Tuesday, 07 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Marcelo Beraba

‘Há um aspecto na cobertura que a Folha vem fazendo da sempre adiada reforma ministerial que incomoda: ela está centrada quase exclusivamente na especulação dos nomes que devem ser defenestrados por Lula e dos que podem ser coroados.

É muito pouco. Não me refiro ao volume, mas à qualidade da cobertura. Ela sofre do vício que desnorteia o noticiário político em geral: dá atenção quase que exclusiva aos interesses do Planalto e ao jogo dos partidos.

É evidente que o jornal tem o compromisso de tentar antecipar para seus leitores os nomes dos futuros ministros. Mas a cobertura não pode ficar limitada aos bastidores das pressões e frituras nem a detalhes que não terão a menor importância no futuro. Ela deveria ter como foco principal o interesse do leitor.

No caso, tão importante quanto antecipar os novos nomes deveria ser a produção de um balanço bem-feito de como trabalhou esse ministério até agora e porque não funcionou.

Quando esteve em Nova York, no dia 3 de março, o ministro José Dirceu (Casa Civil) disse, segundo relato da Folha, que a reforma ‘visa resolver duas questões: melhorar a eficiência da gestão do governo (…) e consolidar a coalizão de governo’.

É possível que seja retórica. O governo não parece preocupado em resolver problemas de gestão. Aparentemente, como assinalou um editorial da Folha, a reforma ‘não deverá passar de uma operação política de caráter fisiológico com o objetivo de remover em parte as dificuldades que o Executivo tem enfrentado no Congresso Nacional’ (‘Reforma fisiológica’, 8/3).

Mas a consciência dessa redução, de resto comum na política brasileira, não deveria conformar o noticiário do jornal. A Folha critica, com razão, o caráter fisiológico e eleitoral da reforma, mas não foi capaz até agora de impor um novo parâmetro para a cobertura.

Ela deveria estar cobrando do governo a prestação de contas que não apareceu e estar fazendo seu próprio balanço desses dois anos e três meses de gestão.

Vão mudar os ministros da Saúde, da Integração Social, das Cidades, das Comunicações, da Previdência. São áreas estratégicas para o país. Como foram os desempenhos desses ministérios? Há a sensação de que não funcionam. É real? O que foi feito e o que deixou de ser feito?

Essa era a prestação de contas que o governo deveria estar expondo às vésperas de uma reforma ministerial. Não fez e dificilmente o fará. É nessas horas que os jornais têm oportunidade de mostrar quão importantes são no trabalho de vigilância e investigação.

No caso da reforma, tiveram tempo de sobra para fazer um material de primeiríssima. O tema entrou na pauta para valer a partir de novembro. Com a ajuda do Banco de Dados, fiz um levantamento das reportagens publicadas nesses cinco meses. Foram pouquíssimas as que podem ajudar o leitor a avaliar os ministérios e alguns nomes que estão na berlinda.

Cito algumas, as mais recentes: ‘Com Eunício [ministro das Comunicações, do PMDB-CE], Ceará expande comunicações’ (1º/3); ‘Cadastro de rádio e TV embaraça ministério’ (3/3); ‘Sob Lula, saneamento passa por pior crise’ (6/3); ‘População descrê de obra no São Francisco’ (13/3); ‘Deputado [Ciro Nogueira, do PP-PI, cotado para um ministério] dá emprego a parentes’. Nenhuma abrangente o suficiente para ser considerada um balanço.

Se não é por falta de tempo nem de espaço, por que será que a Folha não conseguiu produzir uma cobertura diferenciada? A imprensa, e não só a Folha, parece ter só uma preocupação: a disputa pelo troféu de quem acerta o maior número de novos ministros. Mesmo que para isso tenha de gastar muitas páginas com ‘chutes’ e especulações.’

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‘Os jornais, segundo os leitores’, copyright Folha de S. Paulo, 20/3/05.

