Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marcelo Beraba

‘A Folha ainda não acertou a mão na cobertura dos assuntos ligados à Daslu, a loja mais luxuosa do país, segundo o próprio jornal.

Foi exagerada no espaço e acrítica nos textos que destinou, no início de junho, à inauguração do megaempreendimento, como registrei na coluna ‘…e a nova Daslu’ (12/6). E foi exagerada e parcial na última quinta-feira, quando noticiou a prisão de dois sócios e um funcionário acusados de sonegação de impostos.

Antes de a loja ter sido inaugurada, nos dias 4 e 5 de junho, o jornal já tinha publicado, a respeito, 21 notas em colunas, cinco reportagens e uma página inteira assinada por Mônica Bergamo. Nos dias da inauguração foram mais três colunas, três reportagens e um artigo.

Mesmo levando em conta a importância comercial e simbólica do empreendimento, a cobertura me pareceu excessiva, no tamanho, e fora do projeto crítico da Folha.

Na quinta-feira, o jornal voltou a exagerar. Publicou o equivalente a cinco páginas sobre a prisão da empresária Eliana Tranchesi. Bem mais do que os seus dois concorrentes diretos, o ‘O Estado de S. Paulo’ e ‘O Globo’, que editaram, cada um, duas páginas.

Não vi problemas nos textos que relataram a operação da Polícia Federal. A manchete do jornal (‘Operação da PF detém dona da Daslu’) e as reportagens sobre a ação policial editadas no caderno Dinheiro (‘PF detém dona da Daslu acusada de sonegação’, ‘Ação começava nos EUA, afirma procurador’, ‘Receita investiga outras empresas’) estavam corretas e bem informadas. E foi dado o espaço de praxe para a defesa dos acusados pelo Ministério Público Federal: ‘Não havia motivo para prisão, diz advogado de empresária’.

O que me pareceu fora de propósito foram os comentários e as repercussões publicadas pelo jornal, todos com a mesma preocupação de questionar de alguma forma a ação da Justiça, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. O que seria legítimo e saudável se houvesse o contraponto, ou seja, comentários e repercussões que explicassem a ação policial.

O desequilíbrio começou na primeira página do jornal, com a publicação de extratos dos artigos dos colunistas Danuza Leão e Gilberto Dimenstein, ‘As ‘chiquérrimas’ estão quase de luto’ e ‘Euforia com prisão foca alvo errado’. E continuou internamente com as repercussões (‘Empresários temem abuso da PF’, ‘OAB-SP vê operação da Polícia Federal na Daslu com ‘ressalvas’, ‘Clientes vêem dona da Daslu como ‘vítima’ e ‘ACM chora e defende empresária’) e um texto de apoio que parecia justificar os crimes apontados pelo Ministério Público Federal: ‘Caos tributário do país estimula irregularidade’.

Apontei esses problemas na Crítica Interna de quinta: ‘Diante de tantos depoimentos e comentários criticando a prisão da dona da Daslu, o jornal poderia ter publicado pelo menos unzinho defendendo ou explicando a ação da PF’.

A edição de sexta estava mais equilibrada. A começar pelo editorial do jornal, ‘Operação Narciso’, que reconheceu que ‘a operação da Polícia Federal na Daslu é justificável’, embora ‘conduzida com dispensável espalhafato’.

A cobertura jornalística mostrou que a empresa já vinha sendo investigada desde 2003 pelo Ministério Público Federal e auditada pela Fazenda estadual desde o início do ano.

A repercussão foi, enfim, equilibrada. Houve espaço para os questionamentos (‘Fiesp propõe ato contra ‘arbitrariedade’ e ‘Serra vê prisão de Tranchesi como exagerada’) e para as justificativas (‘PF rebate crítica e nega abuso contra Daslu’ e ‘Entidade quer Justiça desigual, diz juiz’, uma resposta às críticas da Fiesp).

