Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

José Carlos Abrantes

‘A representação das mulheres no conjunto do jornal necessita de dados e análises. Além de examinar as cartas que me são enviadas, tenho dado atenção à ‘Tribuna Livre’, o correio dos leitores do Diário de Notícias, onde raramente surgem cartas relacionadas com o conteúdo jornalístico. O provedor do jornal brasileiro Folha de S. Paulo procedeu também assim em 11 de Julho. Uma professora assinalava serem muito poucas as cartas de leitoras publicadas, bem como os artigos de opinião escritos por mulheres. Marcelo Beraba foi verificar no seu jornal e na concorrência, durante um período de uma semana: todos os artigos de opinião tinham sido escritos por homens. E, nas cartas, a percentagem de participação das mulheres era também ínfima.

Será a situação semelhante em Portugal? Contrariamente ao Brasil, as mulheres formam a maioria dos licenciados e temos mulheres competentes em praticamente todos os domínios profissionais.

Assim consultei o DN de 1 a 16 de Julho. A ‘Tribuna Livre’ publicou 47 cartas, sendo 5 de leitoras. Da comparação que fiz com outros jornais o número geral é elevado, mostrando o relevo que o DN atribui a esta secção. Dos 69 artigos de opinião, apenas 3 são assinados por mulheres, ou seja, 4,4%. Eram artigos de Ana Gomes e Verónica Martins, sobre a Turquia, e de Helena Sacadura Cabral, colunista regular, um sobre a saída de Durão Barroso e o Euro 2004 e outro sobre o livro de Bill Clinton. Muito pouco, quase nada, na opinião feminina.

Podemos assim dizer que, com ligeiras diferenças, em dois jornais de referência, um de S. Paulo outro de Lisboa, as mulheres se exprimem pouco no espaço ‘nobre’ de construção da opinião pública e até nas cartas de leitores.

A representação das mulheres no conjunto do jornal é uma questão diferente, que necessita outros dados e análises. Basta olhar para o número de mulheres jornalistas que trabalham no DN. Este aproxima-se mais do retrato social do País: na ficha de domingo podiam ler-se 58 nomes de jornalistas-mulheres incluindo os fotojornalistas e os que trabalham nas delegações num total de 132 (43,9%).

Já os cargos de direcção voltam a dar um panorama mais desfavorável, neste aspecto, pois são todos ocupados por homens (4) e os editores executivos adjuntos são também todos do sexo masculino (6). Nenhuma editora exerce autonomamente a coordenação: há alguns casos de editorias partilhadas por um jornalista e uma jornalista (caso da Sociedade, Negócios, Artes) e uma editora adjunta no Nacional.

É sabido que a participação das mulheres no espaço público é, em geral, reduzida. Dificilmente a imprensa poderia reflectir outro estado de coisas. Os investigadores dizem que o espaço público está masculinizado. Terão razão? Parece que sim. Tenho tendência de considerar que a diversidade é um princípio fundador que orienta a vida das pessoas e o a actividade jornalística em especial. Mas interroguei uma especialista (ver Bloco Notas).

Esta situação tem importância e não apenas por razões de igualdade social. Mesmo do ponto de vista do mercado tem contornos que não podem ser ignorados. Um estudo divulgado pela Women's eNews, de 2003, mostra que as mulheres lêem menos os jornais que os homens em muitos países do mundo. E sustenta que os gestores e directores de jornais não têm conseguido ‘segurar’ leitoras, das quais uma franja importante é atraída para os novos media mais flexíveis e inovadores. Será assim também em Portugal?
Outro aspecto que merece a atenção é o da presença das mulheres nas imagens do jornal, especialmente na primeira página. Neste período, no DN, em mais de 40 fotografias, temos 7 fotografias de mulheres: duas com grande destaque, Sofia de Melo Breyner e Maria de Lourdes Pintasilgo, ambas falecidas; Fátima Felgueiras, numa notícia sobre telefonemas que levaram à sua fuga; duas jovens num destaque sobre as notas dos exames do 12.º ano; uma com Manuela Ferreira Leite ilustrativa da sua não-participação no novo Governo. Há ainda uma ilustração com um auto-retrato da pintora Frida Kahlo, remetendo para uma nova biografia da pintora e, finalmente, uma foto em que se vêem homens e mulheres numa rua, ilustrando uma notícia sobre o nível de vida no Algarve.

Sabemos como a primeira página é um primeiro reconhecimento para os olhares dos cidadãos e das cidadãs. Qual será o efeito destas sub-representações?

Bloco-notas

Palavras de mulher

Lígia Amâncio, professora no ISCTE, onde se doutorou em Sociologia do Trabalho, autora do livro Masculino e Feminino: A Construção Social da Diferença, falou-nos sobre a escassa participação feminina no espaço público.

– Porque acha que as mulheres participam pouco?

– Portugal é uma sociedade muito conservadora em que poder e saber se associam aos homens. As mulheres para serem aceites têm que ter níveis de qualificação muito elevados. Se reparar no Governo agora anunciado três mulheres foram nomeadas das quais duas, pelo menos, têm doutoramento. São dois terços. Não houve seguramente o mesmo critério com os homens. As mulheres para se afirmarem têm que ser sobrequalificadas.

– Parece uma teoria da conspiração…

– Não, são factos. Nos últimos dois anos discutiu-se o défice, o orçamento, as questões económicas, as empresas. As questões de sociedade estiveram arredadas do espaço público neste período. Não são estas as únicas prioridades das mulheres.

– Mas as mulheres tomaram de assalto alguns territórios como as universidades e deixaram outros ao abandono…

– Nas Universidades e na educação as mulheres afirmam-se pois são territórios que funcionam por valoração do mérito. São terrenos de funcionamento muito democrático em que não há discriminação por causa do sexo. Não é o caso da política ou dos media, terrenos de poder, logo lugares onde o mérito não tem frequentemente o mesmo lugar. O mesmo na economia, no trabalho sectores em que, por se ser mulher, se está mais fragilizada, nos despedimentos, por exemplo..

– Trata-se então de uma dinâmica social?

– Sim, não é novidade que as relações entre os sexos têm em Portugal uma dimensão conservadora. Poucos hoje querem ouvir as mulheres sobre as suas convicções profundas. Apenas mostrá-las como adornos. Em regra a mulher, em Portugal, ganhou o estatuto de majorette, havendo embora excepções notáveis no jornalismo como noutras actividades. Mas este estatuto não é satisfatório nem do ponto de vista individual nem do ponto de vista social.

Jornalismo no feminino

Women´s eNews (www.womensenews.org) é um site que procura dar a perspectiva das mulheres sobre diferentes aspectos da vida pública, cobrindo também questões que lhes dizem respeito.

Este serviço nasceu em Janeiro de 2002 de um movimento que vinha de trás e que, pela investigação, identificara a necessidade de distribuir notícias sobre as mulheres aos media comerciais nos EUA.

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