‘Eduardo Júnior mora em Belo Horizonte. Motivado pela coluna de domingo passado, em que tentei analisar algumas razões da queda contínua de venda dos grandes jornais (‘O futuro dos grandes’), ele relatou a sua experiência. Pode ajudar a entender o que ocorre com a Folha.

Em 1994, conta, pegava um ônibus todos os domingos, às vezes com o filho pequeno no colo, e se deslocava até o bairro Cidade Nova para comprar a Folha. Em 1998, assinou o jornal. Por questão financeira, interrompeu a assinatura meses depois, mas continuou lendo o jornal.

Em 2004, tentou assinar novamente, mas o jornal não era entregue no seu bairro. Optou, então por um diário local. Neste ano, assinou o UOL. ‘Acredito que estou no lucro, já que a assinatura custa R$ 19,90, e a da Folha é de R$ 39,90.’

O advento da internet foi destacado por vários leitores que tentaram entender a crise dos jornais. José Maria Gomes Guimarães, de Peruíbe (SP), acha que a era dos ‘diários’ acabou: ‘Aquela frenética busca por um furo de reportagem já não tem mais condição de acontecer. Pode-se dizer que, enquanto a televisão e a internet viajam em avião a jato, os jornais andam de carroça’.

Gil Perini, de Goiânia, também lê a Folha pela internet, mas aponta outras razões para a crise: ‘A questão da credibilidade talvez seja a chave. […] Outro problema talvez esteja relacionado com a mesmice dos jornais. Se você ler um, leu todos’.

Andres Ueta elogia o jornal (‘completo’, ‘bem informado’), mas acha que perde quando fica ‘agressivo’. Ele se refere a reportagens e artigos relativos a assuntos polêmicos como eleições, aborto, política de cota. ‘Leio há anos e somente desgosto quando são publicadas matérias com teor mais agressivo. Leio para obter informações, e não para ser coagido.’

O que chamou a atenção de Luis Felipe Silverio Lima foi o crescimento do faturamento dos jornais com publicidade mesmo com a queda na circulação: ‘Ou seja, não há uma relação direta entre venda e publicidade, como seria lógico. Daí, pode-se perguntar: quem faz o jornal viver, o leitor que compra ou o anunciante? Outra pergunta: para quem o jornal é escrito? O jornal é feito para ser vendido, e se o seu público-alvo não é o comprador, gera-se uma possível contradição. (…) Pior, contudo, é quando se começa a desconfiar de que o jornal é feito não só para vender os anúncios mas também para agradar aos anunciantes’.

‘O que sinto sobre o jornalismo é o mesmo que sinto em todas as atividades -falta de princípios. Indefinição entre o ‘tudo por dinheiro’ e a missão da profissão’, escreveu Aylton Lima, de Santos.

José Amantino Maciel enxerga várias causas para a queda da circulação dos jornais, mas destaca uma: ‘o noticiário, em geral, está dissociado do cotidiano das pessoas. É feito para e sob a óptica da elite, tem muito pouco a ver com o que realmente mexe no bolso e na qualidade de vida de assalariados’.

E que jornal querem os leitores? ‘Peço um jornalismo analítico, não preso a determinado número de linhas, tendência lançada em função do ‘leitor não tem tempo de ler longos artigos’. Ora, quem não tem tempo para ler, também não tem tempo para analisar, e segue a primeira tendência’, escreve Aylton Lima.

José Maria Gomes Guimarães vai na mesma linha. Ele acredita ‘que a tendência é os diários ficarem mais parecidos com as revistas semanais, partindo mais para investigação e análise’.

E há também os que acham possível uma volta ao passado, como Jeferson Araújo Pereira: ‘Vamos supor que a internet não existisse. Em 2004, sem a internet, acredito que a Folha tivesse vendido algo próximo dos 606 mil exemplares de 1995. Eu me lembro dos domingões de 1 milhão de exemplares. Fiquei emocionado quando a Folha se comparou aos maiores do mundo, pois é o jornal que leio desde 1982. Por que a Folha não reativa os brindes, as enciclopédias, ou algo parecido?’

Acho que aquela página virou.’