não se publicou nenhuma outra correcção.

Como se vê, o problema dos números não é de agora: já foi abordado pelo provedor e voltará seguramente a manifestar-se. Uma das dificuldades consiste em comunicar com clareza ao público o significado dos dados. No mesmo mês de Agosto, o leitor F. Pinto dos Santos reclamava contra um outro gráfico, com a previsão do crescimento populacional na União Europeia até 2060, publicado na edição de 27 em complemento do artigo ‘Peso dos idosos com mais de 80 anos triplica’: ‘Faço uma crítica muito severa em relação (…) à indicação da ‘estimativa da população, com valores em milhares’ (…) Porquê em milhares e não em milhões, quando é habitual que se indique em milhões a população de cada país? Porquê a indicação dos milhões, dos milhares e mesmo (sendo uma mera estimativa) das centenas de habitantes de cada país? (…) Por que é que os números (…) foram ordenados à esquerda? Não seria de muito mais fácil leitura se tivessem sido ordenados à direita? (…) Os países estão ordenados (…) sem qualquer critério, o que torna ainda mais difícil ficar-se com uma ideia da posição de cada um no conjunto europeu de acordo com a respectiva população’. O provedor considera estas críticas pertinentes e junta-lhes outra: usavam-se pontos no lugar de vírgulas, sendo cada valor absurdamente escrito com dois pontos, um no lugar da vírgula e outro no da casa dos milhares (por exemplo, a população em Portugal cresceria de ‘10.617.4’ habitantes para ‘11.264.8’ habitantes).

Embora o quadro não fosse da responsabilidade integral da autora do artigo, Andreia Sanches, esta jornalista admitiu as críticas: ‘A tabela (…) tem, de facto, problemas. Os dados aparecem em milhares e não em milhões porque reproduzimos o quadro, e o critério, do Eurostat (…). Arredondar teria facilitado a leitura. Não sei qual é a razão para que os números estejam alinhados à esquerda. Perguntei aos meus colegas da Infografia, que me explicaram que a regra é alinhar os dados à direita. Terá sido um lapso. Sobre a forma como estão ordenados os países, uma vez mais limitámo-nos a reproduzir a tabela do Eurostat (…). Teria sido mais interessante ordenar, por exemplo, do país com mais população estimada para o que tem menos população. Mas confesso que na altura não me ocorreu. O que é pena, porque teria mais leitura’.

Por fim, atente-se nesta passagem da antecipação feita ao último Congresso do PCP saída na pág. 10 de 28 de Novembro: ‘No que se refere ao rejuvenescimento prometido pelo PCP, este continua a verificar-se na nova lista de nomes a aprovar pelo XVIII Congresso. Tanto que a média de idade dos membros do Comité Central proposto é de 47,2 anos, quando era em 2004 de 45,9 anos, o que significa que o Comité Central cessante tem agora uma média de 49,9 anos’. Compararam-se coisas não comparáveis (o início de um mandato com o fim de outro). Se a média etária do anterior Comité Central, quando eleito, era de 45,9 anos, regista-se naturalmente não o ‘rejuvenescimento prometido’ mas um envelhecimento com o actual, eleito com a média de 47,2 anos.’