Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Marcelo Beraba

‘A ‘IstoÉ’ antecipou a circulação e, na manhã de sexta-feira, dia 18, já estava distribuída. No mesmo dia, à noite, a capa da ‘Época’ já podia ser observada na internet. E no sábado circulou a ‘Veja’. No domingo, os leitores sentiram o impacto nas bancas: as três maiores revistas semanais tinham a mesma capa, o escritor Paulo Coelho e o seu novo livro, ‘O Zahir’.

Difícil imaginar, para os padrões editoriais brasileiros, lançamento mais bem sucedido. As três revistas juntas tiveram uma circulação média semanal ao longo de 2004 de quase 2 milhões de exemplares.

O choque foi imediato. O leitor Nilton José Dantas Wanderley, de Brasília, enviou um e-mail bem-humorado ainda no domingo: ‘Hoje de manhã tomei um susto ao chegar ao meu jornaleiro e ver emparelhadas, com a mesma capa de Paulo Coelho, ‘Veja’, ‘IstoÉ’ e ‘Época’. O que é isso? Uma campanha publicitária? As três com a mesma capa? Vão dizer que é casualidade? Ah, acredito em Papai Noel, disco voador, mula-sem-cabeça e também nesta história’.

Para a Editora Rocco, que publica o livro no Brasil, a estratégia de marketing foi um sucesso total. ‘Foi maravilhoso. Os livreiros ficaram impressionados com a repercussão’, comentou a assessora de imprensa Cíntia Borges. ‘Nunca tivemos uma divulgação como esta.’

Além das três revistas no fim de semana, o lançamento ganhou as capas dos cadernos culturais de terça-feira do ‘Estado’ (‘Paulo Coelho no reino das celebridades’) e do ‘Globo’ (‘A mágoa do mago’). A Folha só foi tratar do assunto na Ilustrada de ontem, dia que destina aos livros.

Revistas e jornais já fizeram, fazem e continuarão a fazer acordos, nem sempre transparentes, com produtores de livros, filmes, CDs e DVDs para garantir os lançamentos que consideram importantes. É um risco que correm porque os leitores desconfiam de reportagens que parecem campanha publicitária. É a opinião, por exemplo, de Ariovaldo Pitta, de São Paulo.

‘Como leitor, só posso lamentar o chamado ‘jornalismo de mercado’, que vem sendo praticado e patrocinado pelas empresas de comunicação no Brasil. Todos os meios, sem exceção, caíram na armadilha fácil de transformar em notícia as bobagens de celebridades. Que jornalismo é esse? (…) O senhor Paulo Coelho deve ter, sim, espaço na mídia para divulgar seu novo livro, mas será que o lançamento merece a capa das principais revistas brasileiras? O que está por trás disso tudo é uma ação profissional e coordenada do marketing, vendendo essas coisas como se fossem notícia importante.’

As revistas

O leitor colocou uma questão interessante: precisava ser capa? Nenhuma das três revistas tinha assunto mais importante para destacar?

As revistas semanais mudaram muito nos últimos anos. Aos poucos foram trocando o noticiário pesado dos assuntos públicos, como a política e a economia, por seções mais leves e temas relativos à vida pessoal, como saúde, finanças, crenças, comportamento. As celebridades têm um espaço valorizado. Essa estratégia vem dando certo sob o ponto de vista comercial, tanto que as três revistas tiveram crescimento em relação a 2003. Nesta perspectiva, as capas com Paulo Coelho até que são coerentes.

Na edição sobre ‘O Zahir’, ‘Veja’ (circulação média semanal em 2004 de 1,115 milhão) trazia uma continuação da história de que as Farc teriam financiado a campanha eleitoral do PT em 2002 e tratava de assuntos da semana (gastos públicos, Febem, cotas nas universidades) sem novidades. Paulo Coelho foi editado em oito páginas (o mesmo espaço dado pelas três revistas) sob a rubrica ‘Celebridade’.

