Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

José Queirós

“Na passada quarta-feira foi publicada neste jornal uma notícia exclusiva, intitulada, a toda a largura de uma página, 'Ministério do Ambiente enviou à PGR denúncia contra empresa ligada a Catroga'. O interesse público do que nela é relatado não suscita dúvidas. Trata-se de um caso de alegada subfacturação numa empresa de tratamento de resíduos licenciada pelo Estado, que teria resultado numa operação de evasão fiscal de grande dimensão. No essencial, é uma notícia bem documentada e redigida de forma competente e equilibrada. É certo que os leitores não ficam a saber se as ilegalidades apontadas ocorreram ou não, mas o facto de um departamento governamental ter remetido essa denúncia às autoridades judiciais justifica a publicação e o seu relevo, esperando-se agora que o jornal se mantenha atento aos desenvolvimentos do caso e procure investigar os fundamentos da acusação lançada contra a empresa em questão.

No entanto, a publicação desta notícia suscitou críticas — que considero inteiramente justificadas — de vários leitores. Em causa está sobretudo o título escolhido, que envolve directamente o ex-ministro do PSD Eduardo Catroga no que o antetítulo define como um caso de 'suspeitas de subfacturação'. E o problema agrava-se com o título da chamada de capa ('Queixa contra empresa de Catroga na PGR'), que só pode ser considerado enganador e abusivo face ao que se relata na notícia.

Para que se compreenda porquê, bastará recordar os factos mais relevantes que dão corpo à peça publicada. Uma denúncia anónima, apontando ilegalidades à gestão da empresa Sisav, detentora de uma licença para a exploração de um centro de tratamento de resíduos perigosos, terá sido recebida na Agência Portuguesa de Ambiente. Este organismo oficial decidiu, no início deste mês, remeter ao Ministério Público a documentação a que teve acesso sobre as práticas denunciadas: subfacturação no valor de cerca de dois milhões, e consequente simulação de um prejuízo de cerca de 800 mil euros referente ao ano de 2009. A Sisav tinha nessa altura dois accionistas principais: o grupo Egeo, em posição maioritária, e a empresa Sapec, presidida por Eduardo Catroga (que nunca integrou a administração da Sisav). Documentos internos consultados pelo PÚBLICO dão notícia de um conflito entre as duas partes, em Outubro passado, com a Sapec a acusar a Egeo das irregularidades agora denunciadas e a exigir uma auditoria às contas. O conflito terá sido resolvido com a recente venda da participação accionista da Sapec à Egeo, um acordo que terá incluído a não realização da auditoria. A presidir à administração da Sisav está, desde Dezembro, Júlio Castro Caldas (outro ex-ministro, mas do PS), que nega as acusações de subfacturação.

De tudo isto se pode concluir que, venham ou não a provar-se as acusações à anterior gestão da Sisav, quem as terá formulado em primeiro lugar terá sido precisamente a Sapec, essa sim uma empresa que poderá ser legitimamente referida como 'empresa de Catroga'. Os factos revelados justificam que o ex-ministro de Cavaco Silva seja inquirido sobre as razões ou interesses que terão levado a empresa a que preside a abandonar a exigência de uma auditoria a práticas consideradas ilegais e lesivas do erário público. Espera-se que esse e outros aspectos venham a ser esclarecidos pelo PÚBLICO, numa investigação que os leitores têm direito a esperar que prossiga em busca da verdade.

Mas os mesmos factos não autorizam de modo algum os títulos escolhidos, que não podem deixar de ser lidos como envolvendo Catroga (e só ele, no plano individual) nas suspeitas sobre actos ilegais que o próprio, afinal, terá condenado. Têm toda a razão os leitores que criticaram esses títulos, e é compreensível que os tenham classificado como 'facciosos'.

O autor da notícia, José António Cerejo, assume a responsabilidade pelos títulos publicados, embora afirme que 'hesitou muito' a esse respeito. Numa explicação que me enviou (e que pode ser consultada no meu blogue, acessível a partir da página de abertura do Público Online), argumenta que 'não sendo plausível que a Sapec e o seu presidente, Eduardo Catroga, não soubessem das irregularidades cuja existência a empresa veio a alegar, dispondo de vários administradores na Sisav, não fazia sentido secundarizar o seu papel no caso'. Por isso, explica, 'pareceu-me justificado, admito que mal, o destaque dado ao nome' do ex-ministro, 'porque se trata de um gestor que, enquanto político, tem agora altas responsabilidades no futuro dos portugueses '.

