Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Manuel Pinto

‘É sabido que o plágio se tornou um problema sério nos meios universitários, especialmente com a difusão do acesso à Internet. Mas até que ponto está a contaminar o próprio jornalismo? Em que medida há jornalistas que fazem passar por próprio o trabalho produzido por outros?

Este foi um dos assuntos debatidos na conferência anual da ONO – Ombudsmen News Organization, a associação que junta os provedores existentes no plano internacional, e que este ano se realizou em Londres, de domingo a quarta-feira passada.

O problema foi introduzido por George Claassen, provedor no jornal ‘Die Burger’, da Cidade do Cabo, África do Sul. Na sua forma mais brutal, não é mais do que a apropriação do trabalho de outrem. Ou seja, um roubo. Pode assumir formas menos escancaradas, mas igualmente graves, como retirar porções de texto de fontes diversas ou misturar elementos alheios com elementos próprios, confeccionando, depois, um novo produto, sem indicar a proveniência nem atribuir a autoria.

Ian Mayes, provedor do leitor do jornal ‘The Guardian’, anfitrião desta conferência, relatou um caso interessante um colunista de um jornal chinês traduzia textos de opinião publicados em ‘The Guardian’ e publicava-os como se fossem dele próprio. Não contava era que, neste diário londrino, houvesse jornalistas que também dominam a língua chinesa e que não acharam graça ao desaforo.

Neste tipo de práticas não é apenas a questão da propriedade intelectual ou a violação de direitos de autor que está em causa. Indissociável da dimensão jurídica, encontra-se aqui consubstanciada uma grave falta profissional, como a considera o Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses. Uma falta grave para os directamente lesados, na medida em que vêem um bem seu extorquido; para o órgão de informação e para o grupo profissional dos jornalistas, cuja credibilidade é fortemente abalada, ao ser descoberto o plágio; e, finalmente, para o público, que sente a confiança e a presunção de correcção e rigor seriamente ameaçados.

Um dos maiores escândalos do jornalismo dos últimos anos, ocorrido com o prestigiado ‘The New York Times’, teve a ver, em grande medida, com casos repetidos de plágio e com citações de declarações que nunca haviam sido recolhidas nem proferidas, praticados por um jovem jornalista. Uma das medidas tomadas pelo jornal para recuperar do abalo de credibilidade sofrido foi precisamente a criação do cargo de provedor do leitor, uma função exercida com sabedoria pelo seu primeiro titular que termina por estes dias o seu mandato.

Nos debates havidos em Londres, também se fizeram ouvir intervenções que transportam o combate ao plágio para níveis de manifesto exagero. Como seja a não distinção entre plágio e reescrita ou a não aceitação da troca de informações entre jornalistas (em circunstâncias em que há, por exemplo, várias conferências de imprensa simultâneas, como após as reuniões do Conselho Europeu). Para os fundamentalistas do plágio, que também os há, a obsessão de atribuir factos e declarações é tal que o jornalismo se tornaria tarefa impossível, convertido em floresta exótica e interminável de atribuições.

De qualquer modo, isso não retira pertinência ao alerta lançado, que é um apelo à transparência de práticas, antes de mais na esfera da acção individual, mas também na esfera das relações entre os media. Neste último domínio, referiu-se o caso das agências que recolhem e vendem aos media desportivos ‘pacotes de citações’, ou o dos grandes media que utilizam sem pudor nem atribuição de fonte o trabalho desenvolvido por outros media, como se a ideia tivesse sido sua. Foi, ao fim e ao cabo para esse tipo de prática que recentemente alertou a tese de doutoramento de Dinis Manuel Alves, ao evidenciar empiricamente o peso que tem a agenda dos media impressos na agenda televisiva, no nosso país.

A prática do plágio tornou-se um tema saliente no panorama jornalístico internacional. Em perto de meia centena de provedores presentes na conferência de Londres, dez assinalaram ter conhecido casos de jornalistas despedidos por terem recorrido a tal prática. E isto é o que se conhece – na maior parte das vezes por denúncia de quem é plagiado. Porque, também neste caso, preocupante é o facto de raramente virem do lado do público as denúncias do plágio.

A pressa, conjugada com a pressão para mostrar serviço, num clima de competição exacerbada entre profissionais e entre empresas pode criar o clima favorável a esta prática. A responsabilização individual e a vigilância no plano das práticas de auto-regulação, associadas a uma cultura empresarial que defina e repudie o plágio não resolvem tudo, mas permitem edificar uma barreira à miséria moral que adviria de um jornalismo negligente ou relaxado.’