‘Época’ (428 mil exemplares) assinara em dezembro um acordo com a Editora Rocco e pôde publicar com exclusividade um encarte com um capítulo do livro. Para isso, conseguiu o patrocínio de um laboratório. Segundo a Rocco, a estratégia de lançamento mundial previu a cessão de um capítulo para uma revista de cada país. No Brasil, a escolha de ‘Época’ foi do próprio Coelho.

O texto sobre o lançamento e uma entrevista exclusiva foram editados na seção ‘Literatura’. As principais reportagens da edição são sobre financiamentos do BNDES para megaprojetos e a contratação de petistas para a central de abastecimento de São Paulo. A revista destina duas páginas e oito fotos para acompanhar um dia na vida da modelo Caroline Bittencourt (‘A rotina da barrada do ano’).

‘IstoÉ’ (372 mil exemplares) tem dois assuntos fortes que, em tese, poderiam ter sido capa: um documento acusa as tropas brasileiras no Haiti de despreparo e há um relato sobre a vida na prisão dos dois brasileiros condenados à morte na Indonésia.

Paulo Coelho escreveu um texto para a revista e esta, para valorizá-lo, colocou um ‘exclusivo’ na capa, o que parece excessivo quando se comparam as três revistas. O material saiu em ‘Artes & Espetáculos/Livros’.

Quarta revista semanal de notícias, ‘Carta Capital’ ignorou o lançamento. Com uma média semanal de 58 mil exemplares em 2003, a revista publicou, na quinta, um anúncio bem-humorado em que colocava lado a lado as capas das três concorrentes e a sua (‘Dantas a pique’, sobre o banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity), com o seguinte texto: ‘Nada contra os coelhos. Mas alguém tem de vigiar as raposas’.

Credibilidade

E o que dizem os diretores das revistas? Eurípedes Alcântara, da ‘Veja’, não quis comentar o assunto. Aluizio Falcão Filho, da ‘Época’, foi sucinto: ‘Tivemos em dezembro a assinatura de um acordo com a editora, que nos prometeu um capitulo exclusivo. Fizeram isso e nos facilitaram a entrevista’.

Hélio Campos Mello, da ‘IstoÉ’, acha que a revista foi coerente ao dar a capa para o novo livro de Paulo Coelho. ‘A repórter Eliane Lobato já tinha feito uma reportagem grande para a ‘IstoÉ’, em 2003, quando foi constatado que ele é o maior vendedor de livros do mundo. O novo livro está sendo lançado em 83 países. Nada mais natural que a gente dê um espaço alentado para o lançamento. Acho que existe um preconceito com relação ao Paulo Coelho por parte da imprensa. No caso da ‘IstoÉ’ não houve ação de marketing nenhuma. Eu tratei direto com o Paulo Coelho e ele fez um texto exclusivo para a revista sobre a expectativa dele em relação ao livro.’

É fato que Paulo Coelho é um fenômeno mundial de venda e como tal deve ser tratado pelos meios de comunicação. Seria um erro jornalístico grave ignorá-lo. O problema é que o conjunto da operação reforça nos leitores a idéia de que jornalismo hoje é mais mercado do que notícia e de que as capas fazem parte de uma estratégia comercial que envolve as redações.

A repetição de episódios como este mina a credibilidade de jornais e revistas e deveria ser uma fonte de preocupação e de discussão para todos nós -empresas, jornalistas e leitores.

‘Definição – Intelectual e celebridade’

Pergunta – Você acha que no mundo Ocidental, em uma época em que se cultua a celebridade, ainda existe espaço para o intelectual?

Paulo Coelho – Eu acho que o intelectual pode ser uma celebridade, e deve tratar disso de maneira respeitosa, sem preconceitos, procurando usar a fama para melhorar o estado atual do mundo. Existem vários bons exemplos, como Peter Gabriel ou Bono.

* Extraído de entrevista de Paulo Coelho no site da Editora Rocco, www.rocco.com.br