Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Manuel Pinto

‘Convém colocar sobre a mesa os critérios de utilização das imagens de arquivo

Em 20 de Dezembro passado, o presidente de uma instituição particular de solidariedade social de Braga enviou ao provedor do leitor uma carta que, sendo embora breve, deu para desfiar um complicado enredo. Em resumo, dizia o seguinte tinha estado no centro de convívio da instituição uma equipa de reportagem do JN a recolher elementos para um trabalho a publicar no caderno ‘Sénior’ que o JN publica à quarta-feira. Contudo, passadas várias semanas, não só não foi publicado qualquer texto como surgiu, na edição de Domingo, dia 19 daquele mês, uma fotografia colhida na ocasião, a ilustrar uma notícia relacionada com uma cooperativa cultural.

Andava o provedor a preparar diligências para ver o que se havia passado e eis que recebe outra carta do mesmo remetente, esta de 5 de Janeiro, em que se referia que a mesma foto havia sido publicada, desta vez a ilustrar um texto publicado no caderno ‘Sénior’. Ou seja sobre a instituição de Braga não era publicado nada, mas as fotos então feitas, pelo menos uma delas, serviam para ilustrar outros assuntos. A verdade é que, na sequência das diligências do provedor, a peça jornalística foi, entretanto, publicada na edição de 26 de Janeiro. Não que o provedor interfira no que é ou não publicado, mas apenas porque as diligências que fez levaram a detectar alguma descoordenação interna, entre sectores da Redacção. Vale a pena referir, neste contexto, que algumas destas peripécias ocorreram num período em que mudou o responsável directo pela edição do ‘Sénior’, o que ajuda a explicar alguma coisa.

Em todo o caso, não gostaria de deixar passar a oportunidade sem reflectir sobre o uso das fotos no jornal. Neste caso, sobre o abuso. O editor do caderno, o jornalista Júlio Roldão, assume, em comentário sobre este assunto, ser ‘lamentável que uma foto destinada a uma reportagem que ainda não saiu tenha já sido publicada a ilustrar dois textos alheios ao tema que determinou a sua obtenção’. E diz saber que, ‘a breve prazo – e para evitar situações semelhantes – no arquivo das fotos existirá um espaço especial, uma espécie de limbo inacessível à generalidade dos jornalistas, para as imagens que aguardam publicação’.

Se assim for, é já uma boa coisa, mas ainda insuficiente. Do meu ponto de vista, convém colocar sobre a mesa os critérios de utilização das imagens de arquivo.

Hoje em dia, a comunicação através da imagem é, digamos assim, uma vertente fundamental da nossa cultura. No caso do fotojornalismo, as imagens testemunham, documentam e actualizam um contacto directo, uma experiência de ida ao terreno. Frequentemente a imagem é uma ilustração do texto, mas acontece igualmente ser ela o pivot da notícia, desempenhando o texto uma função, por assim dizer, auxiliar, de ‘ancoragem’. Quando de todo em todo não é possível que a foto se refira ou tenha uma relação directa com o texto, os cuidados a ter devem redobrar.

No caso concreto, as pessoas fotografadas (e facilmente identificadas) encontravam-se no interior da instituição visitada pelos jornalistas a desenvolver as suas actividades. Provavelmente não se importaram nada – ou até simpatizaram com a possibilidade de aparecerem nas páginas deste jornal. Mas como parte da matéria publicada, não para outros fins. Se o jornal quisesse utilizar essas fotos noutras circunstâncias, seria de bom tom obter o consentimento dos visados. De resto, para fotos que são usadas como uma espécie de ‘tapa-buracos’, haveria sempre outras soluções que não implicassem o recurso a imagens de cidadãos facilmente reconhecíveis. E, em qualquer dos casos, deveria ficar claro para os leitores de que se trata de imagens de arquivo.

O facto de, na maior parte das vezes, o cidadão comum não expressar incómodo e menos ainda se queixar da utilização da sua imagem – e foi esse o caso nesta circunstância – não deveria levar a tomar como facto consumado aquilo que é ou pode se problemático. De resto, a maior parte das pessoas desconhece em absoluto que lhes assiste um direito à privacidade e, sobretudo, à imagem, constitucionalmente reconhecido.

TORNAR CLARO QUANDO SE RECORRE A IMAGENS DE ARQUIVO’