Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

José Queirós

‘O leitor está preocupado com o futuro do país e teme pela sua qualidade de vida. Segue com atenção as notícias sobre a aprovação ou não do Orçamento de Estado (OE). Está a par da dramatização política em curso, amplificada pela comunicação social, sobre a posição da actual direcção do PSD: afinal, vai ou não viabilizar o OE elaborado pelo Governo socialista? Desde previsões argumentadas a simples palpites, já ouviu um pouco de tudo, mesmo antes de se conhecer o documento. Sabe dos múltiplos conselhos prodigalizados a Passos Coelho, sabe das pressões. Terá já a sua própria opinião, não só sobre o que gostaria que acontecesse, mas sobre o que irá realmente acontecer. Mas ainda não o sabe ao certo; o líder da oposição tem dito que o seu partido não esclarecerá, antes da próxima terça-feira, a dúvida central da actualidade política.

Nestes dias de incerteza, procura informar-se e valoriza a credibilidade da informação. No seu jornal diário, disponível pela manhã, espera encontrar informação completa e imparcial, interpretação competente dos factos, opiniões que contribuam para a sua própria reflexão. Quem trabalha para as edições em papel dispõe de um tempo razoável para conhecer, ponderar e relacionar os factos que se vão sucedendo. O leitor espera que desse trabalho resulte o esclarecimento que procura. Mas o universo mediático mudou. O leitor de que aqui se fala quer também conhecer rapidamente as notícias, os sinais. Não quer esperar pela manhã seguinte, nem pelo telejornal da noite. A horas certas, poderá recorrer a uma estação de rádio ou a um canal de notícias por cabo, que nem sempre estarão à mão, e em que fica dependente dos alinhamentos editoriais para encontrar o que procura. Este leitor — e são cada vez mais — vai por isso procurar informar-se, de imediato, nos sítios dos media na Internet. O Público Online é o mais visitado. E nele vai encontrar as virtudes, mas também as fragilidades, do jornalismo em ritmo de corrida.

Vejamos o caso da passada quinta-feira. Passos Coelho participava numa reunião do Partido Popular Europeu, de que o PSD faz parte. Na Madeira, território de Jardim. Ambiente propício às pressões contraditórias de quem quer e de quem não quer que se entenda com Sócrates sobre o Orçamento. Cabendo-lhe, pelos trilhos sinuosos da política, o papel de portador da resposta que irá fazer alguma luz sobre a evolução da crise doméstica, muitos aguardariam que ali desse um sinal claro das suas intenções. Fiel à estratégia que tem seguido, o líder do PSD não desfez a dúvida. Preferiu salientar os efeitos penalizadores de qualquer das soluções para o dilema que terá de resolver, repetindo que a direcção do seu partido só se pronunciará depois de amanhã. Nisto, como em qualquer discurso político, havia uma mensagem. O jornalismo tinha aqui pela frente, como tantas vezes, a dupla missão de a transmitir (seleccionando de acordo com um critério de relevância o que é dito num discurso que não se reproduz na íntegra) e de a interpretar (relacionando as declarações noticiadas com outras declarações e factos que permitem enquadrá-las, e, quando possível, com informações obtidas por outros meios).

Voltemos ao leitor que consulta nesse dia o Público Online. Que procura informar-se com rapidez, e por isso se fica em geral pela página de abertura, onde espera encontrar os temas fortes da actualidade, e lê sobretudo os títulos e aberturas das notícias. Terá sido o caso da leitora Catarina Oliveira, que, pouco depois das 15h00 do passado dia 14, viu na homepage do PÚBLICO uma peça intitulada ‘Passos Coelho: ‘O país não fica numa boa posição’ se o OE não for aprovado’. E ‘não dá de si próprio uma boa imagem’, prosseguia a citação na abertura do texto.

A leitora terá visto nesse título, compreensivelmente, um sinal claro das intenções do líder do PSD. Mas espantou-se ao regressar dez minutos depois, talvez com mais vagar, à página do PÚBLICO. O título em causa desaparecera, mas continuava em destaque uma notícia sobre as declarações do principal dirigente da oposição no Funchal, agora sob o título ‘Passos Coelho promete ‘sangue frio’ para não ceder a ‘pressões orçamentais’’. ‘Reforçando a ideia de que chumbará a proposta de OE para 2011’, acrescentava-se na abertura da peça. Pouco depois, a leitora enviava-me uma mensagem, queixando-se de que ‘agora dão a entender o contrário’ do que sugeriam antes. ‘Que jornalismo é este?’, perguntava.

Catarina Oliveira não foi a única a achar que alguma coisa não batia certo. Na caixa de comentários da notícia, um leitor de Coimbra desabafara pouco antes: ‘Mau… Então a outra notícia em que parecia o contrário?’. E um outro, mais imaginativo, escrevera: ‘Engraçado como mudaram o teor da notícia no espaço de apenas dez minutos. Primeiro davam a entender que o sr. Passos Coelho ia aprovar o Orçamento, mas aí um coleguinha do lado deve ter dito ao sr. jornalista que assim não podia ser, e para manter o suspense lá modificaram a notícia’. Processos de intenção à parte, estava instalada alguma confusão, que convida a reflectir sobre as práticas seguidas na colocação de notícias em linha.

