Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Manuel Pinto

‘Os jornais são como as pessoas ou como os grupos: criam identidade, têm uma imagem a defender e tendem a destacar as notícias que lhes são favoráveis e a adoçar as que entendem poder prejudicá-los. Refiro-me aos dados estatísticos que permitem aos leitores fazer uma ideia da posição que cada jornal ou revista ocupa na relação com os seus concorrentes mais chegados.

Sobre esta matéria, há duas fontes de dados que regularmente vêm a lume: os do Bareme-Imprensa, recolhidos directa e telefonicamente, tratados e publicados pela Marktest; e os da Associação Portuguesa de Controlo das Tiragens (APCT), que resultam de informações recolhidas e auditadas relativamente a publicações periódicas pertencentes a editores seus associados.

O Bareme (abreviatura de Base Regular de Meios) fornece indicadores de audiência, designadamente a audiência média de cada título, o perfil dos leitores de cada publicação, a distribuição da audiência segundo determinados critérios como a idade, o sexo, a região ou o nível socioeconómico. Por exemplo, é através desses estudos que podemos dizer que, no primeiro trimestre deste ano, o ‘Jornal de Notícias’ continuou a ser a publicação de informação geral mais lida (com 10.9% de audiência), seguido de perto pelo ‘Correio da Manhã’ (com 10.4%) e, na terceira posição, pelo ‘Expresso’ (com 8.0%).

Por sua vez, os dados da APCT permitem conhecer quais as tiragens de cada publicação, o número de exemplares vendidos e oferecidos, a implantação geográfica de cada título, entre outros aspectos.

Digamos, para simplificar, que a APCT actua ao nível dos meios de informação jornalística e que a Marktest actua ao nível da utilização e consumo dessa informação. Qualquer um destes tipos de dados é importante: o primeiro assegura alguma transparência e auto-regulação nas regras de concorrência entre os meios, de modo a que a informação dada ao mercado tenha alguma fiabilidade. O segundo dá-nos a conhecer indicadores acerca da adesão, receptividade e possível impacte de cada projecto editorial. Num e noutro caso, a sequência de dados, ao longo do tempo, possibilita ainda criar a ideia de evolução e de trajectória, absoluta e relativa, de cada uma das publicações.

Estas notas podem ajudar-nos a compreender um facto ocorrido na semana que passou. Neste caso, foi a APCT que divulgou os dados relativos à circulação de jornais e revistas, no primeiro trimestre de 2004 e diversos meios de comunicação impressos fizeram-lhe referência, mais ou menos destacada no dia 30. Uma conclusão incontroversa que decorre desses dados é que o JN, que havia perdido, no ano passado, a liderança de vendas para o ‘Correio da Manhã’, voltou a recuperá-la, através de um crescimento muito vincado da sua circulação e das suas vendas.

Outros dados, relativamente aos diários de informação geral, apontam para a queda das vendas do ‘Público’ e do ‘Diário de Notícias’ e a subida do ‘24 Horas’.

Num contexto de crise económica, um mercado de dimensões reduzidas e um índice pobre de leitura de jornais fazem com que a concorrência se agudize. Numa nota de comentário aos dados publicados, o ‘Correio da Manhã’ atribuiu a subida do JN a ‘uma gigantesca e agressiva campanha de marketing’, o que os responsáveis editoriais deste jornal reconhecem, fazendo, todavia, questão de acrescentar outros dois aspectos que, do seu ponto de vista, estão na base da subida acentuada: o trabalho da Redacção e o contributo do sector da Publicidade. A este triângulo de factores poderia acrescentar-se aquele que é o factor decisivo: o interesse e a adesão dos públicos, traduzido no acto de ler e na decisão da compra. É por isso que é tão relevante o aspecto da audiência, campo em que o JN é líder.

Do ponto de vista dos leitores, parece-me interessante e importante dispor de instrumentos e de referências que ajudem a ler de forma crítica os dados periodicamente divulgados. Tomemos um exemplo: afinal, o ‘24 Horas’ superou a circulação do ‘Público’, tornando-se, assim, no terceiro diário do país, como afirmou esta semana o JN, ou apenas se aproximou do diário do grupo Sonae, mantendo-se na quarta posição, como informou o ‘Público’? A resposta é simples: cada um utilizou um critério diferente (mas não indiferente) para veicular a informação. O ‘Público’ serve-se da circulação paga, relativa aos jornais vendidos por assinatura e nas bancas; o JN alude à circulação total, que inclui também as ofertas.

O modo como os media informam sobre si próprios e sobre os seus concorrentes é porventura pautado por mais enviesamentos do que a informação veiculada sobre a realidade externa. O olhar crítico distanciado é difícil em casa própria ou na comparação com a casa alheia. Por isso mesmo exige uma atenção e vigilância ainda maiores.

Condições para confiar no jornal

No início de Junho, aludi, neste espaço, às vantagens e inconvenientes que poderão decorrer do facto de o jornal incorporar publicações que são produzidas por equipas editoriais autónomas relativamente à sua Direcção Editorial. O leitor Américo de Sousa escreveu ao provedor sobre um outro caso. Observa ele que, na ‘Notícias Magazine’ de 20 de Junho último, é publicada uma entrevista com Margaret Doody, autora do livro ‘Aristóteles Detective’, cuja editora em Portugal é a mesma que aparece no endereço de correio electrónico da entrevistadora. ‘Como leitor diário do JN , conheço a sua credibilidade institucional, e isso faz-me confiar nos princípios ético-jornalísticos de cada um dos seus colaboradores’ – salienta. Contudo, o facto apontado leva-o a interrogar-se sobre se poderá ainda manter essa confiança. E dizer que a ‘Notícias Magazine’ tem direcção autónoma é argumento que para este leitor ‘não colhe’, já que a revista traz, logo na capa, a advertência de que ‘faz parte do JN’. ‘E se faz parte – acrescenta – o que mais terá pesado na publicação desta entrevista? Os critérios jornalísticos do JN ou os (legítimos) interesses comerciais da editora de Margaret Doody em Portugal? Seja qual for a resposta, deveriam ser refreadas todas as tentativas de dar à publicidade uma aparência jornalística, expediente que, por si só, desqualifica e compromete a desejável relação de transparência entre o jornal e os seus leitores’.

Sobre este assunto, o director de Redacção do JN menciona, em comentário ao sucedido, o facto de se ter tratado de um caso pontual, em que a entrevistadora dispunha de condições únicas de acesso à entrevistada. Mas reconhece que o leitor tem razão e põe correctamente o problema.

O caso, em si mesmo, parece coisa menor. Mas não é. A credibilidade do jornal joga-se aqui.

Cobertura do Euro 2004

A partir de hoje, poder-se-á começar a fazer um balanço do modo como os meios jornalísticos cobriram o campeonato da Europa de futebol. A proeza histórica da selecção de Portugal fez e faz vibrar multidões e os jornalistas e comentadores não são, certamente, seres extra-terrestres, perante este espectáculo. Mas há limites que não devem ser ultrapassados, sob risco de se comprometer o papel do jornalismo. Que opina o leitor sobre esta matéria?’