E três colunistas do jornal se manifestaram. Diferentemente de quinta-feira, defenderam pontos de vistas distintos. Luís Nassif viu evidências de crime (‘O esquema Daslu’), Eliane Cantanhêde relacionou a ação policial à crise política do governo (‘PF versus CPI’) e Barbara Gancia fez um ataque frontal ao Planalto (‘Daslu ou Daslula?’).

São artigos polêmicos e divergentes, como quer o projeto editorial, nem sempre aplicado.

O caso Daslu ainda vai se estender por um bom tempo. Símbolo do luxo paulista, abençoada pelo governador Geraldo Alckmin, do PSDB, a megaloja está agora definitivamente associada à era Lula e ao destempero que tomou conta do país. Não vai ser fácil reportá-la.’

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‘A favor dos animais’, copyright Folha de S. Paulo, 17/7/05.

‘O campeão de mensagens dos leitores nesta semana não foi o ‘mensalão’ nem a Daslu. O editorial ‘Direitos de Animais’, publicado na segunda-feira, provocou a ira de 20 leitores que criticaram duramente a defesa que o jornal fez do uso de animais em pesquisas científicas em algumas circunstâncias.

O editorial foi produzido depois da publicação, no dia 6, em Ciência, da reportagem ‘Usar animais em estudo é barbárie, diz historiador’, em que dois acadêmicos discutem o assunto. Nicolau Sevcenko é o historiador do título e informa que existem hoje alternativas ao uso de animais: ‘A ciência propicia hoje softwares complexos que modelizam o organismo. É possível também usar material de animais mortos de maneira natural, mas congelados para efeito de estudo’.

A bióloga Dolores Rivero tem outra opinião: ‘Para o avanço da área médica é imprescindível as pesquisas com animais. O ganho de conhecimento foi brutal. Não se pode expor uma pessoa a um poluente como o monóxido de carbono. Elas desmaiam e podem morrer’.

Todos os leitores que escreveram contra o editorial do jornal estavam de acordo com o ponto de vista de Sevcenko. Muitas mensagens eram parecidas, o que pode indicar uma campanha. Mas isso pouco importa. O fato é que o assunto é polêmico e está longe de ter sido esgotado.

O que mais incomodou os leitores que escreveram foi o tom seco e sem meias palavras do editorial. O texto já começa provocador, como deve ser um texto opinativo. ‘A natureza é cruel. Essa é uma lei universal que pode ser depreendida da simples observação das relações ecológicas entre espécies e indivíduos. Reconhecer esse fato deveria ser um pré-requisito para os defensores de direitos dos animais. Infelizmente, não é, e freqüentemente surgem reivindicações românticas pelo fim da utilização de animais em pesquisas e no ensino’.

Alguns leitores reagiram emocionalmente e desqualificaram o editorial e o jornal. Outros, no entanto, questionaram a posição da Folha com argumentos e informações que contrariam a idéia de que é impossível avançar nas pesquisas sem o sacrifício de animais. Encaminhei todas as mensagens para a editoria de Opinião e pedi um comentário do editor Marcos Augusto Gonçalves, que reproduzo:

‘A Folha nada tem contra os animais. O editorial apenas procurou introduzir uma dose de realismo no debate sobre a utilização de animais na ciência e no ensino médico. Em relação à primeira, existem circunstâncias em que é impossível deixar de utilizar cobaias. A toxicidade de uma nova droga, por exemplo, precisa ser testada em animais antes de ser ministrada a humanos. No que diz respeito ao ensino médico, o próprio editorial afirmou ser desejável substituir os animais por simuladores, mas essa tecnologia ainda precisa ser melhorada e barateada para que possa chegar às escolas médicas brasileiras.’

O jornal deveria levar em conta as informações dos que acham que já é possível hoje prescindir do uso de animais nas pesquisas e no ensino e produzir uma reportagem que mergulhe no assunto e ajude a entendê-lo. É um grande tema mal explorado.’