Começo por dar conta dos factos que pude apurar. A primeira notícia, colocada em linha às 15h06, com a assinatura ‘por Lusa’, tinha por base dois despachos daquela agência noticiosa, que continham os passos mais relevantes do discurso de Passos Coelho (que entretanto pude visionar). Esses despachos foram fundidos numa única peça na editoria do Público Online, e quem o fez não se socorreu dos seus títulos originais (‘Passos Coelho lembra que quando os impostos aumentam nunca mais descem’ e ‘PSD não pode estar a dar sempre as mesmas condições ao Governo’), e preferiu encabeçar o texto com outra frase do líder laranja: ‘‘O país não fica numa boa posição’ se o OE não for aprovado’. Esta opção editorial, que não se apoiava nos critérios de relevância jornalística reflectidos na estrutura dos despachos da Lusa, viria também a mostrar-se bem diferente da assumida, pouco depois, pelo próprio jornal.

A peça referida permaneceu, com destaque, na homepage do PÚBLICO, até às 15h56, altura em que, sem explicações, foi substituída nesse lugar por outra sobre o mesmo assunto, assinada por Tolentino de Nóbrega, jornalista do PÚBLICO na Madeira. Ana Machado, da editoria do Público Online, explica: a notícia da Lusa foi publicada porque ‘nos pareceu importante’ e ‘não sabíamos se íamos contar com uma peça do nosso correspondente na Madeira’. ‘Essa informação’, prossegue,’chegou 50 minutos depois. É certo que a leitura das declarações feita pelo jornalista da Lusa e por Tolentino de Nóbrega é distinta. Mas é óbvio que privilegiaríamos sempre o ponto de vista do nosso repórter, ainda para mais alguém muito experiente’.

Não é esse o ponto. A confusão provocada a quem deparou nesse dia, no sítio deste jornal, com o mesmo tema noticioso submetido em pouco tempo a dois enfoques distintos não resultou de ‘leituras’ diferentes dos jornalistas no terreno. O que aconteceu foi que no interior da redacção do PÚBLICO se manifestaram duas opções editoriais distintas e descoordenadas na escolha de títulos e aberturas. Veio a prevalecer, e bem, a que se reflectiu na peça assinada por Tolentino de Nóbrega, reforçada na sexta-feira na edição em papel. Aí, o seu texto, já mais desenvolvido, tinha por título ‘Passos Coelho diz que não cederá a pressões e que o país precisa do ‘remédio’ do PSD’, e abria com a frase ‘O líder do PSD reconhece que o chumbo do OE afectará a imagem do país, mas não muda de ideias’.

Refira-se, para evitar equívocos, que não está aqui em causa um maior ou menor acerto de previsão sobre o que a direcção do PSD irá decidir na próxima terça-feira. Se o PÚBLICO o souber com antecipação e por meios credíveis, poderá indicá-lo, com a salvaguarda de que os resultados de uma reunião só são certos depois de ela se efectuar. O que está em causa é a qualidade da descrição e interpretação jornalística de um acontecimento. No caso de uma mensagem política complexa e não conclusiva, como foi a de Passos Coelho no Funchal, a capacidade e a responsabilidade de a descodificar, com respeito pelos factos e pelo contexto, em benefício dos leitores. É isso que se espera do PÚBLICO, e a peça do seu jornalista na Madeira é um bom exemplo. Ela não diz o que o PSD vai fazer, mas diz qual a estratégia de comunicação que o seu líder escolheu para tentar condicionar a gestão das expectativas políticas nos dias imediatos.

Torna-se assim difícil compreender por que é que o PÚBLICO manteve em linha, durante quase uma hora, um título que dava um sinal diferente daquele que veio a transmitir depois, numa opção editorial mais pertinente. A explicação estará, creio eu, em dois problemas que já aqui abordei, e que justificarão medidas que os resolvam ou atenuem.

Em primeiro lugar, o convite à velocidade próprio do jornalismo on line, que tem de ser mais temperado pela reflexão. Um ganho de alguns minutos não compensa as desvantagens da menor qualidade, ou, em certos casos, os danos à credibilidade e à coerência editorial.

Em segundo lugar, a coordenação interna entre o trabalho para o sítio na Internet e para a edição em papel. Não faz sentido, neste caso, que a editoria do Público Online não soubesse que iria contar com uma peça própria da redacção sobre a reunião no Funchal. Ou que o jornalista no terreno não fosse confrontado com a escolha de um título que se adivinharia controverso. É suposto, num jornal, existir uma agenda. Há telefones, e-mails. O que parece não haver é mecanismos de coordenação editorial bem oleados, num tempo em que as edições na rede dão à imprensa novos trunfos, mas também novas responsabilidades.’