É com isto que não posso estar de acordo. O que estaria sempre errado face aos elementos de informação disponíveis — destacar o nome de Catroga como alvo de uma denúncia de práticas que ele próprio terá criticado — torna-se francamente inaceitável quando, em plena campanha eleitoral, a opção é explicada pela sua actual notoriedade, para a qual concorre, além de tudo o mais, o facto de ter sido o coordenador do actual programa eleitoral do PSD. Este é um caso em que títulos desajustados, que muitos leitores terão motivo para considerar tendenciosos, mancham uma notícia e põem em causa a reputação de independência e isenção de um jornal. Penso que o PÚBLICO deve reconhecê-lo e sentir-se obrigado a esclarecer até ao fundo tudo o que neste caso se pode considerar obscuro: desde os contornos da alegada fraude empresarial à reclamação de uma auditoria que depois se esquece, passando naturalmente pela oportunidade da denúncia e da sua divulgação.

'Se venho ao vosso site, por alguma razão é'

Às 08h28 do passado dia 20 o Público Online anunciava em título: 'Procuradora que conduzia alcoolizada foi detida pela polícia e libertada por colega'. Seguiam-se seis parágrafos com 'informações' retiradas na totalidade, e sem qualquer procedimento de verificação, das páginas da edição desse dia do Correio da Manhã, onde o tema fizera a manchete sensacionalista (e no mínimo inexacta) 'Procuradora com álcool perdoada'. Apesar de assinado 'Por PÚBLICO', o texto denunciava a ausência de autonomia editorial e de confirmação independente dos factos e do seu enquadramento, ao terminar com esta surpreendente frase: 'Nenhum dos envolvidos quis comentar o caso ao Correio da Manhã'.

Esta peça acriticamente 'importada' estava marcada por diversas imprecisões e faltas de rigor — nem a procuradora foi 'libertada' pelo seu colega, nem o caso deixou de seguir como inquérito criminal para o tribunal competente —, que só viriam a ser corrigidas oito horas depois, na edição on line, e no dia seguinte na edição impressa, em textos assinados pela jornalista Paula Torres de Carvalho, que esclareciam os factos e o seu enquadramento jurídico.

Mais uma vez, e a meu ver mal, a segunda notícia na edição on line omitia qualquer referência aos erros da anterior, que era um exemplo típico da exploração sensacionalista que faz tábua rasa da verdade, do contexto e do contraditório para 'vender' a indignação fácil contra 'os poderosos' que se protegeriam uns aos outros. Efeito rapidamente conseguido, a avaliar por muitos dos comentários que suscitou, enquanto vários leitores protestavam, por seu lado, contra o que consideravam ser um desvio à linha editorial do PÚBLICO.

Uma das várias mensagens que recebi, assinada pelo leitor Eduardo Santos, diz o essencial do que há a dizer: ' (…) Deveriam ter investigado o porquê de a senhora ter sido solta, antes de publicarem esta notícia de tablóide (…). Se não são obrigados a conhecer todas as leis, deveriam ser obrigados a investigar. (…) O facto de a notícia vir do Correio da Manhã não vos desculpa. Eu encontrei-a aqui, logo passou pelos vossos filtros editoriais. Se eu quisesse ler o Correio da Manhã, ia ao site deles. Se venho ao vosso, por alguma razão é'.

Tenho defendido neste espaço que a pressa em dar notícias sem cumprir procedimentos indispensáveis à sua validação, resultante de uma lógica de concorrência que sacrifica a qualidade, produz mais estragos que benefícios, e contribui para apagar as diferenças que levam os leitores deste jornal a preferi-lo. Hoje, porém, posso concluir com uma nota de optimismo. A directora do jornal, que considera que o texto criticado não deveria ter sido colocado em linha, explicou-me que as práticas seguidas no Público Online vão ser alteradas.

Escreve Bárbara Reis: 'Sendo quase impossível contactar fontes às 7h da manhã, hora a que a nossa redacção começa a trabalhar, tínhamos por hábito ler os jornais e fazer breves notícias sobre alguns dos temas citando apenas os jornais onde essas notícias tinham sido publicadas. Acabámos, porém, de criar uma nova regra: só se publicam informações de outros jornais no site depois de verificadas, em particular informações de jornais tablóides, portugueses ou estrangeiros. Claro que há excepções e o bom senso terá que prevalecer. Entrevistas e notícias com fontes fidedignas e identificadas podem, à partida, ser citadas pelo site do PÚBLICO sem necessidade de verificação anterior'.

É uma boa regra, que só posso aplaudir.”