Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Manuel Pinto

‘O problema mais ‘bicudo’ por que passou o jornalismo, nas últimas semanas, relativamente à cobertura da crise política, foi o das fontes de informação. É provavelmente uma das mais sensíveis dificuldades que os jornalistas enfrentam no exercício da sua profissão e não estou nada seguro que se tenha aprendido alguma coisa com os episódios ocorridos na generalidade dos meios de comunicação social.

As fontes de informação não são, para os jornalistas, tão ‘naturais’ como o são para o comum dos mortais as fontes a sério a que, na trova de Camões, ‘descalça’ ia ‘Leanor pela verdura’. É nelas que os profissionais da informação vão ‘beber’ o que, depois, nos divulgam. Mas essas fontes – sejam elas documentos, pessoas ou organizações, oficiais ou privadas, directas ou indirectas – são cada vez mais profissionalizadas, calculistas, em suma, interessadas.

Ninguém percebe nada de jornalismo se não voltar para esse lado pouco conhecido e por vezes obscuro a sua atenção crítica. É quase impossível avaliar a consistência e o valor de uma notícia sem averiguar de onde ela procede, a quem é que ela pode interessar ou atingir. E, no entanto…

E, no entanto, apesar de as fontes serem, pela sua natureza, interessadas (o ‘desinteresse’ e o altruísmo também podem representar uma forma de interesse, neste caso) não existe jornalismo sem fontes. E nessa zona a montante da produção das notícias, em que ocorrem trocas mais ou menos claras, nuns casos, negociações complexas, noutros casos, e, também, cumplicidades e conivências – nessa zona, dizia, joga-se, em grande medida a qualidade do próprio jornalismo.

Deve esclarecer-se um ponto: que as fontes, sejam elas quem forem, por boas ou más razões, pretendam influenciar os órgãos de informação e condicionar a sua agenda, em ordem a receberem acesso e cobertura jornalística favorável não será de estranhar. Faz parte do jogo dos actores sociais. E sabe-se bem como quem não consegue visibilidade nos media é quase como se não existisse. Que os meios de informação e os seus profissionais se deixem voluntária ou involuntariamente enredar nas estratégias dessas fontes – eis onde reside o verdadeiro problema.

Quando a fonte se assume, a responsabilidade da matéria noticiada cabe a um autor e tem um rosto. Mas quando ela quer que a informação passe, com a condição de o nome não aparecer, aí as dificuldades surgem e é o jornalista e o órgão de comunicação que assumem a responsabilidade. Ora, como observava, nesta coluna, o director deste jornal, em resposta ao provedor, na ‘Política e no Desporto, cada vez mais as fontes são anónimas, ninguém dá a cara’.

É evidente que se os jornalistas fossem fundamentalistas a ponto de nunca aceitarem a reserva da identidade das fontes em qualquer circunstância, muitas informações importantes, de acentuado interesse público, jamais veriam a luz do dia. O caso que, neste contexto, fez história e mais brado deu foi o chamado caso Watergate, trazido a lume por dois repórteres do Washington Post, na primeira metade dos anos 70 e cujo desfecho se evocará a 8 de Agosto, 30º aniversário da resignação do presidente Richard Nixon. Numa circunstância especial em que o jornalista, realizando todas as diligências de verificação a que deontologicamente está obrigado, considera que, tudo ponderado, é relevante a divulgação, não só pode como deve fazê-lo. Coisa totalmente diversa é a excepção converter-se em regra e a regra ser a informação baseada em fontes anónimas. Quando, em certas áreas da vida pública, a norma do jornalismo é o anonimato das fontes, é porque ou o jornalismo está doente ou a vida pública está doente ou esta ‘malaise’ é generalizada. Se não se verificar uma movimentação dos jornalistas para travar a derrapagem que aparentemente se instalou poderá ser, a prazo, a credibilidade do jornalismo que sairá afectada. O jornalismo não vive sem as fontes, mas também não sobrevive enredado nos seus jogos, interesses e estratégias. Atribuir a responsabilidade dos factos e das opiniões continua a ser uma garantia dada ao público. Ora o jornalista não trabalha para as fontes. Trabalha, sim, para o público.

O 30º aniversário da demissão de Nixon, no que teve de empolgante do ponto de vista da investigação jornalística, poderia constituir uma excelente oportunidade para repensar as regras básicas de relacionamento entre jornalistas e fontes. Até porque a socialização das jovens gerações de profissionais depara hoje com dificuldades, decorrentes da falta de memória nas grandes (e pequenas) redacções.

PS – Esta coluna não será publicada nas próximas quatro semanas, por motivo de férias do provedor. Voltará no final de Agosto. Mas, como o JN não pára, os canais de comunicação – por carta, fax, e-mail – continuam abertos às mensagens dos leitores.